Em meu blog de 6 de março último, Mandado internacional de prisão contra o Ditador do Sudão, já me ocupei do drama de Darfur. Agora, em artigo publicado em The New York Review, Nicholas Kristof intenta atualizar o quadro, assim como sugerir o que se poderia fazer para minorar o sofrimento das populações atingidas.
A matança em Darfur se estende por mais de seis anos. Sem embargo, o movimento humanitário ‘Salvem Darfur’ se acha estagnado, embora a situação de muitos habitantes da região possa estar piorando.
Para tal deterioração, ironicamente uma das causas seria o mandado de prisão contra o general Omar Hassan al-Bashir, expedido pelo Tribunal Internacional de Justiça a quatro de março p.p. Por uma série de razões – o apoio dos governantes árabes e africanos (em sua grande maioria ditadores), assim como a série de restrições negociadas pela Administração Bush a tais mandados - esses documentos têm questionável eficácia. Dessarte, al-Bashir se tem movimentado na África e mundo árabe sem sofrer maiores consequências a par do estigma decorrente da medida judicial e a inquietude de ser um dos indiciados pela corte internacional.
Em violenta represália ao mandado, o ditador al-Bashir dirigiu a sua vingança a populações já perseguidas pelo regime de Khartoum. Foram expulsas treze organizações estrangeiras de assistência humanitária, e fechadas três ONGs nacionais. Por força da determinação, de inexcedível baixeza, milhões de darfuris ficaram sem qualquer assistência médica e humanitária. Dessa maneira, uma análise apressada dos resultados da expedição do mandado se inclinaria por acentuar-lhe os efeitos negativos. No entanto, se deve ter presente que o primeiro mandado de prisão contra chefe de estado em exercício representa passo relevante para a implantação do sistema penal internacional. O preço a ser pago será certamente alto, mas afigura-se ineludível se se ambiciona avançar nesta área.
Nesses seis anos em que a comunidade internacional permitiu que o regime sudanês infligisse entre duzentas e quatrocentas mil mortes em Darfur, e levasse dois milhões de pessoas a se tornarem refugiados internos, a ONU atuou de forma débil e insatisfatória. Em termos de resoluções de Conselho de Segurança, as respectivas sanções são devidamente aguadas pela ameaça de veto da República Popular da China, que muito preza o petróleo sudanês. As próprias forças internacionais de paz se acham manietadas seja por limitações em termos de poder coercitivo, e até mesmo pelas características de seus efetivos.
A guerra civil (1983-2005) entre o norte árabe e o sul africano e cristão-animista ceifou dois milhões de pessoas. Em 2011 está marcado referendo que irá determinar se o Sul do Sudão optará pela secessão ou a permanência na atual união. Se o presente regime em Khartoum continuar, a votação do Sul será maciça pela secessão, por óbvios motivos.
Como dois terços do petróleo sudanês se encontram no sul, é pouco crível que o norte vá aceitar tal perda. Mantido, portanto, o corrente cenário, será mais do que previsível a retomada das hostilidades entre as duas regiões, por iniciativa daqueles sobre os quais já pesa o genocídio de Darfur.
Nesse contexto de sistemática violência, como definir o papel exercido por Washington ? Durante os oito anos de Bush júnior, a participação americana, excluída a retórica, se assinalou pela ineficácia, ao não poder (ou não querer) vencer a oposição chinesa, que muita vez contou com o apoio russo.
A tragédia humanitária de Ruanda – e a falta de intervenção da Administração Clinton, que nada fez para conter aquele massacre – representou sinalização importante para a superpotência, porém até agora não provocou a adoção de medidas realmente significativas, no que concerne a combater os fautores das atrocidades de Darfur.
Barack Obama e Hillary Clinton enquanto senadores ou na campanha das primárias clamaram por ações em tal sentido quanto a Darfur. Contudo, seja o Presidente Obama, seja a Secretária de Estado Clinton nada fizeram de mais efetivo neste capítulo.
Ainda no que tange à Administração Obama, há restrições a respeito de seu enviado para o Sudão, o General Scott Gration que preferiria um approach mais brando para com o regime de Khartoum.
O microcosmo mais diretamente envolvido no drama de Darfur também desvela sinais de divisão. De uma parte, há quem favoreça táticas militares mais fortes, como o estabelecimento de zona de proibição de voo ( no-fly zone ), enquanto outros temem os efeitos deste endurecimento, com a suspensão de toda a ajuda a Darfur.
