Declarações feitas ontem, 18
de fevereiro, pelo presidente Jair Bolsonaro e seu filho, senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ)
colocaram em dúvida as investigações sobre a morte de Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como chefe da milícia Escritório do Crime e conhecido
como capitão Adriano, e, em consequência cresceu a polêmica em torno do caso.
De sua
parte, o Presidente declarou haver tomado "providências legais" para
que a apuração não fique restrita à polícia da Bahia e sugeriu que provas
poderiam ser alteradas para incriminá-lo. Por isso, segundo Bolsonaro, seria
preciso uma "pericia independente".
Como
não é parte da investigação sobre a morte, Bolsonaro não tem direito de pedir
uma perícia. Flávio Bolsonaro publicou um video que, supostamente, seria do
corpo de capitão Adriano sendo examinado para afirmar que o miliciano foi
"torturado". Em nota, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia
afirmou que não reconhece as mensagens como autênticas e rechaçou as alegações
de que o miliciano foi torturado.
O presidente disse ter receio na perícia
oficial feita pela polícia da Bahia, que responde ao petista Rui Costa, e que
alguém poderia até inserir áudios supostamente falsos para relacioná-lo ao
miliciano. "Tem outra coisa mais
grave: vai ser feita perícia no telefone
apreendido com ele. Será que essa perícia poderá ser insuspeita? Porque eu quero uma perícia insuspeita",
afirmou. Os treze telefones encontrados
com o suspeito foram encaminhados para o Rio de Janeiro, onde serão periciados.
Lá, Adriano responde a inquéritos por participar de milícia.
"Nós não queremos que seja
inserido áudios no telefone de conversações no WhatsApp. Depois que se faz uma perícia,
se por ventura uma pessoa seja atingida, que pode ser eu, apesar de ser
presidente da República, quanto tempo teria para ser feita uma nova perícia?
Vocês lembram do caso do porteiro", afirmou à imprensa, em referência
ao depoimento de um porteiro na investigação da morte da vereadora Marielle
Franco.
O
Presidente disse não ter interesse em uma "queima de arquivo" no caso Adriano, mas lançou suspeitas de
uma tentativa de prejudicá-lo. "A quem interessa queima de arquivo? A mim
não. Zero. O que é mais grave agora: primeiro, estou pedindo, já tomei as
providências legais, para que seja feita uma perícia independente",
afirmou.
Vídeo. Na postagem que fez ontem em suas redes sociais,
Flávio escreveu: "Perícia da Bahia (governo
PT), diz não ser possível afirmar se Adriano foi torturado. Foram sete costelas
quebradas, coronhada na cabeça, queimadura com ferro quente no peito, dois
tiros a queima-roupa (com um na garganta de baixo p/cima e outro no tórax, que
perfurou coração e pulmões".
As
informações apresentadas por Flávio não correspondem com as informações da
Secretaria de Segurança Pública da Bahia. O laudo elaborado pelo Instituto
Médico-Legal de Alagoinhas aponta que o capitão Adriano foi morto com dois
tiros de fuzil, disparados a, no mínimo, um metro e meio de distância.
Costelas. A perícia menciona
"seis fraturas nas costelas", "dois pulmões destruídos" e o
"coração dilacerado". Não há menção à coronhada ou à queimadura, e os
tiros não teriam sido disparados à queima-roupa, como escreveu Flávio. Os
ferimentos seriam compatíveis com o impacto no corpo causado por tiros de
fuzil, em razão da alta energia cinética.
Adriano foi morto durante operação
policial em Esplanada, no interior da Bahia, no domingo, 9. Ele fora localizado após fugir, por mais de
um ano, da polícia fluminense. Flávio
já homenageou capitão Adriano na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj)
e empregou parentes em seu gabinete.
No fim do dia,
a Justiça da Bahia proibiu a
cremação do corpo de Adriano, ao acolher pedido do Ministério Público.
Entrevista
- Rui Costa (PT), Governador da Bahia. 'Presidente está obcecado com miliciano'
(entrevista
a Caio Sartori)
O governador da Bahia,
Rui Costa (PT), classificou ontem (18 de fevereiro) o presidente Jair Bolsonaro
como uma "metralhadora giratória disparando agressividade". Desde o
fim de semana, Costa se tem posicionado contra declarações do presidente sobre
a operação que matou o miliciano
Adriano da Nóbrega, no dia 9, em Esplanada, no interior baiano.
