Conforme se especulava antes, crescem os indícios de que o Presidente Barack Obama concordará com básica mudança na reforma a ser introduzida na assistência de saúde do povo americano. Ao invés de uma agência pública de saúde que iria concorrer com as entidades particulares, existe agora a possibilidade, mencionada pela Secretária de Saúde, Kathleen Sebelius, de que a Administração esteja aberta a considerar o recurso a cooperativas de assistência sanitária. Tais cooperativas disporiam de um financiamento inicial do setor público, mas seriam dirigidas por seus integrantes.
Confirmando estimativas anteriores, tal plano obedeceria em linhas gerais ao esquema alvitrado pelo Comitê de Finanças, do Senado, em que grupo bipartidário de seis senadores se empenha para viabilizar um plano geral de saúde moderado, que traria uma reforma híbrida para a população americana.
A súbita radicalização do discurso da direita colheu desprevenido o campo democrata e, notadamente, a Administração Obama. Que não se cuidasse de uma política de conscientização da opinião pública estadunidense semelha difícil entender, tendo presente o ocorrido na tentativa anterior, realizada pela Administração Clinton.
Dados os altos interesses econômicos em jogo, seria pelo menos ingênuo que os setores ditos conservadores se acomodassem com a perspectiva inelutável da introdução de reforma geral da saúde.
A esse propósito, Paul Krugman se manifesta de forma lapidar: “o que se atravessa no caminho de um plano universal de saúde nos Estados Unidos são a ganância do complexo médico-industrial, as mentiras da direita, e a credulidade dos eleitores que acreditam em tais mentiras.”
Na verdade, o serviço médico atual nos Estados é um dos mais caros do mundo. Essa característica se deve sobretudo à maciça presença de grandes organizações médico-hospitalares, em que se privilegia a especialização extremada e a multiplicação desenfreada dos custos, eis que essas associações se regem pelo princípio do lucro e não do interesse do paciente.
Assim, diante da possibilidade de que a presente cornucópia cesse de beneficiá-los com os rendimentos auferidos pelas associações particulares, não há de surpreender que, para derribar a ameaça configurada por um plano geral de saúde pública, este amplo segmento da economia americana não há de recuar na utilização dos expedientes e das deformações mais torpes e desonestas.
Para tanto, além da chusma dos consultores políticos da direita, dos inúmeros lobistas, esta triste e medonha coalizão pode valer-se dos demagogos da direita, no figurino de Rush Limbaugh e outros, que não trepidarão em assacar as maiores infâmias, como acusações de nazismo e de êmulos de Adolf Hitler (no famigerado factóide do incentivo à morte de pacientes idosos), e de todas as demais águas que possam mover esses moinhos do obscurantismo.
Quiçá Barack Obama tenha cometido ulterior erro, ao não encaminhar ao Congresso alguma forma de texto básico para a reforma da saúde, preferindo cingir-se a princípios gerais. Como já se noticiou aqui, outrossim, Obama estaria privilegiando a versão do Senado – leia-se o ‘compromisso bipartidário’ do Comitê de Finanças – do que os projetos da Câmara de Representantes. Não foi à toa que um dos deputados democráticos conservadores (os chamados fiscal blue dogs) se apressou em afirmar que a reforma da saúde pra valer se discutia no ... Senado, e não na Câmara, em que havia apenas um espetáculo marginal ( side show ).
As próximas semanas dirão se as concessões feitas pelo Presidente serão suficientes para salvar alguma coisa da reforma.
A prevalecer essa previsão pouco otimista, recordo o que escreve Arnold Relman em seu artigo “A Reforma da Saúde de que necessitamos e que não estamos conseguindo”[1]: ‘Nenhum plano que comece pela eliminação do seguro fundado no emprego privado, e que dependa substancialmente de financiamento público parece ter muita chance de ser aprovado agora. Seria mudança demasiado grande, e ameaçaria as companhias de seguro e outros poderosos interesses setoriais que influenciam o Congresso. (...) Por ruim que estejam as coisas, elas terão que piorar ainda mais antes que uma grande reforma se torne politicamente possível.”
Nem todas as cartas estão sobre a mesa. Há sempre a esperança da reviravolta, arrimada nas maiorias de que dispõe o partido democrata. Se o milagre não ocorrer, será inevitável que se retome a comparação com o seu longínquo antecessor Franklin Delano Roosevelt, que iniciara na década de trinta longo ciclo liberal-democrático. Desta feita, no entanto, se confirmado o andor da carruagem, os cotejos terão outro viés.
[1] The Health Reform we need & Are not getting, Arnold Relman, The New York Review.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
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