Permita-me, senhor Ministro, que lhe expresse a satisfação pela oportunidade dada à cidadania de presidir o Supremo Tribunal Federal. Se como diz o entrevistador de Veja serão apenas sete meses, estou certo de que o senhor há de superar esse ulterior obstáculo para culminar o seu já relevante legado ao Supremo.
Nos marcos de sua travessia, existe um que muito tem a ver com o objeto dessa correspondência. Reporto-me à ab-rogação da Lei de Imprensa da Ditadura, conduzida por seu memorável voto de Relator. Dentre as prioridades da presidência, a par do combate à corrupção, o senhor alinha o “fazer valer leis vitais para a sociedade, como a Lei da Ficha Limpa, a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei Maria da Penha”.
Segundo a tônica de seu discurso, que tem o condão de veicular o sentir da sociedade civil, pediria vênia para que considerasse a inclusão de mais um tópico de relevo para uma autêntica democracia.
Vossa Excelência não desconhece o quanto a censura ainda grassa em nosso país. E tal não se limita àqueles grotões de que nos falava Tancredo Neves. A sua disforme e desgrenhada cabeça ousa levantar-se até mesmo no Distrito Federal. Disso é prova a lamentável sentença do Desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 31 de julho de 2009, que acolheu o agravo de instrumento do requerente Fernando Sarney.
Jamais se poderia imaginar que aquela determinação judicial, que, data venia, é tão ilegal, quanto inconstitucional, ainda permaneça de pé, como triste monumento de disposição impensável para o constituinte de 1988, em que o estentórico não à censura representa uma das cláusulas pétreas da Constituição dita Cidadã.
Sobre esse longo inverno que, incongrua e inacreditavelmente, ainda perdura, há demasiadas causas que devemos deixar de lado, quando valor mais alto se alevanta.
E Vossa Excelência, por um dos muitos votos que lhe honram, teria enfim denegado essa liminar que não só desrespeita mas enxovalha a Constituição, quando a questão bateu por primeira vez no Supremo.
Se na oportunidade, o seu voto, junto com outros dois, não foi bastante para que prevalecesse a vontade da Constituição, não devemos tolerar que a censura imposta ao Estado de S. Paulo, esse letargo da consciência democrática, continue em meio ao silêncio e aparente indiferença – terreno fértil para que vingue o inço e o capinzal da censura, iniqua mordaça ao livre pensamento.
A voz do constituinte e da autoridade responsável quando da promulgação da Carta Magna surgia ensurdecedora, em aparente unanimidade. A espera solerte dos inimigos da democracia tende a ser paciente, mas agora forçoso será reconhecer que os disfarces estão por terra, e as hediondas carantonhas se atrevem a empreender com desfaçatez a sua obra de dissimulação e entorpecimento.
Vossa Excelência poderá, no exercício da presidência, tornar possível a súmula vinculante que desde muito reclama a defesa e proteção da liberdade de expressão.O não à censura precisa voltar a ser gritado em todos os paços e telhados, para que direito basilar da democracia e da liberdade não mais seja vilipendiado quer administrativa, seja judicialmente.
Presidente Ayres Britto,
o senhor já assinalou que nada autoriza a magistratura a servir-se da censura. Não discuto a relevância das demais causas que Vossa Excelência propugna. Só me permito acrescentar essa questão – que não é decerto das menores – para que se inscreva no mármore ático das notáveis sentenças a súmula vinculante de nossa Suprema Corte contra o monstro da censura em todos os seus ignóbeis avatares.
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