Bolsonaro disse que "a polícia do PT" executou o ex-capitão. Segundo Costa, a ideia da carta assinada por
20 governadores com críticas ao presidente surgiu após o comentário do
presidente.
*
Como foi a concepção da carta dos 20 governadores, após Bolsonaro culpar a PM
baiana pela morte de capitão Adriano ?
Os governadores têm um fórum de WhatsApp
em que trocam ideias. Quando saíu aquela polêmica (declaração de Bolsonaro),
houve manifestação generalizada, os
governadores se mostrando indignados.
*
Por que o sr. acha que Bolsonaro insiste na tese de que Adriano foi executado?
Não sei, não sou analista. Mas isso,
talvez, não saia da cabeça dele e dos filhos dele. Talvez seja um problema tão
grave que ele deve acordar, almoçar, jantar e dormir pensando 24 horas
nisso. Só pode ser, porque ele está há
quatro, cinco dias obcecado falando disso. É como se estivesse com receio de
alguma coisa ser descoberta. Hoje (ontem) ele falou dos telefones (os aparelhos
apreendidos pela polícia) . O material todo foi enviado ao Rio de Janeiro,
usando os meios legais e quem irá apurar isso é o Ministério Público do Rio.
Continuação
do blog transcrito de O Estado de S. Paulo
Família entre em guerra de
narrativas sobre a morte.
A reação do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos à morte do "capitão Adriano" faz parte de uma
guerra de narrativas que envolve a família e seus opositores. Na prática,o
círculo próximo do presidente avalia que ele
se adiantou a uma possível exploração política do caso por parte de
governadores adversários, como Rui Costa
(PT), da Bahia,e Wilson Witzel (PSC), do Rio.
Policiais que respondem aos dois
governadores conduziram a operação de busca que terminou com a morte do
miliciano. Oficialmente, não há informações sobre a atuação de agentes federais
nas investigações da morte do ex-policial. O presidente e os filhos têm dito
que existe potencial de "armação" contra eles na apuração.
O presidente tem sido abastecido pela
rede de policiais fiéis à família com informa-ções da investigação. Dias depois
de a revista Veja publicar fotos com detalhes policiais que
lançaram dúvida sobre a circunstância da morte - a versão oficial é que houve
uma troca de tiros - tanto Bolsonaro como Flávio deram sinais de acesso
privilegiado a dados do inquérito.O pedido de nova autópsia por parte do
Ministério Público da Bahia, por exemplo, foi antecipado pelo presidente e o
senador publicou nas redes sociais um vídeo mostrando o corpo manipulado por
legistas no Instituto Médico Legal. O Estado apurou que Bolsonaro concordou com
a postagem do vídeo, sugerindo que Adriano foi torturado antes de ser morto,
versão descartada pela necrópsia oficial.
Para o advogado Paulo Emílio Catta Preta,
representante da família de Adriano em
Brasília, o laudo pericial contém uma "coleção de estranhezas" e "reforça a possibilidade de
execução". O defensor citou até
mesmo uma perfuração no pescoço, um corte no tórax, outro na testa - "a
sugerir uma coronhada", de acordo com ele -, sete costelas quebradas, além
de marcas na pele que podem ter sido provocadas pelo contato do cano de armas
longas com o corpo, um indicativo de tiros a curta distância.
Catta Preta advoga em Brasília e nega contato
com os Bolsonaro, embora os discursos estejam afinados em alguns pontos.
Apesar de idas e vindas e de
decisões contraditórias das Justiças do Rio e da Bahia, a federalização do
crime, por ora, não está na ordem do dia do governo, e tampouco da família.Se
isso ocorresse, faria com que a Polícia Federal - subordinada ao ministro da Justiça, Sérgio Moro - entrasse na
investigação. Guardiã dos segredos de Adriano, a viúva Júlia Emília Mello Lotufo
não pediu proteção ao governo federal, nem àquele do Rio de Janeiro.
Fonte: Cobertura pelo Estado de S. Paulo - a que agradeço
pela transcrição - dos personagens e dos pormenores relativos à morte sofrida
pelo "capitão Adriano", e da consequente autópsia a que foi submetido
o cadáver, em conformidade com as disposições legais vigentes.