O interrogatório da ex-Secretária da Receita Federal, Lina Vieira, na tarde de ontem, dezoito de agosto, foi cercado de contradições.
De início, o inaudito desafio do Presidente da República a uma funcionária de terceiro escalão para que apresentasse a sua agenda. Como de hábito, Lula falou o que não cabia. Primeiro, porque na qualidade de mais alta autoridade do Estado, não deve empregá-la para intimidar funcionários de mais baixa hierarquia. Segundo, por não dizer-lhe respeito questão da estrita competência da sua Ministra e da ex-Secretária da Receita.
Apesar de o país ter coisa mais séria para discutir, como asseverou o seu chefe, a Ministra Dilma Rousseff cancelou todos os compromissos da agenda, permanecendo em casa, presumidamente para evitar contatos com a imprensa.
Por sua vez, a oposição que provocara a audiência na Comissão de Constituição e Justiça - por um suposto ‘cochilo’ da situação - não mui surpreendentemente não se preparou para a interrogação de Lina Vieira. Terá acaso se fiado em que as declarações da ex-Secretária bastariam como matéria combustível para acirrar a crise? Por falta de mínima atenção prévia, como assinalou Merval Pereira, não foram feitas pelos senadores perguntas óbvias como indagar se Lina achava normal uma interferência do tipo da feita pela Ministra, ao convocá-la para seu gabinete. Também não se aludiu à circunstância de que, ao não fazer o que a Ministra sugeriu, tenha permanecido omissa, sem comunicar o fato inusitado ao seu superior.
Tampouco a estrela da tarde fez o trabalho que alguns temiam e outros esperavam. Não produziu a famosa agenda, nem foi capaz de precisar a data do encontro. Limitou-se a fornecer alguns detalhes do compromisso, com itinerário, carro, e chofer terceirizado, de quem não deu o nome.
A primeira fase da audiência terminou com a morna repetição de assertivas anteriores, com a confirmação da reunião. Nesse espírito, Lina não se disse ‘pressionada’, embora julgasse o pedido ‘incabível’.
Tudo parecia resolvido para o governo, a ponto de o líder Romero Jucá dar-se por satisfeito. Nesse momento, serenados os ânimos, as coisas se encaminhavam para um fecho do agrado oficial.
De agitar a atmosfera, cuidou a líder governista, Senadora Ideli Salvatti. Com inusitada agressividade, depois de reler a entrevista de Lina à Folha de São Paulo, acrescentou ela: “Ou a senhora mentiu hoje, ou mentiu para o jornal”. Pressentindo as consequências, Renan Calheiros tentou intervir, para apaziguar o súbito ímpeto de Salvatti, mas já era tarde.
Colocada contra a parede, Lina Vieira elevou o tom: “Não estou mentindo não, reafirmo que a ministra quis parar com a investigação, foi o que eu disse aqui desde o início.”
A ex-Secretária da Receita aceitou, outrossim, a acareação com Dilma Rousseff, e, dada a intervenção presidencial, aduziu que não precisa de agenda para dizer a verdade.
Marcada pelas assertivas de Lina Vieira e pelas negações de Dilma Rousseff – e, por acréscimo, o desmentido da fiel secretária-executiva, Erenice Guerra - a crise do pedido de agilização da investigação do Fisco sobre empresas de Fernando Sarney, a audiência na Comissão de Constituição e Justiça se concluíu com ares de questão que, apesar de tudo, permanece insepulta.
A menos de outro ‘cochilo’, não semelha provável que a situação permita a acareação da Ministra com a ex-Secretária da Receita.
A exemplo das assombrações que, insatisfeitas com o próprio desenlace, são ditas continuarem a vagar por ocasiões e locais os mais estranhos, não se afigura prudente consignar as dúvidas remanescentes ao silêncio dos defuntos.
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
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