segunda-feira, 30 de março de 2009

Baltasar Garzón, o Juiz

Baltasar Garzón, Juiz da Audiência Nacional espanhola, desde muito se assinala pela defesa dos direitos humanos e pelos mandados de prisão internacionais contra violadores contumazes desses direitos humanos. Foi por mandado de prisão (1998), por ele expedido, contra o ex-ditador Augusto Pinochet, e acolhido pela justiça inglesa, que se determinou a sua prisão domiciliar. Pinochet, então em visita à boa amiga Margareth Thatcher, se acreditava protegido por imunidades parlamentares, originadas de condições espúrias por ele próprio exigidas quando da transição para o regime democrático. Com o mandado do juiz se iniciou processo que nada teve de simbólico (ficou detido por mais de ano), e quando retornou à pátria, encontrou ambiente diverso e magistrados mais conscientizados dos próprios deveres para com o povo chileno.
Em função de queixa protocolada pela ONG espanhola “Associação pela Dignidade dos Prisioneiros”, o Juiz Garzón redigiu documento de 98 páginas, ora encaminhado à instância do Promotor-Geral para decidir da expedição de mandado de prisão para a Justiça territorial competente, no caso a dos Estados Unidos da América.
São seis as pessoas a serem indiciadas, sob acusação de envolvimento com torturas e maus-tratos de prisioneiros durante a chamada guerra contra o terrorismo da Administração de George W.Bush.
Trata-se dos notórios ‘arquitetos jurídicos’ do sistema que buscou fundamentar ‘legalmente’ a prática da tortura no interrogatório dos prisioneiros, ao arrepio do direito internacional (Convenções de Genebra e outros instumentos internacionais de que Washington é Parte signatária): Alberto Gonzalez, quando a Prisão de Guantánamo foi instalada, assessor jurídico do Pres. Bush e, posteriormente, Secretário de Justiça (Attorney General); John C. Yoo, advogado da Secretaria da Justiça, autor de memoranduns confidenciais em que defende o suposto privilégio da autoridade presidencial de ignorar as Convenções de Genebras (definidas como ‘antiquadas’); Douglas J. Feith (ex-subsecretário de Defesa); David S. Addington (chefe de gabinete e conselheiro jurídico do vice-presidente Dick Cheney; William J. Haynes II, (ex-conselheiro do Departamento de Defesa); e Jay S. Bybee, antigo chefe de John Yoo no Departamento de Justiça.
Lawrence Wilkerson, alto funcionário do State Department na época de Colin Powell, perante comissão do Congresso Americano, testemunhou sob juramento de que o sexteto indigitado acima associou-se (‘colluded’) para desenvolver uma fundamentação (‘rationale’) legal para possibilitar que os detidos pudessem ser submetidos a interrogatórios duros (‘harsh’).
A base jurídica para a eventual expedição do mandado de prisão pela Justiça espanhola reside na circunstância de que cinco cidadãos ou residentes na Espanha, quando detidos no campo de Guantánamo, declararam terem sido aí torturados. Deportados para o país de origem, os cinco foram processados e as ações arquivadas, porque a Suprema Corte espanhola negou conhecer de supostas provas obtidas sob tortura.
O New York Times, ao cobrir o assunto, refere que a ação do Juiz Baltasar Garzón representa um passo para determinar a culpa de membros do alto escalão na recriação de um sistema ‘legal’ de interrogatórios duros (eufemismo para a tortura). Contudo, o artigo se apressa em acrescentar que, consoante alguns especialistas americanos (não designados), mesmo se os mandados forem expedidos o seu significado será mais simbólico do que prático, eis que tais mandados não determinariam em princípio detenções, se os acusados não deixarem os Estados Unidos.

Peço vênia para discordar. A ação do Juiz Baltasar Garzón pode ser denominada simbólica no sentido etimológico do vocábulo grego originário, v.g. sumbolos, isto é sinal de identidade.
Diante da inação de muitos, é importante a iniciativa do magistrado espanhol não só para estimagtizar a restauração da tortura como meio legal na oitiva de depoimentos, senão para identificar publicamente os responsáveis.
A partir da denúncia legal se inicia para os indiciados – e a lista está longe de ser completa – uma nova fase existencial. Qualquer deslocamento ao exterior deve ser sopesado com muito cuidado. O general Augusto Pinochet disto forneceu involuntário exemplo.

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