Vem de São Paulo um desenvolvimento bastante positivo, dentro do tratamento em geral timorato reservado pelas instâncias competentes à questão da tortura e do desrespeito ao direito humanitário na época do regime militar (1964-1985).
O juiz Guilherme Madeira Dezem, do Tribunal de Justiça, mandou retificar a certidão de óbito do dirigente do P.C. do B. , João Batista Franco Drumond. Constava anteriormente do documento a versão – de que, nesses casos, a ditadura era useira e vezeira – Drumond tentara fugir e acabou sendo atropelado na avenida 9 de Julho.
De acordo com a determinação judicial, constará no atestado que ele foi assassinado no DOI-CODI II Exército, em São Paulo, após ser preso e torturado, em 1976.
No campo “causa da morte”, ao invés de “traumatismo craniano encefálico”, se aporá “decorrente de torturas físicas”.
Após reconhecer na sentença que não é possível incluir na certidão de óbito se a pessoa morreu em decorrência de um crime ou não, acrescenta sem embargo:
“No entanto, há detalhe neste caso que o torna diferente de todos os outros existentes no país. Este caso liga-se ao chamado direito à memória e à verdade e, acima de tudo, liga-se à relação do sistema jurídico interno com a proteção internacional dos direitos humanos.”
Mostra estar conforme à posição do Ministro Carlos Ayres Britto, o futuro Presidente do Supremo (e que foi voto vencido na sentença do STF sobre a alegada prescrição da tortura, o que não mais constitui a doutrina prevalecente no Direito Internacional Humanitário ).
Nesse contexto, o Juiz Dezem citou a adesão do Brasil à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Classificando de ‘corajosa’ a decisão do juiz, o advogado Egmar Oliveira, que representa a família de Drumond, afirmou que “a verdade foi restaurada”. E acrescentou: “Há muito tempo se conhecia que a versão dada pelo DOI-Codi era falsa, (eis que) o inquérito que investigou a morte foi uma farsa.”
Consoante assinalado pelo causídico, a decisão do juiz Guilherme Madeira Dezem pode impulsionar os trabalhos da Comissão da Verdade.
Como se sabe, a dita Comissão foi criada para apurar as violações de direitos humanos no Brasil de 1946 a 1988 (sic). O próprio período indicado – que inclui os anos de vigência de regime democrático sob a Constituição de 1946, assim como o período de março de 1985 a outubro de 1988, em que já fora derrubado o regime militar – mostra os panos quentes aplicados pelo poder civil, atendendo a reivindicação de militares, no intento de não singularizar o regime instaurado pela revolução dita de 31 de março de 1964 até março de 1985.
Falando em contemporização, desperta estranhável assombro as hesitações e postergações da Presidente Dilma Rousseff, que até agora retarda a nomeação e divulgação da chamada Comissão da Verdade.
Se o Brasil imitasse no capítulo a correta e altaneira atitude de nossos países irmãos do Cone Sul, e, sobremodo, a da Argentina, que tem a glória de ser a honrosa pioneira na apreciação, enjuizamento e condenação dos crimes cometidos durante o período do regime militar, poderíamos virar esta página de modo consentâneo a uma autêntica democracia.
Cabe, por fim, assinalar que o Ministério Público ainda pode recorrer da sentença prolatada pelo juiz Guilherme Dezem.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
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