quinta-feira, 12 de março de 2009

A Crise Financeira Americana (II)

Irresponsabilidade de diretores de grandes bancos.

A recessão de 2000 e, posteriormente, os ataques terroristas contra o World Trade Center de 11 de setembro de 2001 levaram a Federal Reserve, sob a direção de Alan Greenspan a cortar paulatinamente a taxa de juros, do fim de 2000, de 6.5% para 1.0%, em 2003, a taxa mais baixa desde os anos sessenta. Para as maiores instituições o tomar emprestado ficou praticamente de graça. Tampouco haveria um aumento proporcional da fiscalização federal dos empréstimos que estavam sendo realizados, uma atribuição da Federal Reserve que Greenspan intencionalmente deixou de aplicar. E os bancos de investimento, os fundos de hedge e até os bancos comerciais, através de subsidiárias fora de seus balanços regulamentares, chamadas de vetores de investimento estruturado tomaram pesadamente emprestado para investir em obrigações securitizadas de hipotecas – chegando em certos casos o montante desses empréstimos a corresponder a trinta ou quarenta vezes o respectivo capital. Esses vetores, domiciliados geralmente nas Ilhas Cayman, habilitaram os bancos a evitar maiores requisitos de aplicação de capital relativa a empréstimos dos fundos regulamentares, assim como escapar da fiscalização da Federal Reserve e de outras agências federais.
Como as taxas de juros de curto prazo cobertas pelos novos níveis determinados pela Federal Reserve eram tão baixas, os investidores, inclusive os bancos comerciais, tomaram emprestado na modalidade de papéis comerciais de curto prazo, e investiram tais fundos em hipotecas a longo prazo, adotando a mesma estratégia altamente arriscada que levara à crise das falências das instituições de poupança (savings and loan) do fim dos anos oitenta. Assinale-se que esses papéis comerciais são empréstimos que as empresas fazem entre si com saldos de seus fundos temporariamente em excesso. Assim, se as taxas do papel comercial de repente subissem, as margens de lucro nos investimentos de longo prazo – cujos níveis permanecem estáveis – desapareceriam. E foi o que aconteceu. Não ter levado em conta este desenvolvimento presumível é um claro e inequívoco exemplo da irresponsabilidade dos diretores de banco como os do Citi.
A nova estrutura de financiamento poderia ter funcionado, no entanto, se os empréstimos fossem seguros, como se julgava. Infelizmente, eles não eram. Segundo Zandi indica, mais de 1.1 trilhão de dólares (de três trilhões) correspondia ou a hipotecas subprime (indivíduos com questionável capacidade de pagamento) ou do tipo Alt-A – empréstimos feitos a pessoas sem verificação de renda.
É de sublinhar que os empréstimos subprime aconteceram depois que o mercado habitacional crescera a alturas impensáveis: se os preços das casas aumentavam desde os anos oitenta, entre 2000 e 2005 deram um pulo de 50% apesar da baixa inflação. Os principais motores para esta inchação foram a fácil disponibilidade das hipotecas e as baixas taxas de juros.
Não se trata apenas, segundo alegado por alguns corretores, de irresponsabilidade de subscritores de hipotecas, porque esses corretores e banqueiros promoveram empréstimos de condições irresistíveis. A mais importante dessas modalidades era a da taxa ajustável de hipoteca (ARM), que reduzia, provisoriamente, os pagamentos a níveis que podiam parecer dentro das possibilidades dos compradores de baixa renda. Assim, o juro inicial de uma ARM era de cerca de três por cento ou até menos. Esta taxa de juros, no entanto, seria aumentada no prazo de dois anos. Segundo pesquisas, muitos dos subscritores de tais hipotecas não estavam cientes destas condições. Nesse contexto, causa espécie a afirmação pública de Alan Greenspan de que, se os mutuários deixassem de valer-se das ARMs, eles perderiam “dezenas de milhares de dólares” nos seus pagamentos da hipoteca.
Nessa época, havia a crença dos devedores hipotecários de que os preços das casas continuariam a subir, o que habilitaria os detentores das hipotecas a refinanciá-las em um valor mais alto da hipoteca original e em condições mais vantajosas.

A Queda do Mercado Habitacional.

