A Insurreição Síria
Bashar al-Assad, o aliado de Mahmoud Ahmadinejad enfrenta a revolta de seus compatriotas sírios com os instrumentos que recebeu de seu pai, o general Hafez al-Assad. Sem outra legitimação que a da força, assim como das eleições ‘dirigidas’,no décimo-primeiro ano de sua dominação ele se descobre em meio à borrasca de um povo desperto pela revolução árabe democrática desencadeada pelo mártir tunisiano Mohamed Bouazizi.
O governante sírio tem tentado lidar com o inopinado desafio da sublevação seja com o fuzil, que abate manifestantes desarmados, a clamarem por democracia, seja com mentiras e falsas promessas. Buscando dar a aparência de mudança, Bashar al-Assad multiplica iniciativas cosméticas que sequer enganam aos titeres reunidos na assembleia formada pelos bem-conhecidos pleitos fraudulentos.
A quem ilude derrogando a lei de emergência, que vige desde o início do regime do partido Baath, nos sessenta, se as novas disposições nada mudam na essência ?
Tampouco a dança das cadeiras no governo, em que os cortesãos trocam de lugar,
nada altera quanto à realidade da ditadura dinástica dos al-Assad.
Representante de seita islamita minoritária, a alauíta, Bashar não está sozinho no poder. Além do apoio dessa seita – que teme a predominância da maioria sunita -, mantém aliança com o exército e com os comerciantes abastados, que preferem os privilégios dos al-Assad às incógnitas de um regime seja democrático, seja dominado pelas classes ora insatisfeitas.
O recurso sistemático à violência letal, em que intenta amedrontar as massas não mais com a ameaça da repressão, mas com a fuzilaria indiscriminada há de recordar exemplos passados que, se porventura lembrados, não trarão o conforto dos mágicos remédios ansiado pelo regime dos al-Assad.
A história demonstra que apelar para os cossacos, com as suas matanças de multidões indefesas, não é a solução adequada, mesmo consoante os cínicos esquemas do ditador sírio. As ruas coalhadas de cadáveres não foram sinais de bom augúrio para os czares autócratas. O começo das revoluções não nos prenuncia como hão de terminar. Muita vez podem parir até mostrengos, piores dos que se propunham derrubar.
Se o remédio final pode ser amargo, as forças por ela desencadeadas avançam no próprio caminho, deixando muitas vezes à cega fortuna a decisão da refrega. Por ora, exército e polícia de segurança tratam do ‘problema sírio’ segundo a respectiva natureza. Multiplicam-se os mortos – 88 na antevéspera, culpados por se reunirem e gritar slogans pró-democracia, e mais outros dez, no dia seguinte, culpados esses por acompanharem os enterros dos companheiros abatidos.
É cedo ainda para esboçar vaticínios. Mas não semelha demasiado tarde para afirmar que o contágio da revolução pôs por terra a falsa ordem dos al-Assad, e o mito da ditadura inexpugnável. Para terror dos Ahmadinejad, dos Lukashenko (Bielorrússia) e até mesmo de Kim Jong-Il (Coreia do Norte) ainda não descobriram a fórmula de lidar com o eterno enigma dos oi polloi (os muitos – como se designava na Antiga Grécia a massa dos habitantes).
A Líbia e a ajuda encabulada da OTAN
O ditador Muamar Kadaffi parece ter com os civis atitude ciclotímica. Deles se vale amiúde para montar escudos humanos para salvaguardar locais que lhe são de ainda maior valia.
Na guerra civil entre a frente rebelde e o que resta da Jamairia, aprecia deveras que a organização revolucionária não disponha de armas pesadas. Dessarte, ela se torna presa fácil para as suas investidas, muita vez realizadas com a especial cortesia da OTAN.
Talvez por causa da sigla – quem pode ter raiva da Otan, diante desse acrônimo que mais dissimula do que revela os países responsáveis – tem sido observada com crescente inquietude, a forma encabulada e a decorrente esparsa presença com que ora se apresenta a ajuda ocidental às forças que desejam derrubar Kadaffi.
A própria estúpida morte de dois repórteres ocidentais põem uma vez mais a descoberto esse suposto domínio dos ares, que se tem mostrado de singular ineficácia na luta contra a ditadura do coronel líbio.
Não se pode contestar a John McCain a coragem e a determinação. A visita à Benghazi, nas condições vigentes, em nada se assemelha às habituais missões de congressistas.
Dentro da atual desencontrada liderança estadunidense – em que assistimos a timidez em certos episódios bélicos contrastar com o regurgitar de comportamentos da administração anterior, em que a enfática negação da tortura os fatos se encarregaram de desmascarar -, a presença do rival derrotado de Barack Obama em 2008 pode contribuir para moldar uma ajuda mais eficaz à Frente Rebelde.
A revolução árabe democrática aqui se desenvolve em fragmentada guerra civil.
É crença quase generalizada de que Muamar Kadaffi faz jus ao repouso, após quarenta anos de controverso domínio. Mais por incompetência do campo adversário – e é óbvio que tal responsabilidade não caia de forma exclusiva nos ombros dos rebeldes – do que dos feitos do coronel, o embate se prorroga e se atola nas traiçoeiras areias do deserto.
Por isso, a passagem pela cena de John McCain pode até ser útil, ao trazer o sopro de uma determinação que semelha muito em falta nos dias que correm.
Anunciado o Fim de um longo reino ?
Do Iêmen, um dos primeiros países a serem afetados pela revolução árabe, se anuncia a decisão do eterno presidente Ali Abdullah Saleh em renunciar. Como tal disposição não é exatamente nova – a longa luta da população iemenita em afastá-lo do poder já colheu promessas similares no passado – cabe a pergunta se o suposto propósito de Ali Saleh de sair da presidência corresponde à realidade dos fatos, ou a mais um artifício do ditador em agarrar-se à curul presidencial, e aí permanecer contra vento e maré. A revolução no Iêmen alcança enorme maioria. Por toda parte, inclusive de comandos militares, repontam indicações de que não mais desejam a continuação do mando de Ali Abdullah Saleh. E a despeito de tudo e de quase todos, o ditador continua a discursar e a residir na casa presidencial.
Agora, a derradeira notícia revela que irá afinal exonerar-se, dentro de trinta dias.
Para quem se agarra ao poder com tal pertinácia, o prazo causa espécie. Não será, porventura, que deseje Sua Excelência explorar mais uma vez a paciência das multidões, e testar, como quem não quer nada, a possibilidade de ao cabo dos tais fatídicos trinta dias continuar em palácio, a cuidar dos interesses do Iêmen, com tem sido, há mais de trinta anos, a sua sárcina ?
( Fontes: International Herald Tribune e Folha de S.Paulo )
domingo, 24 de abril de 2011
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