Terminado o primeiro ‘round’ no embate entre democratas e republicanos, há na sociedade americana uma primeira impressão de que o G.O.P. estaria levando vantagem. Com a maioria na Câmara de Representantes, os republicanos partiram para o confronto valendo-se da imposição legal de que, a cada ano fiscal – que nos Estados Unidos vence em meados do ano cronológico – o Congresso deve aprovar um novo orçamento. Repete-se, assim, o que acontecera com o Presidente Bill Clinton,quando em 1995, a maioria republicana no Congresso, liderada por Newt Gingrich provocou o fechamento de muitas das funções não-essenciais do Governo estadunidense.
Na verdade, se a história se repete, nem sempre o será da mesma forma. Em 1995, o Presidente Clinton soube manejar, com firmeza e determinação, a posição da Administração, tanto que o resultado da disputa pendeu claramente para os democratas e Bill Clinton. Gingrich sairia bastante chamuscado do entrevero e o Presidente, malgrado todo o acosso dos republicanos, lograria reeleger-se folgadamente.
Já nesse novo episódio, embora a última palavra ainda não tenha sido dada, os papéis não se apresentam com as características de antes. Além de os republicanos terem arrancado várias concessões do Presidente Obama e dos democratas, a luta política ganha contornos que não são, por ora, favoráveis à Administração.
Repercutiu mal a concessão por Obama de US$ 38 bilhões em termos de cortes no orçamento. Desagradou, ulteriormente, a circunstância de que tal redução nas dotações públicas objetivava apenas a prorrogação provisória do orçamento, não representando o naco de carne que exigiam os aguerridos representantes do G.O.P.
Pareceu, outrossim, excessivo que Obama parabenizasse os republicanos (e democratas) por um acordo desse gênero que, com a economia americana ainda débil, pode prejudicar e mesmo anular a fraca recuperação da recente recessão.
Não pareceu a colunistas como Paul Krugman que Barack Obama se estivesse valendo das prerrogativas de um Presidente. E ele se perguntava, após mencionar o seu carismátivo e inspirador comportamento no processo eleitoral de 2008, ‘quem é esta insossa, tímida pessoa que não semelha ter posição firme acerca de nada ?’
Se a linguagem de Krugman, a partir do título do artigo – ‘Faz falta um Presidente’ – é provocativa e polêmica, não há negar que, na primeira fase, Obama cedeu a iniciativa aos novos republicanos. O Deputado Paul D. Ryan, novel presidente da Comissão do Orçamento da Câmara, apresenta um projeto com pesados cortes nos populares programas Medicare e Medicaid. Posto que nem todos os cortes tenham sido expostos claramente, o intuito republicano é o de atingir os programas sociais que foram introduzidos pelo Presidente Lyndon Johnson na década de sessenta (com o apoio então do G.O.P.) e agora o desmantelamento preventivo da Reforma Geral de Saúde. Essa conquista de Obama e dos democratas sofre ataque conjunto na justiça (sob pretexto de inconstitucionalidade) e ora, com o domínio compartido do Congresso, pelos republicanos que, a pretexto de ser um plano ‘socializante’, tem ódio visceral ao que chamam, para expressar o próprio irracional menosprezo, de ‘Obamacare’.
A sede com que os republicanos estão indo ao pote, intentando desarticular programas sociais, desde muito utilizados pela população americana e em especial a de menor renda, pode representar para eles faca de dois gumes. Com efeito, a um tempo, escancara para a opinião pública a maneira cínica e brutal com que investem contra programas que, num país onde a medicina é a mais cara do mundo, atendem às necessidades clinicas dos menos favorecidos (Medicaid) e dos idosos (Medicare), e de outro, a sua constante preocupação de manter os demagógicos cortes nos impostos das classes mais ricas, sem esquecer o único ítem do orçamento em que preconizam o incremento nas dotações, vale dizer nos recursos já bastante vultosos da Secretaria da Defesa.
Para continuar dobrando a Administração e o Presidente às suas pesadas condições, o G.O.P. pensa valer-se da próxima necessidade de levantar o teto da dívida pública federal (para maiores esclarecimentos nesse ponto, rogo ter presente o meu blog O impensável pode acontecer, de doze do corrente). É uma tática perigosa, pelas implicações que atingem não este ou aquele partido, mas os interesses da superpotência. Com as consequências desastrosas que poderia ter, é um projeto insano, de quem não discerne os limites e a responsabilidade dos partidos quanto ao estado da União.
Buffon, do século das luzes, nos fala de que o estilo é o homem. Essa célebre assertiva se aplica como uma luva ao Presidente Barack Obama. Bom orador, soube inspirar os desejos latentes de ‘mudança’ em grandes faixas do eleitorado. No entanto, se não deseja ser presidente de um só mandato, como o seu longínquo antecessor Buchanan (às vésperas da eclosão da Guerra Civil americana), Obama carece de entender que dos instrumentos suscetíveis de proporcionar a vitória em pleitos majoritários muito difere a política e os recursos de um chefe de governo com vistas a implementar o respectivo programa.
Vem provocando estranheza que Obama se afigura manietado pela aspiração de governar com apoio bipartidário. Acreditando nas suas qualidades de administrar mediante acordos políticos, o presidente vem queimando muitos dos seus trunfos no encalço de amplas concordância em uma época na qual as relações partidárias são marcadas não mais por antiquado cavalheirismo, mas por brutal contraposição em que adversários políticos são havidos como inimigos.
Se esta característica presidencial se afigura inadequada em quadro de negociação que mais parece uma luta sem quartel na qual todos os recursos são válidos, os recentes decepcionantes resultados na presente crise representam ulterior comprovação da ineficácia desta linha de conduta da Administração.
Agora Obama vem a público para asseverar a respectiva disposição de obter uma redução no déficit federal de quatro trilhões de dólares em um período de doze anos. Se os líderes republicanos – o Speaker John Boehner e o Líder da Minoria no Senado, Mitch McConnell - logo se apressam em contraditar-lhe o intuito. O mais importante estará não na redução do déficit em si – em um período no qual seria keynesiamente mais oportuna uma política de maior ênfase no crédito para reativar o emprego na economia - , mas na maneira em que tal decréscimo será logrado. O G.O.P. se apressa em declarar que é contra o aumento de impostos. Na verdade, tal afirmação, no mundo americano, deve ser lida como significando ‘somos contra o aumento dos tributos para as camadas mais ricas da população’.
Ora, como se depreende, não se trata aqui de incremento de impostos. Obama busca a reposição das antigas alíquotas para os mais afluentes, alíquotas essas que foram generosamente canceladas por Bush júnior. Quando se sabe que a manutenção desse privilégio fiscal importaria em perda de arrecadação para o Estado de US$ 363 bilhões, num período bianual, se desnuda a perene estratégia do Partido Republicano de proteger os ricos e de prejudicar os programas sociais para as camadas mais pobres.
Parece míope política do século XIX. O que mais surpreende é que esse Grand Old Party (grande e velho partido) consiga eleger presidentes, ter maiorias na Câmara dos Representantes e também no Senado, dispor de maioria na Corte Suprema, etc. etc.
( Fonte: International Herald Tribune )
sexta-feira, 15 de abril de 2011
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