O mercado habitacional começou a fraquejar na primavera (boreal) de 2006. Os preços das casas principiaram a baixar e, então, passou a aumentar o quociente de inadimplência de proprietários. Em 2007, as taxas de muitas ARMs foram reajustadas para cima, acrescendo uma média de US$ 350 aos pagamentos mensais, o que dobrou as inadimplências a nível anual de 1.6 milhão no fim de 2007. Nesse ano, a medida que os preços da habitações caíam e as inadimplências subiam, as agências classificatórias começaram a rebaixar (downgrade) alguns dos haveres garantidos por hipotecas nos livros dos bancos de investimento, fundos de hedge, e as subsidiárias (ilhas Cayman). Assim, os seus valores de mercado começaram a cair. A par disso, outros pacotes de obrigações, fundados em dividas de consumidores ou aquisições de equipamento foram se tornando menos confiáveis.
Na medida em que as obrigações fundadas em dívidas hipotecárias passaram a parecer menos sólidas, os adquirentes de papéis comerciais exigiram taxas mais altas, pressionando os juros, e forçando os investidores a vender mais essas obrigações, o que empurrou para baixo ainda mais as suas cotações. Finalmente, muitos desses emprestadores de papéis comerciais se negaram a repassar os seus fundos de curto prazo para os inversores.
O que iria piorar a situação é que, quando caem os valores das obrigações securitizadas, os bancos estão obrigados a repassar o ônus do investimento para os seus livros, dentro das regras estabelecidas de contabilidade. Esse procedimento ensejaria perdas que reduziam o capital e a capacidade de fazer novos financiamentos. Entrementes, os financiadores para esses inversores costumam exigir que os investidores coloquem mais dinheiro a medida que o valor agregado do investimento diminui – de maneira a satisfazer o chamado requisito de margem. Tudo isso resultou em maiores vendas desses papéis.
Quando dois fundos de hedge no banco Bear Stearns, com grossos investimentos em obrigações baseadas em hipotecas, tiveram de desfazer-se de inversões para atender aos seus requisitos de margem em 2007, o procedimento gerou perdas tão grandes a ponto de forçar a velha empresa do Bear Stearns a arranjar a sua venda, em condições ruinosas, para o banco J.P. Morgan, em principios de 2008, em negociação conduzida pela Federal Reserve. As perdas da Bear Stearns foram os principais sinais concretos da catástrofe iminente.Outros ominosos indícios não tardaram em aparecer, com pesados prejuízos sendo divulgados por bancos comerciais e de investimento, tanto nos Estados Unidos, quanto no estrangeiro. Exemplos disso foram o Royal Bank of Scotland e a UBS, da Suiça.
O New York Times, em uma série de reportagens sob o título “A tomada de contas” (the reckoning), descreveu como a firma Merrill Lynch realizou doze grandes aquisições de empresas imobiliárias e de hipoteca, entre 2005 e 2007, de modo a tirar vantagem do boom, transferindo as hipotecas para obrigações securitizadas, que, em seguida, vendia ou nelas investia. Consonte tal procedimento, a Merrill teria lucros récorde em 2006 e outro récorde no primeiro trimestre de 2007. De acordo com o repórter, a opinião geral fora da Merrill é que os seus executivos não aquilatavam os riscos em que incorriam – ou então fingiam não saber. Assim, no verão de 2007, com as inadimplências aumentando, e o valor das obrigações hipotecárias despencando, o pó mágico não tardou a se transformar em poeira: em outubro a Merrill anunciava um prejuízo de US$2.3 bilhões, e o presidente Stanley O’Neal se viu forçado a exonerar-se, junto com outros diretores. Tal peripécia não impediu que recebesse indenização de 160 milhões de dólares. Em consequência da situação, a Merrill foi vendida para o Bank of America, em setembro de 2008, na mesma semana da falência do prestigioso banco Lehmann Brothers[1] e em que a AIG seria salva pelo governo federal.
O New York Times também se refere a operações irresponsáveis da direção do Citigroup, que triplicou as emissões de CDOs entre 2003 e 2005, sob a liderança de Charles Prince e, supostamente, o encorajamento de Rubin. Até o outono de 2007, Prince teria sido informado pelos executivos da carteira de títulos que a empresa não sofreria graves perdas. Como no caso anterior, não se prestou maior atenção aos riscos envolvidos. Menos de um ano depois, as perdas totais no Citigroup excediam 65 bilhões de dólares, o que forçou o banco a pedir ajuda do governo para continuar operando. Essa calamitosa circunstância não impediria, contudo, que Charles Prince, como no caso de Stanley O’Neal, saísse do Citigroup com uma polpuda soma, quando foi substituído em 2007.

[1] Há uma controvérsia quanto ao acerto ou não das autoridades federais americanas em não socorrer o Lehmann Brothers. Segundo muitos, tanto Ben Bernanke, o novo presidente da Federal Reserve, quanto o Secretário do Tesouro, Henry Paulson teriam parcela de responsabilidade no encaminhamento do assunto.

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