A despeito da capacidade de seu redator, o ex-Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, e de ter sido adotado pelo Conselho de Segurança, o Plano Annan faz água por todos os lados.
Bashar al-Assad vem na vigésima-quinta hora – o Plano, após o longo e estranho intervalo, deveria hoje entrar em vigor – a desrespeitar as condições estatuídas, para incluir cláusula suplementar com a exigência de garantias por escrito dos rebeldes.
Não é a primeira vez o Presidente sírio ignora compromissos anteriores. A própria história do levante na Síria corrobora essa visão de Bashar, para quem as promessas feitas não têm qualquer compromisso com a verdade. Representam, apenas, instrumentos para ganhar tempo, ou tentar esvaziar o movimento.
Antes mesmo que o Plano Annan pudesse ser aplicado, e depois de haver utilizado o prazo supostamente necessário para torná-lo operacional, Bashar não se peja de colocar mais uma condição. De resto, como se necessário fosse confirmar a disposição de prosseguir com a matança, um vice-ministro do exterior, Naci Koru, veio a público declarar que o prazo-limite (estipulado pelo Conselho de Segurança) não tinha mais validade neste estágio.
Por outro lado, o regime alauíta, ao invés de preparar o armistício, aumentara a repressão, com inúmeras execuções de pessoas capturadas, inclusive muitos civis e combatentes da oposição. O propósito de aniquilar o dissenso de qualquer maneira fica ainda mais evidente, pelo fato de os presos não estarem em condições de apresentar qualquer ameaça às tropas de Assad.
As condições na fronteira com a Turquia se deterioram. Aumentou deveras o fluxo de refugiados. Na semana passada, 2.800 sírios ingressaram na Turquia no espaço de dois dias, e mais setecentos passaram a fronteira no sábado.
A situação se agrava pela circunstância de que as forças de Bashar não parecem mair agir como um exército responsável. Por primeira vez, militares sírios alvejaram refugiados em campo de asilo na Turquia. Sem preocupar-se de que as balas atingissem os refugiados sírios já em terra turca, o destacamento alauíta feriu pelo menos 23 pessoas, provocando a morte de duas delas. Dentro do acampamento, a fuzilaria atingiu a quatro pessoas – dois refugiados sírios, um polícia turco e um intérprete turco. Esses últimos foram baleados porque procuravam dar assistência a um grupo de sirios que atravessava a fronteira.
O desrespeito sírio pelas fronteiras também se verificou no Líbano, onde a soldadesca de Bashar matou um cameramen de estação libanesa de tevê. O detalhe que o operador estivesse em terra libanesa não foi bastante para que os militares sírios não o castigassem por estar filmando o que se passava na Síria.
Em Âncara, o ministério do exterior turco convocou o funcionário mais categorizado da embaixada síria para expressar, em termos ásperos, a irritação turca com o incidente. Deve-se frisar que é esta a primeira vez em que o exército sírio alveja território turco, e provoca baixas entre os refugiados.
Se a situação na Síria e nas faixas lindeiras, especialmente na Turquia, ao invés de preparar a suspensão das hostilidades se encaminhou para o acirramento, com bombardeios e execuções perpetradas pelo exército de Bashar, esta guerra não-declarada contra o seu próprio povo só foi viabilizada pela oposição russa e chinesa a qualquer reforço armado do Plano Annan.
Como outros ditadores no passado, Bashar al-Assad terá considerado um papel sem valor o plano de pacificação, dada a circunstância de que nada tinha a temer se não cumprisse o acordado com Kofi Annan. Sem ter de enfrentar qualquer meio de coerção – as palavras e os anátemas não comovem o filho de Hafez al-Assad – que o fizesse respeitar o querer da comunidade internacional, não há de espantar que o déspota alauíta não tenha trepidado em rasgar o belo plano de Annan a que faltava apenas uma singela mas indispensável condição, i.e., a força.
( Fonte: International Herald Tribune )
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