Até na definição da tragédia na região existe dissenção: a maior parte a qualifica como genocídio, mas há quem não aplique o termo, como a ONG Human Rights Watch e o próprio Tribunal Penal Internacional, que se reporta a desrespeito aos direitos humanos.
Definição de genocídio.
É errônea a assertiva de que genocídio é atividade com intenção de eliminar um grupo inteiro – uma raça, por exemplo. Tanto Raphael Lemkin, que cunhou a palavra ‘genocídio’, quanto a Convenção sobre Genocídio de 1948, não o definem como tentativa de eliminar um grupo inteiro. Segundo a Convenção, configura-se genocídio, mesmo se se atinja ‘em parte’ o grupo.
Consoante Kristol, um bom livro sobre o tema é ‘Darfur e o crime de genocídio’, escrito por John Hagan e Wenona Rymond-Richmond, baseado em arquivo do Departamento de Estado com mais de mil entrevistas de Darfuris (a partir de 2004). Essa coletânea permite estabelecer que o racismo contra Africanos negros representa fator mais substancial do que antes imaginado. A esse respeito, entre um quarto e a metade das tribus atacadas ouviram ofensas de cunho racista.
Hagan e Rymond-Richmond também tratam da questão da mortalidade. Estimam as mortes em cerca de quatrocentas mil, posto que existam muitas dúvidas quanto ao número que, como já antes indicado, oscila entre duzentos e quatrocentos mil.
Há igualmente o testemunho de Lágrimas do Deserto, de Halima Bashir, que escreve acerca do racismo e da violência da milícia Janjaweed, estipendiada pelo regime de Khartoum, e notória por estupros, sevícias e morticínios nas aldeias da região.
Se hoje decresceram bastante os ataques dos Janjaweed às aldeias darfuris, tal se deve sobretudo ao fato de que restam poucas aldeias a serem investidas.
Outro desenvolvimento importante foi o envio de força européia, liderada pela França, de 3.700 homens que ocuparam áreas limítrofes do Chad e da República Central Africana. A presença militar da União Europeia impediu os raids de bandos sudaneses, que atravessavam as áreas fronteiriças, atacando povoados dos dois países vizinhos, a exemplo de suas passadas incursões contra as aldeias negras em Darfur.
O quê fazer ?
Kristof sugere diversas medidas para tentar reverter a presente situação. Parece oportuno assinalar o caráter um tanto amadorístico e mesmo voluntarista que algumas delas apresentam, o que decerto sublinha a deplorável carência de apoio mais pró-ativo de Washington e das principais potências democráticas.
- Congregar os membros da sociedade civil de Darfur para formarem plataforma comum de negociação, a fim de desenvolver conversações de paz. Mo Ibrahim, um proeminente empresário e filantropo, desenvolve o projeto com a denominação Mandato de Darfur. O Governo do Sudão susteve, na primavera, as conversações de paz do Mandato de Darfur. Houve poucos protestos no mundo por causa desta arbitrariedade. Dada a importância da iniciativa, caberia pressionar Khartoum para a reabertura do processo.
- Deve-se pressionar não só Khartoum para fazer concessões, de modo a tornar mais provável a solução negociada, mas também Abdel Wahid e os rebeldes. No capítulo das sanções, recomenda-se visar os depósitos de ricos líderes sudaneses em bancos estrangeiros, a par de pressões de países árabes.
- As medidas militares podem incluir zona de proibição de voo. Não se trataria de abater aeronaves no ar. Assim, no caso de aviões militares sudaneses bombardearem civis, contra proibição da ONU de voos de ataque, as forças ocidentais podem posteriormente destruir no solo um caça sudanês ou um helicoptero de ataque.
- Motivar a China a suspender as remessas de armas ao Sudão. Segundo pensa Kristof isto assustaria o regime sudanês, justamente quando se arma para retomar a guerra contra o sul, eis que a RPC é a sua principal fornecedora de armas e treinadora de pilotos militares.
- Encorajar alguns elementos do estamento militar a derrubar o ditador Bashir, com a promessa de que se eles tomarem medidas para acabar a violência em Darfur, os Estados Unidos normalizariam as relações com Khartoum.
(Fonte: The New York Review of Books)
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário