segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Censura: o que fazer para extirpá-la

A Constituição de 5 de outubro de 1988, a constituição cidadã do Dr. Ulysses Guimarães não deixa dúvidas em suas disposições pertinentes (artigo 5º, inciso IX, e o artigo 220º , parágrafo 2º ) sobre a mens legis da proibição da censura em todas as suas formas.
A justa euforia que circundou a promulgação da norma, foi muito bem expressa pelo então Ministro da Justiça, Fernando Lyra, que soube traduzir em memoráveis declarações o sentir da sociedade civil.
Nos artigos Volta da Censura (22 de março p.p.) e A Hidra da Censura (14 de junho p.p.) me ocupei de intentos de erosão da cláusula pétrea constitucional, realizados precipuamente por juízes de primeira instância em comarcas do interior, assim como pelo próprio Ministério da Justiça, através notadamente do dito departamento de classificação indicativa.
Tendo presente o que acaba de ocorrer, por intermédio de liminar concedida por Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, julgo de toda relevância, de início, sumarizar a questão.
Trata-se de estranha liminar, que ousa afrontar a letra da lei magna e a jurisprudência do Supremo, exarada pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do D.F., que proibe o jornal ‘O Estado de São Paulo’ de noticiar informações acerca da Operação Boi Barrica da Polícia Federal. Tais investigações atingem Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado, José Sarney.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) classificaram de censura prévia e agressão à liberdade de imprensa a citada liminar.
Segundo Sergio Murilo, presidente da Fenaj: (a liminar) é um ato de censura prévia inaceitável. A grande preocupação é que tem sido recorrentes essas decisões, com grande prejuízo para a imprensa e os jornalistas, mas o maior dano é para o cidadão, que perde o direito de ser informado.
O Presidente da ABI, Maurício Azedo, classificou como antiética a decisão do desembargador. Para ele, Vieira deveria declarar-se impedido, por ter convívio social com a família Sarney. Recente foto mostra o magistrado e sua mulher ao lado de Sarney, Renan Calheiros e de Agaciel Maia, no casamento da filha deste último.
A tal respeito, o jurista Fabio Konder Comparato é mais taxativo: “O desembargador não poderia decidir nada sobre a família Sarney porque é amigo íntimo do clã, atentando contra princípios elementares de imparcialidade. Creio que deveria ser protocolada uma ação contra ele no Conselho Nacional de Justiça”.
Por outro lado,Carlos Ari Sundfeld, mestre em Direito da PUC de São Paulo, acha que o argumento de que o jornal não pode publicar matéria em segredo de justiça não é certo.
Como assinala Janio de Freitas em ‘Segredos da Justiça’, “não sendo proibido publicar que o processo judicial existe, o segredo de Justiça vira mistério e o mistério, suspeita.” Por outro lado, se estamos caminhando para virar a página do poder antidemocrático do coronel José Sarney (cf. Prof. Marco Antonio Villa), o episódio mostra que esse poder em seus estertores ainda ,infelizmente, pode fazer das suas. Por oportuno, transcrevo ainda da coluna de J. de Freitas: “À parte a derrubada ou permanência da liminar de censura, é outra aberração – no mínimo – que fosse concedida por um desembargador, Dácio Vieira, dado publicamente como ex-consultor jurídico do Senado e devedor de sua nomeação para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal a um movimento de apoio conduzido, entre senadores e outros políticos, pelo então influente Agaciel Maia.”
Há ainda uma que outra observação incidental a aditar. É conhecido o meritório empenho de esclarecimento do jornal ‘O Estado de São Paulo’, através da revelação e publicação de muitos dos escândalos relativos à Câmara e, em especial, ao Senado Federal. Não só a opinião pública é devedora ao órgão dos Mesquita por mais essa campanha, que se insere em longa tradição de jornalismo investigativo, iniciado, é bom que se frise, em ambientes não tão propícios, como na época da ditadura militar. Igualmente, os demais jornais da grande imprensa têm sido beneficiários de tal campanha.
É estranhável, por conseguinte, que matéria como esta, que tão de perto terá de interessar e motivar a imprensa, seja relegada às páginas internas desses grandes diários, como se fora questão a que não se coadunasse o destaque da primeira página.
A que atribuir essa inusitada discrição ? Dever-se-ía acaso à circunstância de que O Estado de São Paulo é o principal concorrente da Folha de São Paulo na Pauliceia, e que no Rio, O Globo se afigura mais próximo da Folha ?
Gostaria, a propósito, de que tal incoativa suspeita não se confirme, eis que não haveria posição mais esdrúxula, míope e, se me permitem o epíteto, estúpida, que desmerecer na causa mais importante para jornalistas e meios de comunicação, pois concerne diretamente à liberdade e à democracia. Não vamos, por interesses menores, deixar vulnerável a causa maior, que é o respeito à informação, sem véus nem mortalhas.

O que fazer ?

Dada a desídia do Legislativo, já exposta no blog de 22 de julho p.p. (V. Considerações sobre a Constituição dita Cidadã), não seria sensato esperar que o Congresso elaborasse em breve lei complementar, para explicitar e salvaguardar a proibição geral de censura. Por isso, não semelha descabido que o Supremo, devidamente acionado pelas entidades diretamente concernidas – a A.B.I, a A.N.J. e a Fenaj – aprove, como súmula vinculante, mandado de segurança constitucional que, fundado nas cláusulas acima citadas de proibição de censura, assim como nos institutos do habeas corpus e habeas data,venha a determinar a inviabilização das inúmeras tentativas de imposição, por via judicial, da inadmissível censura.
Igualmente é merecedora de atenção a invasão procedida pelo Ministério da Justiça, através do assim chamado departamento de classificação indicativa, cujos burocratas – que em muito se confundem com os antigos censores - atuam como se tais normais fossem impositivas e não indicativas. Nada é de somenos no campo da liberdade. Os arreganhos da censura devem ser combatidos e eliminados em tudo o que interessar possa ao cidadão.

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