domingo, 10 de abril de 2011

A Tirania Iraniana

     Há diversos tipos de ditaduras. Conquanto a distinção entre um país livre e um regime autoritário é acessível a qualquer pessoa, por mais obtusa e ignara que seja, existem diversas gradações nessa classificação.
     O Irã dos ayatollahs fornece a esse respeito um triste exemplo. A sociedade iraniana se rebelou contra o Xá Reza Pahlevi. Foi uma revolta realmente popular, com a maciça participação de todos os extratos sociais na luta para liberar-se do jugo da dinastia Pahlevi, com a sua corrupção e detestada polícia política.
     O lider inconteste desse movimento autenticamente democrático foi o ayatollah Khomeini que, no estrangeiro, soube imantar a atenção de seus compatriotas como um polo alternativo ao poder do Xá.
     Uma vez derrubado Reza Pahlevi, o liberalismo do Imã, que tanto servira para atrair à revolução iraniana todos os opositores do Xá, sofreu um rápido processo deteriorativo. Convidados para participarem do movimento de liberação, muitos elementos passariam a ser vistos de outra forma, uma vez empolgado o mando por Khomeini e seus seguidores civis e religiosos.
     No entanto, a radicalização do processo, de início voltada contra o ‘Grande Satã’ e a sua criatura israelense, assinalou-se por primeira fase na qual, a despeito da crescente intolerância contra o dissenso, ainda mantinha faixas de debates abertos, posto que não de todo livres.
     Apesar dos excessos do regime e das consequentes dificuldades decorrentes da guerra de agressão sofrida na década de oitenta pelo Iraque de Sadam Hussein, a teocracia instaurada pelo imã continuou a fruir de certa popularidade, a par de admitir certos terrenos de liberdade para os jovens e mesmo para as mulheres, malgrado todo o gênero de entrave que encontram em muitos países islâmicos.
     Não há, no entanto, comparação possível entre o governo no tempo do ayatollah Khomeini e a presente situação sob o ayatollah Khamenei, em que está montada uma das tiranias mais corruptas e odientas de todo o mundo.
     Se a intolerância do imã não tardou a desvelar-se – inclusive no modo em que procedeu ao banimento e mesmo à liquidação de integrantes do partido Tudeh (comunista) que apoiara a revolução e seu chefe -, o carisma e a popularidade de Khomeini não conviviam com as práticas despóticas e antipopulares de alguém que sabe não ter condições de manter-se no poder exceto através do medo e da intimidação.
    É esta experiência democrática, com todos os seus condicionamentos, que desejaram reviver os candidatos Mir Hussein Moussavi e o clérigo Mehri Karroubi, que foram esbulhados pelo Líder Supremo Ali Khamenei nas eleições de 12 de junho de 2009. Com acintosa presteza, foi reconfirmado o tiranete Mahmoud Ahmadinejad.
    O próprio Lord Acton e sua famosa sentença sobre o poder da corrupção no regime absolutista se surpreenderia com a extensão do horror e de sua abrangência nos atuais domínios da velha Pérsia, hoje entregues à dupla Khamenei-Ahmadinejad.
    Artigo escrito em The New York Review, pela refugiada política Haleh Esfandiari – atualmente diretora do Programa para o Oriente Médio do Centro Internacional Woodrow Wilson, em Washington – nos traça de forma inequívoca em que consiste a ‘democracia’ dos ayatollahs.
    Para que se tenha alguma ideia com que tipo de gente Lula, coadjuvado por seu ministro oficial para assuntos exteriores, julgou oportuno e apropriado estabelecermos relações amicais e estreitas, eis alguns tópicos: as execuções aumentaram drasticamente com Ahmadinejad. No seu primeiro ano de governo (2005),86 pessoas foram executadas. Esses números se tem elevado de modo sustentado: 346, em 2008; 388, em 2009, e 542 em 2010, dos quais somente 242 foram anunciados. Segundo revela a organização Campanha Internacional pelos Direitos Humanos só em janeiro de 2011 86 pessoas foram executadas !
