sexta-feira, 20 de março de 2009

Ilegal e daí ?

Como a cobertura aerofotográfica do Rio de Janeiro o demonstra sobejamente, é muito grande o crescimento das construções nas favelas cariocas. No longo período em que Cesar Maia foi prefeito, o controle dos órgãos municipais deixou muito a desejar sobre uma expansão desmedida. Em muitas zonas as novas construções avançaram em detrimento de áreas supostamente protegidas da remanescente mata atlântica, não raro com a agravante de serem feitas em encostas, formações lacustres ou nas margens de correntes d’água.
Apesar de não ter apoiado o atual Prefeito, Eduardo Paes, na recente eleição, cabe-me assinalar que ele se vem empenhando em combater a desordem urbana, consoante a sua promessa de campanha.
O crescimento desordenado da favela da Rocinha – uma das maiores do Rio de Janeiro -, alentado pela inação de Cesar Maia, agora se defronta com a disposição de Paes de estabelecer parâmetros com vistas à contenção da zona ocupada.
Dentro da anomia urbanística que caracteriza a favela, está sendo construído na encosta um prédio horizontal de dois andares, com 22 unidades para aluguel. Dada a sua inusitada extensão, passou a ser conhecido como ‘Minhocão’. A sua alegada proprietária é Maria Clara do Santos, conhecida como MC Boquinha. Ligada ao líder comunitário e vereador, Claudinho da Academia, dele recebeu determinante ajuda para a obtenção da primeira liminar, concedida de madrugada pela juíza de plantão, Regina Lúcia Passos, da 1ª Vara da Família da Barra da Tijuca.
Sua Senhoria decidiu que o Estado não poderia demolir o dito Minhocão. Pela liminar, a juíza permite que continue a construção do prédio, a despeito de achar-se em sítio irregular. Para a juíza Regina Lúcia Passos a demolição do Minhocão é “exagerada, inoportuna e inócua”, além de “midiática”. Como asseverou comentário do jornal O Globo, “prédio com 18 quitinetes, o Minhocão, foi apresentado à juíza Regina Lúcia Passos, e aceito por ela, como uma residência familiar, quando se trata, visivelmente, de mais uma jogada da especulação imobiliária que avança em favelas à margem de qualquer lei e norma.”
A novela do Minhocão não parou aí. Derrubada a liminar da juíza pelo juiz Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, da 8ª Vara da Fazenda Pública, a prefeitura se preparava para levar a cabo a demolição quando irrompeu outra liminar, esta concedida pelo desembargador Sergio Jerônimo Abreu da Silveira, novamente impedindo a demolição.
Em sentença do próprio punho, mais uma vez, segundo O Globo, escrita em casa e sem estar totalmente seguro – como admitiu – o desembargador Abreu da Silveira exarou outra liminar, impedindo a demolição do Minhocão. Com efeito, o citado desembargador alegou “que não tem total segurança para permitir que a demolição se concretize”.
O Secretário da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, que leu o despacho manuscrito, surpreendeu-se com a agilidade de MC Boquinha em conseguir nova liminar, o que a faria especuladora imobiliária, com um “corpo de advogados que consegue liminares em plantões da justiça”. Existem, de resto, elementos para comprovar que “aquela senhora não é a dona real daquele imóvel, tem alguém por trás dela”. Esse alguém seria o comerciante Rodrigo Miranda de Carvalho, com participação em restaurantes na Gávea. Miranda de Carvalho não mora na Rocinha.
A Prefeitura recorreu de imediato de mais esta liminar.
É importante que se tenha presente que através desses embargos à demolição, os construtores do prédio – que se faz ao arrepio das posturas municipais – procuram apressar a obra, de modo a finalizá-la em breve prazo. Nessa corrida contra o tempo, se o prédio for habitado de alguma forma, a demolição ficaria dependente de um outro rito judicial, muito mais lento e problemático.
A esse propósito, em cenário em que o manifestamente ilegal dispõe de pluralidade de recursos judiciais, e a Prefeitura, para defender o interesse público, precisa enfrentar guerra de liminares, o arquiteto e urbanista Canagé Vilhena alerta para um aspecto relevante: “o plantão judiciário está sendo usado por advogados experientes que escolhem bem os recursos para impedir a consumação de decisões. Querem jogar a decisão para a frente, permitindo o fim da obra e a ocupação, tornando mais difícil a demolição.”
Não desperta surpresa, por outro lado, que o representante dos advogados – o procurador-geral da OAB, Ronaldo Cramer - considere que faz parte da disputa o uso do plantão judiciário para obter decisões urgentes. Ele próprio, no entanto, assinala que pela natureza dos plantões, os juízes e desembargadores não têm acesso aos autos dos processos. Se nessas condições a amplitude da decisão dos magistrados costuma ser limitada, tal não impediu que no caso em tela o escopo da ação haja sido alcançado, i.e., impedir a intervenção da prefeitura.
Nesse emaranhado jurídico, como se vê, o tempo não corre exatamente em favor do órgão público. MC Boquinha, Claudinho da Academia e o presumido real proprietário fulminam liminares de magistrados (que não estão plenamente informados pela própria natureza do plantão judiciário), e logram deter a intervenção da Prefeitura.
Decerto, a tarefa do Secretário da Ordem Pública no Rio de Janeiro não semelha nada invejável. Na luta contra a cultura da ilegalidade, é de esperar-se que a justiça, a exemplo do Juiz da 8ª Vara da Fazenda Pública, continue a mostrar igual celeridade na defesa do interesse público em face da especulação imobiliária. Se as raízes do alegado princípio do “Ilegal e daí ?” começarem a ser arrancadas, terá sido dado um passo importante na caminhada do Prefeito Eduardo Paes.

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