domingo, 5 de abril de 2020

Escolhas entre trágicas e dramáticas


                            
     De acordo com diversos estudos, a falta de vagas na UTI (unidade de terapia intensiva) gera três consequências: (a) os pacientes admitidos tendem a estar em condição mais grave, (b) menos pessoas são admitidas para monitoramento; e (c) pacientes recebem alta mais rapidamente.

      Nas condições acima, a insuficiência de vagas muda os critérios de admissão (que se tornam mais rigorosos) e de alta de pacientes (que passam a ser mais maleáveis).
       O racionamento de vagas de UTI tende a ser uma ação implícita - raramente se admite que o tratamento ideal não foi dado por falta de vaga. Contudo, ele se torna evidente em crises como a atual, causada pelo novo coronavírus.

       Note-se  que na Itália as UTIs já não absorvem toda a demanda, e médicos precisam escolher quem receberá os cuidados e quem morrerá.  Essa será a realidade no Brasil, caso o ritmo de contágio se mantenha.

        Afigura-se, portanto, não só urgente, mas fundamental,  discutir os critérios de alocação em situações de desastre, com enorme demanda por vagas.  O que é, no caso, um desastre?  É evento que afeta seriamente o funcionamento de uma sociedade e causa danos aos quais ela não logra responder com recursos próprios. Por conseguinte, tais desastres forçam mudanças no atendimento à saúde e na alocação de recursos materiais e humanos.  Assim,  o que pode ser oferecido a cada um é condicionado pelo que é necessário para salvar o maior número de vidas.

        Assim, normas para acesso à UTI evitam alocação de leitos baseadas apenas em ordem de chegada ou urgência, nem sempre os critérios mais relevantes para orientar as decisões. Também limitam o viés indesejável, como o favorecimento a pessoas de deter- minada classe social ou raça.  Máxime, quando há receio  de desastre iminente, é melhor que sejam acordados critérios antes que o pior aconteça , quando a urgência da situação impedirá reflexão mais detida sobre a questão.

          No Brasil, já existem diretrizes para a distribuição de vagas de UTI. A principal referência é uma resolução (2156/16) do Conselho Federal de Medicina. Ela estabelece como critério a "necessidade de suporte para as disfunções orgânicas e monitoração intensiva".

         Prioriza-se o atendimento levando em conta a necessidade de intervenção de suporte à vida, a probabilidade de recuperação e ausência de limitação de suporte terapêutico. (A limitação citada neste último ponto se refere à decisão de limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável).

            Abaixo se transcreve Resolução do Conselho Federal que estabelece os seguintes níveis de priorização:

1) Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico;

2) Pacientes  que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico;

3) Pacientes que carecem de intervenções de suporte à vida, com baixa probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção terapêutica;

4) Pacientes que precisam de monitorização intensiva, mas com limitação de intervenção terapêutica;

5) Pacientes  com doença em fase terminal,ou moribundos, sem possibilidade de recuperação.

            Em situações de tragédia, torna-se ainda mais importante atender aos critérios, para que pacientes com prioridade 2, 3, 4, e 5 não ocupem o espaço que deveria estar disponível aos de prioridade 1.

             Por fim, Situações excepcionais também forçam modificações. A depender do aumento da demanda, pode não ser possível atender nem mesmo todos os pacientes de prioridade 1. Será preciso fazer distinções mais detalhadas entre  graus de necessidade e de probabilidade de recuperação para escolher entre aqueles em cada nível de prioridade (por exemplo, por meio da criação de níveis intermediários 1.1, 1.2, 1.3).

(tais critérios foram estabelecidos pelo Dr Daniel Wei Liang Wang e Dr Marcos de Lucca-Silveira. O primeiro é professor da FGV, de São Paulo, e membro do comitê de bioética do Hospital Sírio Libanês;  o segundo é doutor em ciência política pela USP e professor  da Fundação Getúlio Vargas de SP, e membro do comitê de ética em pesquisa do Hospital Infantil Sabará/ Files.)

( Fonte: Folha de S. Paulo - Ilustríssima coronavírus)     

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