   Depois de uma fase de juizos coletivos – em que dezenas de indivíduos foram submetidos a esse ominoso espetáculo, vulgar e rasteiro sem dúvida, que tanto tem a ver com a justiça como os tribunais de Stalin e Hitler – o regime terá optado pela discrição.Foi ampliado o leque de imputações para a pena capital. Assim, Khamenei e Ahmadinejad acham preferível condenar à forca dois manifestantes após a fraude eleitoral de 2006 por ‘guerrear contra Alah’. Outra motivação de uso crescente pela justiça do regime é a de ‘tráfico de entorpecentes’.
  Malgrado a diferença nas populações respectivas, o Irã dos ayatollahs goza do dúbio galardão de ser o segundo país – atrás apenas da República Popular da China – em número de execuções por ano.
  Aos que escapam da morte, o regime reserva penas duríssimas, com uma relação quiçá esquizofrênica para com os delitos cominados. O jornalista Emadeddin Baghi, cuja coragem em denunciar os abusos praticados contra os prisioneiros políticos no Irã, foi condenado a seis anos de prisão e despojado de seus direitos civis por cinco anos. As acusações são genéricas – ‘atividades contra o interesse nacional’ e ‘publicidade em favor dos inimigos do regime’- mas o verdadeiro motivo terá sido a sua entrevista com o Grande Ayatollah Hussein Ali-Montazeri. Em blog anterior, reportei-me à relação de Montazeri com o governo de Teerã. Respeitadíssimo pelo estamento clerical de Qom, e por isso inatacável, a postura de Montazeri refletia igualmente as medidas restritivas dos teólogos xiitas da cidade santa de Qom à camarilha de Teerã. Nesse sentido, explica-se não só o empenho do sistema em atalhar eventuais manifestações contrárias quando do multitudinário enterro de Montazeri, senão o covarde castigo aplicado ao mensageiro Emadeddin Baghi, na linha de Sadam Hussein de fulminar os portadores de notícias desagradáveis.
     Os fatos incriminantes são muitos, porém, em respeito às vítimas, e para que a repetição não implique em eventual banalização de comportamento, a um tempo boçal e sem limites, os restrinjo a um par de exemplos colhidos no artigo de Esfandiari.
     Ali Khamenei ordenou o fechamento da mal-afamada prisão de Kahrizak, nas cercanias de Teerã. Tal se deveu ao vazamento de notícias sobre a morte de vários detentos em razão das torturas sofridas. Ainda no período da repressão aos protestos contra a fraude na eleição presidencial, o candidato Karroubi divulgara cartas recebidas de familiares de presos, em que, além da tortura, os carcereiros eram acusados de estuprarem prisioneiros de ambos os sexos.
     Dentro da selvageria que lhe é inerente, o regime de Khamenei-Ahmadinejad vem recorrendo a um ulterior expediente que, a par de ser odioso, se acredita sofisticado. Irritado talvez com a obstinada persistência de seus adversários, o oficialismo iraniano passou a visar igualmente os advogados defensores dos dissidentes políticos. A própria Shirin Ebadi – Prêmio Nobel da Paz em 2003 – não mais goza da antiga relativa imunidade. O seu Centro de Defesa dos Direitos Humanos foi invadido por agentes de segurança em dezembro de 2008 e, em seguida, fechado. Ebadi vive agora em exílio forçado. E para culminar o ataque aos advogados, Nasrine Sotoudeh, defensora de Ebadi, foi condenada no ano passado a onze anos de prisão. A tal pena, foi pendurada uma outra, de infamante cinismo: Nasrine está proibida de praticar advocacia e de viajar para o exterior por vinte anos!
     Em termos de cooperação técnica, Teerã não teria mãos a medir para atender as consultas de, entre outros, Alexander Lukashenko (Bielo-rússia), Kim Jong-Il (Coreia do Norte), e o general Than Shwe (Mianmar), mais conhecido como verdugo da Prêmio Nobel Aung San Suu Kyi.


                                    ( Fonte: The New York Review of Books )

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