domingo, 17 de abril de 2011

Colcha de Retalhos LXXV

Tudo é notícia ?

           O New York Times, talvez o maior jornal do mundo, estampa no alto do canto esquerdo de sua primeira página, o que seria a sua divisa: ‘All the news that’s fit to print’ (todas as notícias que seja próprio publicar). Tais critérios decerto variam de acordo com os tempos, como um estudo dos temas e enfoques do New York Times não deixaria de evidenciar.
           Aqui, não se trata de autocensura. O jornal publica aquilo que acredita deva ser levado ao conhecimento do leitor, mesmo o que o governo da época julgue não-suscetível de publicação. A cobertura dada pelo New York Times aos Pentagon Papers (Documentos do Pentágono), que foi contestada judicialmente pela Administração Nixon é um exemplo bastante ilustrativo dessa distinção.
           Por que me estou reportando a esse moto do N.Y. Times ? Pela simples razão de que nada tem a ver com autocensura – aquela praticada durante o regime militar por muitos jornais brasileiros, com a proeminente exceção do Estado de São Paulo – e sim com a necessidade de não dar destaque a projetos e posturas de criminosos.
           Pergunto-me qual é o proveito da sociedade em saber, v.g., que Wellington Menezes de Oliveira pensara em pilotar avião para chocar-se com a estátua do Cristo Redentor ? Ou estampar em três colunas na primeira página da Folha de S. Paulo foto encontrada no computador do assassino em mira para a câmera (segundo a legenda do jornal), ou para o eventual leitor (conforme a impressão de qualquer leitor) ? Excluído o sensacionalismo de gosto discutível, não vejo outro propósito para tais notícias.
           Não creio que seja desígnio da Folha – ou da Rede Globo – de dar realce à mente esquizóide e conturbada de Wellington. Mas dedicar tanto espaço aos escritos de um homicida que, para vingar-se do bullying sofrido na escola Tasso da Silveira, matou, com requinte de crueldade, dez meninas e dois meninos, não seria dar a outros leitores dessa faixa marginal a errônea ideia de que se estaria conferindo um generoso espaço a intuitos tão potencialmente criminosos e antissociais ?
           Para quem não terá lido os numerosos blogs que escrevi contra a censura – notadamente quanto à estranha sentença,dada em favor de Fernando Sarney, e até hoje de pé, do Desembargador Dácio Vieira, impondo a mordaça à reportagem do Estado de São Paulonão é caso de qualquer norma legislativa a respeito, dada a sua manifesta inconstitucionalidade. Por isso, aludi à divisa do New York Times. Publicar o que é de interesse público será sempre competência exclusiva do redator-em-chefe do jornal.
           Não seria, portanto, o caso de ter isso presente ?


O poder dos traficantes no Norte do México

           No nordeste mexicano se verifica uma sucessão de macabras sinalizações de quem realmente controla o território. Próxima da fronteira com os Estados Unidos, na costa do Golfo, foram encontradas valas comuns, em que se amontoam corpos. Na mais recente descoberta, no estado de Tamaulipas, se desvelaram os restos mortais de 72 migrantes da América do Sul e da América Central.
           O que antes se supunha, torna-se do conhecimento público. Largas extensões do norte do México, e a maior parte do estado de Tamaulipas estão sob o poder do tráfico. Em um cenário de país desgovernado (‘failed State’), que se imaginava só existir no Somália e em áreas do Afeganistão, áreas sob o tacão do tráfico – como, no Brasil, o era o complexo do Alemão – se encontram nos Estados Unidos Mexicanos.
           Em Tamaulipas disputam o mando gangs rivais – o Cartel do Golfo e os Zetas – diante da impotência da autoridade constitucional. Além de terem assassinado no ano passado o principal candidato ao governo do estado, o poder do tráfico se firma, seja pela eliminação física, seja pela corrupção (no caso das chamadas forças da ordem).
          Quando a correspondência diplomática relativa ao México veio a lume através do WikiLeaks, o Presidente do México, Felipe Calderón - cuja luta contra a corrupção tem encontrado obstáculos de relevo (sobretudo na falta de colaboração efetiva de altos representantes nas forças policiais) – tornou inevitável a saída do embaixador americano, Carlos Pascual. Em telegrama secreto, Pascual citou um ‘antigo alto funcionário governamental mexicano’ que ‘manifestara real preocupação com a ‘perda de certas regiões’ do país para os cartéis’ (do tráfico).
          No que tange aos problemas de Tamaulipas, os ‘Zetas’ eram, de início, uma espécie de milícia do Cartel do Golfo. Muitos dos chefes dos Zetas, máxime na fase inicial, eram ex-militares, e se valeram dessa experiência para exercer intimidação que vai muito além da de seus rivais. Nesse contexto, nenhum jornal local ousa estampar as fotos distribuídas pelo governo dos dezessete suspeitos dos últimos massacres em San Fernando.
          Nesse quadro da impotência da autoridade oficial perante os senhores do tráfico, a atividade do governo se cinge na identificação dos mortos. Assim, os dois ‘centros’ da atuação oficial estão no necrotério e na repartição do promotor, conquanto as detenções sejam escassas.
          O Estado, se entendermos por isso a vis publica, está ausente de Tamaulipas e de muitas outras áreas no norte mexicano.

Revelações sobre a segunda Condenação de Mikhail Khodorkovsky

          Veio afinal à tona o que já se suspeitara: o juiz Viktor N. Danilkin - que presidira ao processo contra o ex-magnata do petróleo, Mikhail B. Khodorkovsky – admitiu que o  veredicto lhe foi ditado por seus superiores. Na época, se assinalara o interesse do Primeiro Ministro Vladimir Putin no caso de seu desafeto. Khodorkovsky foi condenado como culpado de peculato nesta segunda ação, e teve a permanência na prisão prorrogada até 2017.
          No que concerne à ação contra Khodorkovsky, a imprensa russa já publicou entrevistas reveladoras de funcionários judiciais. Dessarte, em fevereiro último, antiga assistente da corte, Natalya Vailyeva, declarara que autoridades tinham exercido pressão de forma persistente sobre o juiz Danilkin.
          A despeito do desmentido do juiz, ex- funcionário da justiça, Igor Kravchenko asseverou: “Ele falou dessa forma sobre o juízo: ‘Basicamente eu decido sobre isto. Como eles dizem, é assim que deve ser.’ Kravchenko disse, outrossim, que o juiz Danilkin era convocado com frequência à Corte da Cidade de Moscou para reuniões, e que ele ficava claramente exasperado com as exigências de autoridades superiores.
          Kravchenko foi demitido em maio passado, após autorizar os advogados da defesa de Khodorkovsky a trazer para a corte uma jarra de petróleo cru, que seria utilizada na intervenção da defesa.
          Por fim, Khodorkovsky ganhou, por intermédio de sua banca advocatícia, um round na luta contra o Kremlin. A Corte Suprema acolheu o recurso de Khodorkovsky de que havia sido mantido ilegalmente preso por meses, malgrado a legislação que permite serem julgados em liberdade os acusados de crimes contra a economia.
          Não obstante, essa ‘vitória’ de Khodorkovsky lhe será de pouca utilidade no momento, eis que já se encontra servindo a sua segunda sentença (a primeira fora por alegados crimes contra o Erário).
          No entanto, a decisão da Corte Suprema e os vários depoimentos sobre a interferência no segundo julgamento poderiam, em tese, favorecer uma ação dos advogados do antigo magnata do petróleo para a anulação da sentença do juiz Viktor Danilkin.

       ( Fontes: Folha de S. Paulo, International Herald Tribune)

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