sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Questão Palestina

           A reconciliação entre Fatah e Hamas, assinada no Cairo, ao cabo de negociações secretas realizadas por delegações chefiadas, respectivamente, por Azzam al-Ahmed (Fatah) e Moussa Abu Marzouk (Hamas), representa um primeiro e importante passo no caminho da construção de Estado Palestino independente.
           A história das tentativas de solução da questão palestina está marcada por altas esperanças – como a assinatura na pelouse da Casa Branca em setembro de 1993 dos famosos Acordos de Oslo, entre judeus e palestinos – e pesados fracassos, como a derradeira negociação de acordo entre Yasser Arafat e Ehud Barak, mediada in extremis pelo Presidente Clinton em fim de mandato. Com o advento de George Bush junior, as coisas só pioraram, com a provocação de Ariel Sharon e a segunda Intifada, a que seguiu-se o ainda não-esclarecido desaparecimento de cena de Yasser Arafat (11 de novembro de 2004). Depois do assassínio de Yitzhak Rabin (novembro de 1995), o campo da paz em Israel encolheu. À construção do muro e à bantustanização dos territórios palestinos, correspondeu o crescimento da ultra-direita, dos ultra-ortodoxos e da consequente desenvoltura dos colonos em seus assentamentos ilegais nos territórios ocupados por força da dita guerra dos seis dias (junho de 1967).
           Dentro desse quadro, forçoso será reconhecer que nos últimos tempos as perspectivas se hajam tornado sempre mais sombrias, com sucessão de crises e conflagrações. O Oriente Próximo continuou como a fonte inexgotável do conflito, posto que as guerras não se caracterizaram, como no passado, por vitórias israelenses.
          A chamada Segunda Guerra do Líbano, uma extensão das hostilidades árabe-israelenses, durou de doze de julho a 14 de agosto de 2006, concluída com o cessar fogo determinado pela Resolução 1701 do Conselho de Segurança. A maior participação contra Israel foi das forças do Hezbollah, de Hassan Nasrallah. Terminou em impasse, o que na prática foi visto como vitória do Hezbollah.
          Por outro lado, a chamada operação de Gaza, em fins de 2008, na verdade expedição punitiva do Tsahal (exército israelense) contra àquela Faixa sob o domínio do Hamas, se saldou pela destruição bastante extensa das construções de Gaza, e por derrota política de Israel. Houve posteriormente relatório das Nações Unidas, de juiz sul-africano Richard Goldstone, que registrou diversos atentados aos direitos humanos pelo Tsahal, e que até hoje é objeto de controvérsia, pela exacerbada reação ad hominem do governo de Tel-Aviv.
          O acordo político entre o Fatah e o Hamas, assinado a 27 de abril corrente, foi mal-recebido – como seria previsível – pelo governo de Benjamin Netanyahu. Advertiu ao Fatah que a reconciliação entre os grupos palestinos poderia acabar com as perspectivas de conversações de paz.
          Sem meias palavras, no estilo truculento habitual, disse: “A Autoridade Palestina deve escolher entre a paz com Israel ou a paz com o Hamas. Não há possibilidade de subsistir a paz com ambos."
          Antes de analisar essa peculiar posição introdutória do governo de Tel-Aviv, carecemos de entender melhor o que significa o acordo do Cairo, e o que pode implicar para a questão palestina.
          O entendimento Fatah-Hamas prevê a formação de um governo interino e a convocação, dentro do prazo de um ano, para eleições, que serão mediadas por tribunal eleitoral. Foram igualmente acertadas a reativação do Conselho Legislativo Palestino, a libertação recíproca de prisioneiros, e a entrada do Hamas na Organização para a Libertação da Palestina, a organização-quadro, que é dominada pelo Fatah.
          Dado o status de ‘terrorista’ do Hamas – assim considerado por Israel, Estados Unidos e países europeus – coloca-se, de início, a dificuldade de tratar com entidade de que participa formação carimbada como ‘terrorista’ pelos governos dos países acima citados.
          Tendo presente a situação ora atravessada pelos palestinos, diante dos contínuos avanços em seus territórios de assentamentos de colonos – cujo caráter ilegal não tem sido até o presente suficiente para determinar reversões dessas invasões, assim como do acosso implacável das comunidades árabe-palestinas, a que as colônias de judeus muitos deles emigrantes dos Estados Unidos buscam desalojar – os países que realmente desejam a paz só podem encarar favoravelmente a composição havida entre Hamas e Fatah.
          Dados os precedentes e os muitos nós que precisam ser desatados, o realismo pragmático tem de presidir aos prognósticos quanto ao futuro deste acordo. Mahmoud Abbas, a figura de proa da Autoridade Palestina, rebateu as críticas de Netanyahu contra o entendimento.
          Abbas já demonstrara antes o desejo de ir a Gaza – que está sob controle do Hamas – para encontrar-se com Ismail Haniya, o líder do governo de Gaza, em resposta a  convite deste último para encetar as negociações da união.
          É discutível qual será o papel da diplomacia americana nesta inesperada evolução das relações Fatah-Hamas. Salta aos olhos que, diante da fraqueza palestina e do desequilíbrio nas suas relações com Israel, marcadas por um confinamento crescente do povo palestino, a composição entre Abbas e Haniya é um desenvolvimento necessário e positivo para a causa palestina.
          Será imprescindível que o Departamento de Estado demonstre o necessário profissionalismo para não ficar a reboque da intransigência de Netanyahu. No entanto, desde os anos Nixon – Kissinger, Israel, o estado-cliente, mantem grande autonomia com relação a Washington. Muita vez, por motivos políticos, inclusive de caráter interno estadunidense, as Administrações sucessivas se vêem obrigadas a chancelar posições – de um Estado supostamente dependente - que não aprovara a princípio.
          O futuro dirá como vai reagir a Administração Obama a essa abertura na questão médio-oriental, ensejada por um entendimento ainda incipiente de duas facções até a véspera inimigas. Hamas e Fatah sabem que não tem escolha senão por intermédio de sua união para enfrentar Israel.
          O porvir deste acordo lógico, assim como a posição eventual dos Estados Unidos colocam questões determinantes que no momento só se podem responder com um inshallah (oxalá). A causa da Paz apenas progredirá se houver respostas satisfatórias e construtivas a tais quesitos.


(Fonte: International Herald Tribune e Folha de S.Paulo)

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