segunda-feira, 6 de abril de 2020

Itália: presença do Dr. Silvio Garattini


                              
        O Dr Silvio Garattini, do alto de seus 91 anos, trancado em casa, em Bérgamo, na Lombardia, ele está no epicentro do surto que devasta o norte italiano, esse cientista preside desde 1962 o Instituto de Pesquisas Farmacológicas  Mario Negri, de Milão. As perguntas foram feitas pelo repórter Marcelo Godoy.
            Perguntado porquê o surto do coronavírus se permitiu chegasse a tal ponto - e a própria epidemia da gripe Espanhola, em 1918, motivara reação similar, em que não se acreditou que ela representasse um flagelo das proporções que viria a demonstrar - disse o Dr Garattini: "porque não se preparam, sobretudo porque há a tendência de pensar que aquilo que acontece em países distantes não ocorre depois em nossos países.E nos esquecemos que em mundo globalizado, viajamos para qualquer lugar, assim como as mercadorias e os vírus."
              
               "Porquê é difícil entender o que aconteceu na Lombardia?  
             
             "As coisas difíceis são as ligadas às decisões drásticas. Na Lombardia, agiu-se corretamente em Codogno. Nós a isolamos,mas não pensamos nos outros focos da doença. Por exemplo, em Nembro e em Alzano Lombardo, onde foram muitos os infectados.Ali não se tomou a decisão de fechar. E essas cidades são contíguas a Bérgamo, que foi atingida. Depois, fez-se em Bergamo algo extraordinário. Talvez nenhuma rede hospitalar no mundo fosse capaz desse heroismo. Mas no começo foi uma bagunça. Faltavam todos os equi-pamentos de proteção individual. E ainda agora a Defesa Civil não consegue enviar à cidade todas as máscaras necessárias.Tudo porque aqui não aconteceu a preparação adequada.(...)Para se preparar é necessário tempo.Na última hora,se faz o que se pode."

                " Que queria dizer com um "excesso do sentido dos negócios ? "

               "Quero dizer que, em vez de fechar rapidamente o que se devia fechar, prevaleceu a ideia de que tudo devia permanecer aberto, como lojas, bares e negócios, ou seja todos os lugares que têm mais possibilidades de contágio. E, só quando as coisas começaram a piorar, é que se tomou a decisão de fechar,salvo os serviços essenciais.Mas devíamos tê-lo feito em tudo o que era necessário muito antes.Era impopular, mas quem é responsável deve tomar a decisão."

             "Era possível estar preparado para tal vírus? " 
          
           "É preciso se preparar antes, ter um plano.Quando tivemos a epidemia da gripe aviária houve uma grande letalidade. Aquele era o momento terminada a emergência, de se preparar para a chegada de outra epidemia.Mas, nada foi feito. O que quero dizer com se preparar? Antes de tudo, ter um programa.Ter em mente quais são as coisas básicas em uma epidemia.A 2ª é ter o material, a estrutura e as coisas úteis, se não prontas,ao menos sabendo como fazê-las.E aqui não é errado ter coisas guardadas para que, em pouco tempo,se possa fazer um hospital com tudo o que é necessário para começar a enfrentar a primeiraª onda do problema."
      
         " A maioria das infecções nessa pandemia aconteceram em ambiente hospitalar. Como enfrentar  a falta mundial de equipamentos para as equipes médicas?" 
         
         "O problema devia ser resolvido no início, quando não havia essa grande competição internacional para ter o material necessário. Tenho consciência de que dizer isso agora é fácil. Essa pandemia nos fez entender que havia muita coisa que erramos ou nem sequer havíamos pensado.É importante não deixar isso para trás quando tudo acabar.Em vez disso, este deve ser o momento para pensar e construir um sistema para que isso não se repita ou, pelo menos, não seja tão ruim.

          " Como os governos devem gerir as informações na crise? " 
          
         "Deve haver um canal que seja usado pelos governos que represente a voz oficial não deles - mas das pessoas competentes que administram o problema. Isso deve ser feito por pessoas que a opinião pública julgue confiáveis.Se deixar em outras mãos, as pessoas vão pensar que, sendo do governo, defenderão só os interesses do governo e não da população.É preciso que exista uma oficialidade confiável.  
           
         " O senhor acompanhou as pesquisas sobre a hidroxicloroquina. A cura está mesmo próxima? 

       "Há substâncias que deram resultados promissores, entre essas a cloroquina, mas o melhor é fazer as experiências de modo controlado. De outra forma, nos arriscaríamos a tratar pacientes com substâncias que, infelizmente, não servem para nada. E, em vez disso, podem até ter efeitos tóxicos. A hidroxicloroquina não pode ser subministrada a todos. Não deve ser dada a pacientes com problemas cardíacos, pois ela pode ser muito tóxica para o coração. Só uma pesquisa clínica controlada poderá verificar sua eficácia."
     
       "Desculpe, professor, mas devo cometer uma indiscrição: posso perguntar que precauções o senhor tomou contra o vírus?"

         " Ficar em casa e fazer meu trabalho: os artigos, as entrevistas. Saio só para obter o que comer. A única recomendação que se pode fazer às pessoas é: fiquem em casa, lavem com frequência as mãos e sigam as regras de higiene aí no Brasil."           

( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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