quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Amnésia de José Sarney

O Presidente do Senado, José Sarney, confrontado com tantas acusações, durante a longa e - para ele - impiedosa campanha, que lhe é movida por seus adversários e a terrível mídia, tem demonstrado, ao longo de exposição de “coisas que não representam nenhuma queda de padrão ético”, pelo menos uma singular e assinalada coerência.
Sem dúvida, a adversidade arrostada nesses meses não lhe afetou uma das peculiaridades do caráter, que é a desmemória. Com efeito, Sua Excelência já declarou desconhecer os atos secretos e, mais além, não ter qualquer responsabilidade em questões da Fundação José Sarney. Em ambos os casos, comprovada a insustentabilidade da alegação, tais ‘esquecimentos’ fundamentam petições ao dito Conselho de Ética para abertura de processo de quebra de decoro parlamentar ( a mentira é razão bastante para a cassação de mandato, como ocorreu com o Senador Luiz Estevão em 2000).
Em sua segunda peça oratória, com 48 minutos de duração, o Presidente Sarney falou muito mas, em verdade, disse pouco. No seu afã de isentar-se das acusações de nepotismo, negou influência sobre as nomeações de mais de dez funcionários do Senado a ele ligados, ou a sua família. Tais negativas chegaram ao farsesco, quando disse desconhecer a Rodrigo Cruz, que vem a ser genro de Agaciel Maia e que teve Sarney como padrinho de casamento (estampada foto do oligarca ladeado pela noiva e o desconhecido Cruz, que, insidiosamente, se atreve a desmentir-lhe a assertiva feita em plenário de quarta-feira, e, portanto, repleto).
Outra coisa que o provecto presidente do Senado parece ter esquecido é a longa série de ações judiciais movidas contra soezes jornalistas, que ousaram publicar críticas e denúncias contra ele.
Durante o período da ditadura militar, ação de Sarney contra o fundador do “Jornal Pequeno”, José Ribamar Bogéa,- pai de Lourival Bogéa (também aquinhoado com três processos)- foi condenado a um ano de prisão. Esse atentado contra a liberdade de imprensa não surtiu, porém, o efeito colimado, porque José Ribamar Bogéa recebeu habeas corpus do STF, concedido por unanimidade em dezembro de 1970.
Mais recentemente Sarney tem distribuído, através do TRE, na sua província auxiliar do Amapá, retiradas de blogs do ar e multas a granel. Sem falar, do encomiável trabalho de seus infatigáveis advogados igualmente no estado do Maranhão.
O quadro da crise quase se completa com a decisão pelo arquivamento das quatro primeiras ações contra José Sarney, tomada pelo seu atual presidente, o 2º suplente do Senador pelo Rio de Janeiro. Em um órgão que talvez bem reflita a composição ética do Senado Federal, e em que também o Vice-Presidente é um suplente de Senador, seria decerto ingênuo esperar outra decisão. O presente arquivamento – e os demais que se seguirão – se conformam à ordem das coisas, consoante predispõe o Senador Renan Calheiros, o corrente homem forte da chamada Câmara Alta.
Entrementes, o defensor oficioso e paladino intemerato do grande e velho amigo, vale dizer o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, a noite, e sem fotógrafos, outro antigo companheiro seu de lutas (não necessariamente na mesma trincheira), o Senador Fernando Collor (PTB-AL). Setores do PT – inclusive a lider Ideli Salvati – consideraram inoportuno o encontro, de que manifestaram a inconveniência ao próprio chefe de gabinete, Gilberto Carvalho.
Foi-lhes dito que a reunião estava prevista há quinze dias, e não poderia ser desmarcada. Oficialmente falaram da candidatura venezuelana ao Mercosul. Terá sido acaso mencionado o furibundo aparte do ex-presidente ao senador Pedro Simon? Quem diria quiçá terá sido trocado um conivente piscar d’olhos ?
Ao fim do dia cabe a pergunta se os obedientes distribuidores de pizzas, da tropa de Renan, continuarão empenhados em sua faina, e o presidente Sarney, ao cabo de sua medíocre fala, poderá entrever, além dos enfadados assistentes no plenário, os sinais para ele auspiciosos da própria salvação, ao arrepio da instituição e daqueles que ainda lutam por preservá-la.
Com perdão das idiossincrasias do augusto personagem, foi jornada inesquecivel esse espetáculo de que ousamos esperar, com Goethe, que seja apenas um espetáculo.

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