Amanhã, 19 de abril, vence o biênio do Ministro Cezar Peluso à frente do Supremo Tribunal Federal. Na oportunidade, passa a presidência do STF ao sucessor, o Ministro Carlos Ayres Britto.
Deixará Sua Excelência muitas saudades ? Não creio.
Egresso do Tribunal de São Paulo, cujas peculiaridades têm sido mais ressaltadas nos últimos tempos, o Presidente Peluso, ao acumular a chefia do Conselho Nacional de Justiça, ao contrário de seu antecessor, o Ministro Gilmar Mendes, veio a assumir uma postura antagônica no que concerne ao escopo do CNJ.
Não tardou muito para indispor-se com a nova Corregedora, a Ministra Eliana Calmon. Parece ter-lhe desagradado a intenção da Ministra de exercer, na sua plenitude, as prerrogativas do Conselho.
Com relação às atribuições do Conselho, procurou atuar menos como seu presidente, do que como egresso do Tribunal de São Paulo. Através de PEC (proposta de emenda constitucional) já intentara emascular o CNJ. Quando as associações de juízes, por motivos corporativos, buscaram, através de ações junto ao Supremo, retirar a missão precípua do CNJ, criado por emenda constitucional para estabelecer controle externo da magistratura, o Presidente Peluso apoiou as associações singulares, em detrimento da conquista que fora muito bem encaminhada pela presidência Nelson Jobim.
A sua contraposição à enérgica Corregedora se deveu não só a questões substantivas, mas também a problemas pessoais. Se a Ministra Eliana Calmon teve de enfrentá-lo por sua oposição ao exercício pleno das funções do CNJ, as próprias idiossincrasias terão contribuído para acirrar o embate. Sem embargo, a Ministra Calmon vestiu a camisa do CNJ, seguindo nisso, talvez com maior ênfase, a orientação de seu antecessor, o ministro Gilson Dipp, dada a diferença de atitudes, que este não deixou de frisar em momento delicado para a sua sucessora.
Na sua entrevista de despedida, o Ministro Peluso terá desperdiçado talvez boa oportunidade de calar-se no que tange a sua eleita nêmesis. Consoante O Globo: ‘Segundo Peluso, Eliane Calmon estaria se perdendo no contato com a mídia e deixando de lado o foco. “No mês de setembro ela sai, retorna para o tribunal dela, que é o STJ. Termina o mandato e volta. São apenas três meses. Que legado deixou?”, indaga o Presidente em fins de mandato e próximo da aposentadoria compulsória.
Não tenho procuração para defender a Ministra – que, de resto, de tal não carece – mas não semelha inoportuno recordar que através de sua passagem as esdrúxulas movimentações financeiras, apontadas pelo COAF, foram levadas ao conhecimento público, com vistas a ulteriores providências. Por outro lado, para desgosto do Presidente Peluso, as investidas das associações de juízes contra o CNJ foram rechaçadas e, nesse sentido, foi determinante o voto da novel Ministra, Rosa Weber.
Eliana Calmon trouxe à baila os bandidos de toga.
As contradições entre o conservadorismo do Ministro Peluso e a atitude pró-ativa da Corregedora foram ressaltadas em entrevista à Zero Hora (27.12.2011) pelo ex-Corregedor Gilson Dipp. Ele,embora reconheça o enfraquecimento do Supremo e do CNJ, com o consequente enfraquecimento do Judiciário, apesar de assinalar-lhe a gravidade, acrescenta que “ao fim e ao cabo (...) quem sai fortalecido são o CNJ e suas atribuições”.
Felizmente, Gilson Dipp enganou-se ao asseverar que “ela (Eliana Calmon) é a bola da vez. Ela se expôs muito. Essa reação contra ela acabou fazendo dela uma heroína nacional. E de heroína não tem nada. Ela simplesmente está cumprindo o mínimo que é de sua competência, mas é mulher. Criaram exatamente uma reação a tudo que preconizaram.”
Na verdade, o Ministro Dipp me pareceu demasiado severo na sua avaliação do desempenho da sucessora, pela coragem por ela demonstrada. Não se pode esquecer, de resto, que, como disse Buffon “o estilo é o homem”, citação que o enciclopedista francês hoje traduziria para “o estilo é a pessoa”.
Ao contrário de suas implícitas previsões, e das explícitas asserções do presidente Cezar Peluso, Eliana Calmon deixa um legado tangível. As investidas contra o CNJ foram vencidas. Que a decisão do Supremo tenha sido apertada, pouco importa. Venceu a boa causa, aquela defendida pela Sociedade.
Ao despedir-se, Sua Excelência deplora a tendência do Supremo em acompanhar o sentimento da opinião pública. Peço vênia para discordar enfaticamente dessa preocupação. Com o corporativismo e a consequente alienação do Legislativo, semelha muito importante que a Suprema Corte participe do sentir da Sociedade Civil. Ninguém está falando de alinhamentos automáticos, nem de condenações atabalhoadas. Tem-se presente uma Corte que é sensível à opinião do Povo. Afinal, foi em seu nome que se elaborou e se promulgou a Constituição vigente.
( Fonte: O Globo, Zero Hora ).
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