domingo, 18 de dezembro de 2011

Colcha de Retalhos C

   A  Retirada  do  Iraque

         Nove anos depois – a guerra desejada por George W. Bush se iniciara em março de 2003 -com 4500 baixas de militares, um trilhão de dólares gastos na expedição motivada para destruir as armas de destruição de massa (WMD) de Saddam Hussein (que não existiam, confirmando o parecer dos peritos das Nações Unidas), e para instaurar a democracia representativa (o que até agora tampouco está assegurado, por um regime disfuncional),  Barack H. Obama sorri diante de uma promessa de campanha atendida.
         Com efeito, a retirada na última quinta-feira dos derradeiros contingentes americanos aquartelados no Iraque constitui um marco, embora não se saiba bem de quê. Não deixam um país estável. Se a situação sócio-política melhorou depois do surge de 2007 , quando a insurreicão sunita foi controlada pelas tropas estadunidenses, ao partirem os americanos deixam para trás um Iraque que, se não se acha em guerra, não está certamente em paz.
          O gabinete xiita do Primeiro Ministro Nuri al-Maliki tem um precário entendimento com Moktada al-Sadr, o clérigo xiita com estreitos laços com o Irã. Por sua vez, o petróleo na área de Kirkuk, sob o controle curdo, provoca uma disputa pelos rendimentos da explotação petrolífera entre curdos, árabes e turcos (que veem com desconfiança este enclave curdo juntos das próprias fronteiras).
          Assinale-se que o presidente do Iraque é um curdo – Jalal Talabani. Malgrado o poder executivo esteja nas mãos da maioria xiita, Talabani é  hábil político que defende os interesses curdos. Como se sabe, o Curdistão é uma velha aspiração dos curdos, que na divisão do Oriente Médio não receberam nenhum território[1]. Existem curdos na Turquia, no Iraque e no Irã ( onde constituem importantes minorias étnicas).
          Conquanto não seja responsável pelo caos criado por uma guerra temerária lançada por George Bush e insuflada pelo vice-presidente Richard (Dick) Cheney e pelo Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, com frágeis pretextos (depois desmontados pela própria invasão), se a situação desandar de forma preocupante no Iraque, Obama pode ser atingido politicamente,  por haver supostamente agravado o processo insurrecional naquele país, ao dele retirar toda a presença armada estadunidense. Nessas questões os resultados por vezes pesam mais do que as razões, por mais fundadas que sejam. Se o remanescente americano funcionava como garante de  instável equilíbrio, será difícil explicar o porquê da pressa em sair, sobretudo se os dispêndios com o aquartelamento do contingente não são superiores aos gastos com outros quartéis das tropas da superpotência no exterior (v.g., na Alemanha).
           Como dados concretos dessa guerra inventada por Bush, no que tange aos Estados Unidos, o trilhão de dólares e as baixas causadas – não só as fatais, mas as de  inúmeros militares com mutilações e outras afecções, psíquicas e motoras – deixam inegável trauma no povo americano.  Ulterior consequência está nos efeitos na atividade econômica e no emprego, provocados pela desestruturação econômica decorrente dos catastróficos déficits no orçamento estadunidense. O desequilíbrio econômico resultante – com sua origem nos enormes dispêndios com o conflito, assim como na baixa irresponsável nos tributos devidos pelos americanos mais abastados, o que tornou o equilíbrio orçamentário alcançado por Bill Clinton uma longinqua quimera – tem alimentado  difusa conscientização  do declínio americano, para alguns processo irreversivel, e para outros uma fase suscetível de ser superada. De toda maneira, é grande a literatura sobre a questão, máxime os artigos sobre o interior empobrecido e com muitas regiões em que as antigas indústrias estão cerradas. O próprio best-seller de Oswald SpenglerA Decadência do Ocidente [2]– que tanto sucesso editorial colhera no imediato pós- Grande Guerra constitui um título e um tópico citado amiúde dentro do Zeitgeist[3] presente da mídia especializada americana.      
 

 Condenação do ex-presidente Jacques Chirac

         Em um longo processo, o ex-Presidente Jacques Chirac foi condenado  por corte francesa a dois anos de prisão, por desvio de fundos da prefeitura parisiense. Chirac, que tem 79 anos de idade e sofre de problemas de saúde e memória, com esta decisão da justiça francesa, entra para o reduzidíssimo grupo de presidentes que foram objeto de juízo e de condenação. Na verdade, ele se associa apenas ao Marechal Philippe Pétain, que, ao tornar-se Chefe de Estado de Vichy, após a derrota francesa frente à Alemanha de Hitler, foi condenado por traição em 1945, mas a pena máxima foi comutada por Charles de Gaulle.
        Malgrado maître Georges Kiejman,  advogado da defesa de Jacques Chirac – que por suas condições de saúde não esteve presente ao processo – tenha advertido os juízes de que a sua responsabilidade moral e política é imensa, e que a sentença seria a última imagem deixada por Jacques Chirac, os juízes optaram pela condenação, posto que a pena de dois anos tenha sido suspensa.
       Há algumas particularidades desse processo que o tornam bastante idiossincrático.  Não foi bastante  o pedido dos promotores pela absolvição de Chirac, e a circunstância de que própria prefeitura (mairie) de Paris haja desistido da ação, após pagamento de dois milhões e duzentos mil euros, dos quais quinhentos mil do ex-presidente Chirac (o restante pago pelo partido de Nicolas Sarkozy). O grupo Anticor, de repente catapultado à posição de principal acusador, optou pela continuação do processo. Dessarte, o fato de terem ganho a lide, pode ser uma vitória de Pirro, para essa ong,  dadas as condições do réu e a impressão resultante  na opinião pública francesa.
 

( Fonte: International Herald Tribune )



[1] A questão é objeto do famoso livro de David Fromkin  “A Peace to End all Peace”  (Uma Paz para acabar com qualquer paz).
[2] Der Untergang des Abendlandes (2 vols.) deve ser traduzido como a “Decadência do Ocidente”.  Por motivos compreensíveis, a mídia americana fala de declínio e não de decadência.
[3] Espírito do tempo.

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