quarta-feira, 25 de março de 2009

Desdobramentos da Crise Financeira Americana

A complexa relação financeira EUA - RPC
A República Popular da China (RPC), que já se tornou a terceira economia mundial, tem grande saldo em sua balança comercial com os Estados Unidos. É uma relação singular entre a maior potência mundial e aquela que se apresenta como seu potencial desafiante no futuro. O deficit no intercâmbio de Estados Unidos e China tem várias faces: à primeira vista, é um desequilíbrio na balança comercial entre a superpotência e o seu eventual desafiante, saldo negativo este que favorece a China. No entanto, esta ‘dívida’ estadunidense alimenta o crescimento da economia chinesa através de suas exportações. Ora, este saldo estimula estreita relação entre os dois gigantes, eis que, sob o prisma financeiro, vem transformando a RPC no maior credor da dívida externa estadunidense. Com efeito, a China é o maior detentor dos títulos do Tesouro Americano, eis que o seu saldo positivo da balança comercial bilateral vem sendo aplicado na aquisição de tais títulos, denominados em dólares americanos.
Não para aí a imbricação das duas economias. Desde muito, a balança comercial estadunidense ficou deficitária. Com a elevação dos custos locais de muitas manufaturas, se tornou mais rentável para as corporações americanas terceirizar (outsource) parcela relevante da respectiva produção para países em que a mão de obra e demais custos correlatos tenham vantagens comparativas. Nesse contexto, parte importante do saldo positivo do comércio da RPC com os EUA na verdade decorre de empresas americanas sediadas na China.
A economia americana, a despeito do governo ruinoso de Bush júnior, ainda goza dos privilégios de sua singular situação no imediato após-guerra (com os acordos de Bretton Woods, quando da constituição do sistema econômico-financeiro mundial).
Muita coisa ocorreu desde então – desligamento na presidência Nixon do US dólar do ouro, transformação nos termos de intercâmbio com o enfraquecimento relativo da moeda americana, etc. – mas a situação de o dólar continuar como a principal moeda de reserva internacional, assim a permanência do statu quo institucional (com reajustes tópicos) sinaliza para relação que não apresenta grandes mudanças efetivas, se comparadas com o longínquo momento histórico em que o presente sistema surgiu.
Dessarte, as declarações do governador do Banco da República Popular da China sugerindo a expansão da alternativa dos S.D.R. (direitos especiais de saque) do Fundo Monetário Internacional – moeda contábil calculada sobre o euro, o yen japonês, a libra esterlina e o dolar estadunidense – podem apontar para um movimento estratégico deste grande credor do Tesouro americano, no sentido de reduzir a atual dependência de uma única moeda de reserva, limitando por conseguinte os eventuais efeitos da política fiscal de um país (leia-se Estados Unidos).
Não obstante, a ‘sugestão’ do principal banqueiro chinês pode ser contextualizada como manobra tática (e não estratégica), de preparação para a agenda da reunião, marcada para a próxima semana, do G-20, de que, entre outros, participa também o Brasil, e cujo peso é de 85% do Produto Bruto Mundial.

A Crise Financeira Americana.
Tendo presente a acima citada declaração à imprensa do governador do Banco da RPC (quanto a limitar os efeitos da política fiscal de um só país) , semelha oportuna a referência à coluna do economista Paulo Rabello de Castro (Folha de 25 do corrente). Como interpretar a emissão pela Federal Reserve de um trilhão de dólares sem lastro,que se segue a outro trilhão, emitido em 2008 ?
Como a crise americana é determinada pelo geral endividamento, a aposta de Bernanke é que tal maciça injeção de recursos chega a mercado bancário pouco disposto a fazer esse dinheiro circular. Não haveria, portanto, pressão imediata sobre a demanda, com o consequente incremento no nível dos preços.
Dentro da linha de raciocínio de Rabello de Castro, não havendo vontade de gastar, e sendo grande a propensão do americano a economizar e pagar dívidas, o novo trilhão não terá efeito instantâneo sobre a inflação do dólar estadunidense.
Quanto aos efeitos imediatos perseguidos pela Federal Reserve, parece oportuno transcrever as considerações da citada coluna: “ Ao comprar títulos do Tesouro em circulação para sua carteira, o Fed tenta matar vários coelhos com uma paulada. Responde aos chineses, que haviam cobrado mais garantias para os títulos da dívida americana.(...) Tira parte de seus títulos de circulação, quando todos ainda querem comprá-los, tornando-os mais escassos. O preço do papel sobe, e o juro embutido na transação cai. No dia seguinte, vem o Tesouro americano e poderá rolar (os quase dois trilhões de dólares) com juros mínimos. O objetivo de economizar juros para o governo americano é atingido.”
É uma jogada arriscada, porque quando a economia despertar de seu letargo, com o pletora de recursos injetados sem lastro a pressão inflacionária se fará sentir. Tal desafio, todavia, não é imediato e sim mediato.
Como todo endividado, as providências do Tesouro americano têm de lidar com os problemas de curtíssimo prazo. Se afastada a ameaça mais próxima, será o caso de então enfrentar a de médio prazo. A originalidade da estratégia de Bernanke é que nela estão embutidos esses dois momentos. Resta saber se o tão nosso conhecido dragão da inflação será mantido à distância.

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