quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um Desastre Anunciado ?

         Acumulam-se os indícios de que a tão decantada modernização do Código Florestal vá ocorrer e a legislação a ser aprovada pelo Congresso não será exatamente o renovado instrumento que a mídia se tem prestado, por vezes, a noticiar de forma tão pressurosa e unilateral.
         Senão vejamos. A preparação do ‘novo’ Código Florestal foi entregue aos cuidados do Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Os leitores do blog estão sobejamente inteirados de o que implicam o comportamento, as alianças e as declarações de tal congressista, antes assinalado por peculiar projeto contrário ao emprego de ‘estrangeirismos’ no vernáculo (além de outras iniciativas nessa idiossincrática faixa).
         Quanto ao Deputado Rebelo, ninguém mais pode alimentar dúvidas quanto à sua equanimidade. Tem o apoio da Frente Ruralista, o que lhe terá aproveitado para a reeleição a deputado, no passado sempre empresa difícil.
         Seja dito desde logo que tal é um direito que assiste ao deputado Rebelo. Pode costurar as alianças e apoios que melhor lhe parecerem . O problema começa a surgir quando desta parceria com os ruralistas desenvolveu-se seu trabalho como ‘relator’ do projeto do novo Código Florestal. Ele o elaborou como mimosa cria – e tal se entende, seja pelo aporte de sufrágios em três de outubro, seja pela desenvoltura com que Sua Excelência tem sido acolhido por grandes veículos de comunicação, ensejando-lhe preciosa oportunidade de transmitir a sua ‘visão’ de um novo Código Florestal . O deputado Rebelo cuidou de colher a opinião de muita gente, embora tenha tratado de evitar a oitiva de especialistas em ambientalismo, sobretudo de qualquer doutor ou mestre em matéria ecológica.
         Nesse contexto, chegou mesmo de forma descarada a dizer que consultara funcionário da Câmara com conhecimento em matéria correlata. Foi o único com laços científicos em cerca de setenta audiências públicas promovidas pelo deputado.
         Ora, nesse contexto, é mais do que oportuno citar o que afirmou o Subsecretário-geral das Nações Unidas, Achim Steiner, em visita ao Brasil.
         No entender de Steiner é positivo o Brasil discutir melhorias no código. Avisou, no entanto, que o mundo irá julgar a decisão que o Congresso tomar com base nos efeitos que ela possa causar na ‘produtividade das florestas’. A esse propósito, disse Steiner que a alteração dos limites das matas ciliares tem que ser discutida conforme o que recomenda a ciência.
         “Temos que usar o melhor conhecimento científico disponível para determinar o impacto que as mudanças propostas trarão. Elas reduzirão futuramente os serviços e funções desses ecossistemas ? Elas trarão impacto econômico e ecológico ? As mudanças se justificam sob essas perspectivas ? (...) A única coisa que eu espero que não aconteça com o Código Florestal é que ele não reduza o comprometimento do Brasil de manter a produtividade de suas florestas e ecossistemas.”
          Para que se aquilate a importância da advertência formulada pelo alto funcionário internacional ao Brasil, deve-se ter presente a sua necessidade de utilizar linguagem comedida, em que as perguntas não prejulguem a posição do Congresso, mas timbrem em pedir a atenção para o que está aqui em jogo.
          Comprova-se que o relator do projeto não mostrou qualquer interesse em dialogar com a ciência ambiental e preferiu manter a embarcação junto a litoral, para ele seguro, de antigos conceitos e antigas ideias (compartilhadas por seu aliados ruralistas). Qualquer leitor que esteja interessado não em vantagens deste ou daquele grupo, mas na preservação de nossos recursos naturais, na prevenção ou no controle de catástrofes de origem climática, e no desenvolvimento sustentável da floresta (e outros biomas) e as atividades agro-pecuárias, há de convir que aqui existe perigosa contradição.
          Malgrado os diversos e abundantes indícios dados pelo relator do projeto quanto à sua falta de isenção, qualquer observador, com um mínimo de interesse e de honestidade intelectual, verá profusos sinais de que abundam as más intenções, os erros crassos no projeto de Código Florestal, de que ora se propala a votação sem consenso.
          De início, a tímida e displicente coordenação realizada pelo Ministro Antonio Palocci, a mando, suponho, da Presidenta Dilma Rousseff (que já se olvidou de seus votos ambientalistas, formulados sob o toque ameaçador do segundo turno, e que ambicionavam atrair gorda parcela dos sufrágios de Marina Silva).
          Com efeito, falou-se a princípio de um substitutivo. Em seguida, por força talvez da fraqueza política da Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e do pouco interesse da coligação governamental no tema, o assunto evoluíu para a discussão sobre pontos específicos,  que, na ausência de um timoneiro firme, permitiu que ministros da mesma administração se digladiassem. Agiram, no caso, como senhores feudais, tratando dos próprios súditos e conveniências, sem que uma voz que respondesse pelo interesse nacional os organizasse e lhes desse coerência de governo.
          Se a consequência dessa benigna negligência foi absurda ou lógica, depende de quem ouvirmos. Se escutarmos quem prioriza a causa ambiental e não interesses demagógicos, será forçoso rotular como absurdo colaborar com a feitura de tal legislação que apresenta efeitos potencialmente desastrosos para a devastação ambiental e a aceleração de tragédias como na região serrana fluminense.
         Cresce, por conseguinte, o espanto e o assombro em continuar confiando o projeto de código aos cuidados do deputado Rebelo, que se arroga, a cada passo, direitos que não tem, de manter ou de modificar esse ou aquele ítem. Que lógica é essa que entrega tal arbítrio a um deputado isolado, brandindo autoridade que não tem, para pôr e dispor do futuro de nosso meio ambiente ?
         Por toda parte,nessas mal-costuradas defesas ambientais, repontam falhas inquietantes: assim, segundo nos relata Miriam Leitão, o grande frigorífico Fribol não tem meios de saber se a carne que comercializa provém de criadores que respeitam a lei ou são desmatadores contumazes.
         Não ambiciono cansar o leitor com a discriminação das inúmeras emendas danosas a que se propõe o projeto sob a zelosa guarda de Aldo Rebelo. Se perguntarmos aos legisladores de Santa Catarina o porquê das devastações que as suas bondades ensejaram aos cultivadores agrícolas, eles dirão que é a fatalidade divina (não entro aqui na questão das causas que explicam a persistência de forma inconstitucional da validade do código estadual catarinense ). Na convergência urbana e rural, serão invocadas as mesmas causas divinas para a tragédia da Região Serrana Fluminense ? E na urbana, construir obras públicas no morro do Bumba, igualmente se deve a hecatombe a tais conjunções obscuras de fatores insondáveis ?
         Dilma Rousseff foi escolhida por Lula da Silva para sucedê-lo por suas capacidades gerenciais. Tais méritos, no entanto, não são setorializados. Supõe-se que o seu interesse sobrevoe o problema nacional. Permitir que surja do ventre legislativo, por míopes interesses ruralistas, aleijumes do gênero do novo projeto de Código Florestal, acalentado por Rebelo, não seria, conforme o dito célebre, apenas um crime, mas também costituiria garrafal e fatídico erro, que lhe comprometeria os ambiciosos propósitos da empresa presidencial.


                                                                                ( Fonte: O Globo )

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