A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) acatou a ação movida por 40 instituições não-governamentais (ONGs), e determinou ao Governo brasileiro a suspensão do processo de licenciamento da hidrelétrica, calçada no argumento de que as comunidades indígenas ainda não foram ouvidas.
A Senhora Presidenta, Dilma Rousseff, ficou irritada com a decisão da CIDH. Nesse sentido, determinou ao Itamaraty que preparasse nota de resposta “à altura”, manifestando “perplexidade”. Nessa linha, o Ministério das Relações Exteriores considerou ‘precipitadas e injustificáveis’as recomendações da CIDH.
Apesar de integrarmos a Comissão e de termos ratificado os instrumentos internacionais a ela referentes, nos últimos tempos o Brasil vem demonstrando preocupante falta de sintonia com essa prestigiosa corte da OEA. Não faz muito o Supremo conferiu à lei da anistia - promulgada na presidência do General João Figueiredo, o último dos generais-presidentes - a não-imputabilidade dos suspeitos de tortura e outras crimes contra os direitos humanos.
Essa infeliz jurisprudência – que se insere em tradição acomodatícia da justiça nacional, muito diversa da postura afirmativa de nossos irmãos platinos – prevaleceu, ao arrepio da evolução do direito internacional humanitário, que reputa imprescritíveis os crimes de tortura e contra a humanidade. Em nossa Corte, houve magistrados (como Ayres Britto) que oportunamente desvelaram a incongruência dessa posição, insustentável perante o direito internacional.
No caso em tela, data venia, semelha importante que a senhora Presidenta, se bem que a máxima autoridade em nosso quintal, deva ter presente que as suas determinações respeitem os direitos das comunidades nelas envolvidas.
Não foi o caso da Usina de Belo Monte. A par de sua questionável utilidade, por força das disponibilidades hidrográficas, o processo de ‘licenciamento’ ambiental foi a antítese de o que deva ser a verificação pelo Ibama do impacto ambiental e demográfico de mais esta usina no norte do Brasil.
Como a motoniveladora de outros embates – que levaram, na presidência Lula, sendo ela a primeira ministra de facto, à demasiado discreta saída da Ministra Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente – a bismarckiana (1) presidenta levou de roldão todos aqueles que tinham ousado obtemperar contra a oportunidade e os exíguos prazos alocados à nova prioridade nacional.
Não admitindo argumentos em contrário e ponderações, os detalhes do licenciamento através do Ibama foram providenciados pelos substitutos, eis que as chefias respectivas não se alinharam à vontade do ‘quero já’ (2), à maneira de um adolescente Pedro II, no que concerne aos requisitos a serem cumpridos na construção da enorme usina.
Quanto a esses organismos, ou virtualmente acéfalos, ou providos com personalidades decerto dedicadas, mas sem maior respaldo político, seja próprio, seja derivado, não há de surpreender que todos se curvassem ao querer desenvolvimentista da Presidenta.
Em termos de oposição, as comunidades indígenas diretamente prejudicadas pelas arbitrariedades embutidas na construção e pelas consequências ambientais da montagem da usina por conta essencialmente do Estado, dadas as reticências das grandes empresas privadas, tais comunidades, repito, expressaram com a sua habitual franqueza e coragem a sua discordância. Com efeito, escassa conta foi havida dos enormes transtornos causados às comunidades que vivem nessa região do Xingu. Se o governo contesta o alagamento dessas terras, a construção de canais vai alterar o curso das águas na grande volta do Xingu, tirando a água de tribos e ribeirinhos.
Atualmente, malgrado toda a fanfarra e o previsível apoiamento prestado pelos órgãos do Estado à novel Presidente, a obra por ela vivamente desejada se acha, na prática, sustada. Por iniciativa do Ministério Público, foi suspensa, em primeira instância, a licença parcial de instalação concedida pelo Ibama, sob o fundamento de que inexiste previsão de tal instrumento na legislação vigente.
A decisão da CIDH chega, portanto, em boa hora. Se no círculo do poder há pessoas com a coragem de suas convicções e de seu bom senso, seria mais do que oportuno, eis que se afigura de grande pertinência, que a nossa Presidenta ouça pareceres ditados não pelo desejo de agradar aos seus pendores desenvolvimentistas, porém de trazê-la a uma realidade mais ordenada, em que os direitos das comunidades indígenas não sejam tratados como algo de somenos.
Enfim de contas, senhora Presidenta, esses brasileiros não só nos antecederam no trato desta terra, mas a ela – e em especial aos espaços que se pretende submergir, ou privar da água fonte de vida – tem um compreensível apego. Eles não são números anônimos, expendable (extinguíveis) nos planos oficiais.
Construamos uma Usina de Belo Monte não sobre o sofrimento das comunidades, mas com as medidas indispensáveis para que tais reclamos sejam respeitados, e não dessangrados ou feitos desaparecer debaixo de espaços lacustres, que na sua placidez trazem a violência da injustiça.
( Fonte: O Globo )
1. Otto von Bismarck (1824-1894), cognominado o Chanceler de Ferro, governou a Prússia e em seguida o Reich alemão (1862-1890)
2. Resposta do jovem Pedro II à pergunta do Marquês de Olinda, no episódio da maioridade imperial.
quarta-feira, 6 de abril de 2011
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