A Constituição Cidadã já tem mais de vinte anos e a abolição da censura representa um de seus princípais galardões. No entanto, se atentarmos para o noticiário, como se responderia à pergunta: Respeita-se no Brasil a liberdade de expressão, consoante determinam o inciso IX do artigo 5º e o parágrafo 2º do artigo 220 da Constituição ?
A resposta, infelizmente, não será aquela taxativa do respeito sem exceções à cláusula pétrea constitucional, como faria supor a aclamação que cercara a promulgação do texto da Carta Magna, e a consequente efusão cívica do adeus àquela marca da ditadura militar.
A hidra da censura, com a esperteza que é própria das criaturas do obscurantismo – a exemplo de outra, a tortura –, soube homiziar-se nos porões das esperas ardilosas. Aguardou, paciente, que transcorresse a primeira hora do júbilo e da comemoração, para com a sinuosidade dos maus propósitos reaparecer à luz do dia.
A princípio, a fim de eludir a norma constitucional, a hidra da censura carece de vestir-se de trajes que a exumem da sepultura onde a enterrou a Lei Magna. Embora tenha outros disfarces, a censura se compraz em mostrar-se através de autoridades de quem seria lícito esperar fossem os paladinos da salvaguarda das cláusulas da Constituição, e não os artífices da reimplantação despudorada dos ditames dos sovados manuais do autoritarismo.
Dessarte, se a via judicial tem sido o atalho preferido pelos sequazes da censura, não é decerto o único, como o atesta o reestabelecimento no Ministério da Justiça de um sucedâneo da antiga divisão de censura, ora incorporada em ‘departamento de classificação indicativa’. Tampouco procede a afirmação de que a violação do preceito constitucional se restrinja a juízes de primeira instância, em localidades interioranas, naqueles grotões de que nos falava Tancredo Neves.
A esse respeito, a revista VEJA reservou uma página, sob o título ‘Atentado À Democracia’, para reportar a recente denúncia feita pela ‘Associação Nacional de Jornais’ – foram registrados no Brasil 31 casos de violação à liberdade de imprensa.’
Desses 31 casos, dezesseis são decorrentes de sentença judicial.
Não importa apenas definir esses mostrengos jurídicos como ‘anomalias’ e ‘temeridades’. Também não basta condená-las com frases categóricas, como, v.g., a assertiva de Ricardo Pedreira, diretor executivo da ANJ : “Trata-se de uma demonstração de desapreço a um princípio constitucional” (acerca da decisão do desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), proibindo o Estado de São Paulo de noticiar sobre a investigação das atividades empresariais de Fernando Sarney, filho do Senador José Sarney) e do Deputado Miro Teixeira , apostrofando sentenças que proibem jornais de publicar notícias como uma atitude “ofensiva e deplorável”.
Lamentavelmente, não é mais possível atribuir tais negações de liberdade básica a condições típicas de pequenas localidades no interior. Se há casos de juízes de primeira instância nessas cidades interioranas, como definiremos as três sentenças de apreensão do semanário Impacto pelo juiz eleitoral Luiz Henrique Martins Portelinha em Florianópolis, em agosto e outubro de 2008 ?
Certamente, o arbítrio é inadmissível em qualquer lugar. Entretanto, o que causa mais inquietação é que tais violações não mais se limitem a locais onde os recursos para contra-arrestar tais arbitrariedades não sejam de fácil acesso, porém repontem em grandes centros onde se presume existam condições de resistência e de restabelecimento da legalidade com maior presteza.
Em meu blog de 15 de agosto corrente ‘Prolongada a Censura Judicial em favor de Fernando Sarney’, levantei a possibilidade de que entidades representativas da sociedade civil, através de Ação declaratória de constitucionalidade obtenham do Supremo Tribunal Federal sentença em que não mais se admita o recurso, a qualquer título e por via judicial, à imposição de censura em órgão jornalístico ou de comunicação social. A Sociedade clama por sumúla vinculante que afaste, de forma definitiva, essas reiteradas chicanas, com os seus espúrios objetivos.
É mais do que tempo de passarmos das condenações categóricas, porém infelizmente destituídas de resultados práticos, para providências objetivas que suprimam esses contínuos avatares da censura. Deparamos como a negação do pensamento é implantada com despejada celeridade, e como é tarda a correção e a anulação de seus perniciosos efeitos.
Não obstante a sua meridiana clareza, o texto constitucional necessita de complementação pela nossa Suprema Corte, para que a Hidra da Censura, por suas múltiplas cabeças, não mais surja com suas temerárias violações.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
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