De acordo com diversos estudos, a falta de
vagas na UTI (unidade de terapia intensiva) gera três consequências: (a)
os pacientes admitidos tendem a estar em condição mais grave, (b) menos pessoas
são admitidas para monitoramento; e (c) pacientes recebem alta mais
rapidamente.
Nas
condições acima, a insuficiência de vagas muda os critérios de admissão (que se
tornam mais rigorosos) e de alta de pacientes (que passam a ser mais
maleáveis).
O
racionamento de vagas de UTI tende a ser uma ação implícita - raramente se
admite que o tratamento ideal não foi dado por falta de vaga. Contudo, ele se
torna evidente em crises como a atual, causada pelo novo coronavírus.
Note-se que na Itália as UTIs já não absorvem
toda a demanda, e médicos precisam escolher quem receberá os cuidados e
quem morrerá. Essa será a realidade no Brasil, caso o ritmo de contágio se
mantenha.
Afigura-se, portanto, não só urgente, mas fundamental, discutir os critérios de alocação em
situações de desastre, com enorme demanda por vagas. O que é, no caso, um desastre? É evento que afeta seriamente o funcionamento
de uma sociedade e causa danos aos quais ela não logra responder com recursos
próprios. Por conseguinte, tais desastres forçam mudanças no atendimento
à saúde e na alocação de recursos materiais e humanos. Assim,
o que pode ser oferecido a cada um é condicionado pelo que é necessário
para salvar o maior número de vidas.
Assim,
normas para acesso à UTI evitam alocação de leitos baseadas apenas em ordem de
chegada ou urgência, nem sempre os critérios mais relevantes para orientar as
decisões. Também limitam o viés indesejável, como o favorecimento a pessoas de
deter- minada classe social ou raça.
Máxime, quando há receio de
desastre iminente, é melhor que sejam acordados critérios antes que o pior
aconteça , quando a urgência da situação impedirá reflexão mais detida
sobre a questão.
No
Brasil, já existem diretrizes para a distribuição de vagas de UTI. A principal
referência é uma resolução (2156/16) do Conselho Federal de
Medicina. Ela estabelece como critério a "necessidade de suporte para as
disfunções orgânicas e monitoração intensiva".
Prioriza-se o atendimento levando em
conta a necessidade de intervenção de suporte à vida, a probabilidade de
recuperação e ausência de limitação de suporte terapêutico. (A
limitação citada neste último ponto se refere à decisão de limitar ou suspender
procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal,
de enfermidade grave e incurável).
Abaixo se transcreve Resolução
do Conselho Federal que
estabelece os seguintes níveis de
priorização:
1) Pacientes que necessitam de intervenções de
suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação
de suporte terapêutico;
2) Pacientes
que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem
de intervenção imediata, e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico;
3) Pacientes que carecem de intervenções de suporte
à vida, com baixa probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção
terapêutica;
4) Pacientes que precisam de monitorização
intensiva, mas com limitação de intervenção terapêutica;
5) Pacientes
com doença em fase terminal,ou moribundos, sem possibilidade de recuperação.
Em situações de tragédia, torna-se
ainda mais importante atender aos critérios, para que pacientes com prioridade
2, 3, 4, e 5 não ocupem o espaço que deveria estar disponível aos de prioridade
1.
Por fim, Situações
excepcionais também forçam modificações. A depender do aumento da
demanda, pode não ser possível atender nem mesmo todos os pacientes de
prioridade 1. Será preciso fazer
distinções mais detalhadas entre graus
de necessidade e de probabilidade de recuperação para escolher entre aqueles em
cada nível de prioridade (por exemplo, por meio da criação de níveis
intermediários 1.1, 1.2, 1.3).
(tais critérios foram estabelecidos pelo Dr Daniel Wei Liang Wang e Dr Marcos de Lucca-Silveira. O primeiro é professor da FGV, de São Paulo,
e membro do comitê de bioética do Hospital Sírio Libanês; o segundo é doutor em ciência política pela
USP e professor da Fundação Getúlio
Vargas de SP, e membro do comitê de ética em pesquisa do Hospital Infantil
Sabará/ Files.)
(
Fonte: Folha de S. Paulo - Ilustríssima coronavírus)
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