Em 1995, o então ‘speaker’ da Câmara de Representantes, Newt Gingrich, provocara o fechamento do governo federal americano, em função de exigências radicais de cortes nos seguros médicos Medicare (idosos) e Medicaid (baixa renda).O Presidente Bill Clinton não se curvou e no seu comportamento, bem como na irresponsabilidade do líder republicano, residem as principais razões de sua reeleição para um segundo mandato, em novembro de 1996.
Se alguém redespertasse de longo sono de dezesseis anos, esfregaria os olhos incrédulo diante da perspectiva de que seja suspensa a maior parte das atividades do governo federal, pela falta de aprovação do orçamento pelo Congresso. Que os atores principais houvessem mudado de nome,mas não de partido, daria a esta pessoa a impressão de que, malgrado o longo período de inconsciência, na realidade as coisas no plano político continuavam substancialmente as mesmas.
Apesar de que o atual ‘speaker’ John Boehner não seja tão radical quanto Gingrich, esse lider republicano está à frente de uma bancada com muitos novos deputados oriundos do movimento ultra-conservador ‘Tea Party’. Na peculiar ideologia desses senhores, os males estadunidenses são devidos a um Estado excessivamente grande.
A solução ? Cortar os programas médicos, através da privatização do Medicare, e da drástica redução do programa Medicaid para os cidadãos de baixa renda, que seria repassado para os estados da federação com alocações muito menores.
Quanto ao Plano Geral de Reforma da Saúde – que os republicanos tentam ridiculizar ao chamá-lo de Obamacare - aprovado pela última legislatura, seria mandado às urtigas. Depois dessas ‘economias’ arrancadas da população idosa e dos extratos de baixa renda, a radical proposta orçamentária apresentada pelo novo presidente da Comitê Orçamentário, o republicano Paul D. Ryan, não é acompanhada pela sua lógica compensação fiscal, que seria o incremento dos impostos.
Dentro de uma filosofia de direita extremada, o projeto preconiza a redução nos tributos das grandes corporações (empresas e pessoas jurídicas), assim como no imposto de renda dos fiéis eleitores do G.O.P., i.e., as faixas de mais alta renda (já beneficiadas pelos cortes introduzidos por Bush júnior, e cuja validade teve de ser engolida por Obama, nas negociações ao cabo da última legislatura (dezembro de 2010). O único setor do orçamento cujas rendas não são podadas são aquelas alocadas ao Ministério da Defesa.
O Presidente Barack Obama até o momento se tem mantido firme. O radicalismo republicano vai a tal ponto que, após conversações na Casa Branca, os democratas repeliram proposta do G.O.P. de ‘deixar o governo funcionando por mais uma semana’, mediante o assentimento de cortar desde já doze bilhões de dólares.
A princípio a liderança republicana, que tem presente o desastre político de 95/96, buscava moderar as reivindicações da ala exaltada, composta em boa parte pelos eleitos do ‘Tea Party’ nos comícios de novembro último. Os acontecimentos vem mostrando que John Boehner e a cúpula republicana estão sendo arrastados pelo maximalismo direitista de muitos dos eleitos na avalanche republicana de novembro de 2010.
A ausência do bipartidarismo como fórmula de governança é uma brutal realidade, mais ditada pela paixão da maioria ‘ultra’ do G.O.P., do que por considerações lógicas.
O Presidente Obama – que não tem, infelizmente, a têmpera de Bill Clinton – se disse disposto a negociar. Adiantou que só aprovará uma extensão ‘limpa’ (clean) de curto prazo de dois ou três dias, desde que exista a perspectiva concreta de selar um acordo mais amplo : “Não temos tempo para jogos (games), não temos tempo para marcar pontos políticos”.
Salta aos olhos que o fechamento dos serviços não-essenciais do governo federal prejudicará a muitos e, em especial, aos mais necessitados. Será o que há de ocorrer inelutavelmente, se a liderança republica, refém do ‘Tea Party’ e dos extremistas fiscais, continuar a exigir descomunais cortes nas despesas estatais, atingindo às principais conquistas sociais (de Lyndon Johnson e do próprio Obama).
Se o Presidente Obama seguir uma linha firme – em que não jogará como lastro ao mar benefícios básicos como o Medicare e o Medicaid, a par da própria incipiente reforma sanitária – , a opinião pública se aperceberá de o que realmente está em jogo.
No passado, a resolução e a habilidade de Clinton souberam colocar Newt Gingrich e a maioria republicana do ‘Contrato com a América’ (a plataforma que deu a maioria no Congresso aos republicanos) em situação verdadeiramente insustentável.
Em essência, neste embate – que desnuda total contraposição entra a direita radical e a filosofia democrata -, como naqueles dos filmes do velho Oeste, ganhará não quem desembainhar primeiro o revolver, mas sim quem souber manter o sangue-frio indispensável para sair politicamente vivo de um duelo de vontades.
E nesta questão fundamental, dados os precedentes pouco alentadores, forçoso será observar-lhe a evolução na companhia da inquietude e da incerteza.
( Fonte: International Herald Tribune )
quinta-feira, 7 de abril de 2011
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