O Dr Silvio Garattini, do alto de seus 91
anos, trancado em casa, em Bérgamo, na Lombardia, ele está no epicentro do
surto que devasta o norte italiano, esse cientista preside desde 1962 o
Instituto de Pesquisas Farmacológicas
Mario Negri, de Milão. As perguntas foram feitas pelo repórter Marcelo
Godoy.
Perguntado porquê o surto do
coronavírus se permitiu chegasse a tal ponto - e a própria epidemia da gripe
Espanhola, em 1918, motivara reação similar, em que não se acreditou que ela
representasse um flagelo das proporções que viria a demonstrar - disse o Dr
Garattini: "porque não se preparam,
sobretudo porque há a tendência de pensar que aquilo que acontece em países
distantes não ocorre depois em nossos países.E nos esquecemos que em mundo
globalizado, viajamos para qualquer lugar, assim como as mercadorias e os vírus."
"Porquê é difícil entender o
que aconteceu na Lombardia?
"As
coisas difíceis são as ligadas às decisões drásticas. Na Lombardia, agiu-se
corretamente em Codogno. Nós a isolamos,mas não pensamos nos outros focos da
doença. Por exemplo, em Nembro e em Alzano Lombardo, onde foram muitos os
infectados.Ali não se tomou a decisão de fechar. E essas cidades são contíguas
a Bérgamo, que foi atingida. Depois, fez-se em Bergamo algo extraordinário. Talvez
nenhuma rede hospitalar no mundo fosse capaz desse heroismo. Mas no começo foi
uma bagunça. Faltavam todos os equi-pamentos de proteção individual. E ainda
agora a Defesa Civil não consegue enviar à cidade todas as máscaras
necessárias.Tudo porque aqui não aconteceu a preparação adequada.(...)Para se
preparar é necessário tempo.Na última hora,se faz o que se pode."
"
Que queria dizer com um "excesso do sentido dos negócios ? "
"Quero dizer que, em vez de fechar
rapidamente o que se devia fechar, prevaleceu a ideia de que tudo devia
permanecer aberto, como lojas, bares e negócios, ou seja todos os lugares que
têm mais possibilidades de contágio. E, só quando as coisas começaram a piorar,
é que se tomou a decisão de fechar,salvo os serviços essenciais.Mas devíamos
tê-lo feito em tudo o que era necessário muito antes.Era impopular, mas quem é
responsável deve tomar a decisão."
"Era
possível estar preparado para tal vírus? "
"É
preciso se preparar antes, ter um plano.Quando tivemos a epidemia da gripe
aviária houve uma grande letalidade. Aquele era o momento terminada a
emergência, de se preparar para a chegada de outra epidemia.Mas, nada foi
feito. O que quero dizer com se preparar? Antes de tudo, ter um programa.Ter em
mente quais são as coisas básicas em uma epidemia.A 2ª é ter o material, a
estrutura e as coisas úteis, se não prontas,ao menos sabendo como fazê-las.E
aqui não é errado ter coisas guardadas para que, em pouco tempo,se possa fazer
um hospital com tudo o que é necessário para começar a enfrentar a primeiraª
onda do problema."
" A maioria das infecções
nessa pandemia aconteceram em ambiente hospitalar. Como enfrentar a falta mundial de equipamentos para as
equipes médicas?"
"O problema devia ser
resolvido no início, quando não havia essa grande competição internacional
para ter o material necessário. Tenho consciência de que dizer isso agora é
fácil. Essa pandemia nos fez entender que havia muita coisa que erramos ou nem
sequer havíamos pensado.É importante não deixar isso para trás quando tudo
acabar.Em vez disso, este deve ser o momento para pensar e construir um sistema
para que isso não se repita ou, pelo menos, não seja tão ruim.
" Como os governos
devem gerir as informações na crise? "
"Deve haver um canal que seja usado pelos
governos que represente a voz oficial não deles - mas das pessoas competentes
que administram o problema. Isso deve ser feito por pessoas que a opinião
pública julgue confiáveis.Se deixar em outras mãos, as pessoas vão pensar que,
sendo do governo, defenderão só os interesses do governo e não da população.É
preciso que exista uma oficialidade confiável.
" O senhor
acompanhou as pesquisas sobre a hidroxicloroquina. A cura está mesmo próxima?
"Há substâncias que deram resultados
promissores, entre essas a cloroquina, mas o melhor é fazer as
experiências de modo controlado. De outra forma, nos arriscaríamos a tratar
pacientes com substâncias que, infelizmente, não servem para nada. E, em vez
disso, podem até ter efeitos tóxicos. A hidroxicloroquina não pode ser
subministrada a todos. Não deve ser dada a pacientes com problemas cardíacos,
pois ela pode ser muito tóxica para o coração. Só uma pesquisa clínica
controlada poderá verificar sua eficácia."
"Desculpe,
professor, mas devo cometer uma indiscrição: posso perguntar que precauções o
senhor tomou contra o vírus?"
" Ficar em
casa e fazer meu trabalho: os artigos, as entrevistas. Saio só para obter o que
comer. A única recomendação que se pode fazer às pessoas é: fiquem em casa,
lavem com frequência as mãos e sigam as regras de higiene aí no Brasil."
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
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