quinta-feira, 30 de junho de 2011

Para que servem as instituições da República ?

           Submetendo pessoas físicas e jurídicas a carga desmedida de tributos, aplicados indiscriminadamente sobre toda espécie de atividade, a voracidade do Estado tem amarga contrapartida para o cidadão. Com efeito, para tão abrangente e onipresente sede de recursos, a sociedade não recebe do poder público o retorno que seria lícito esperar de um aparelho estatal tão eficaz na cobrança e na arrecadação.
           Este desequilíbrio entre o aporte recebido e a respectiva prestação, na verdade, é uma característica que vai muito além da relação entre tributação (direta ou indireta,ostensiva ou secreta) e cidadão.
           Com efeito, não é somente no bolso de cada um que se sente o peso do imposto, e a pífia, acintosa retribuição na saúde, na educação, no saneamento básico, na segurança e em todas as infraestruturas.
           A inerente injustiça, a flagrante iniquidade, essa praga que corrói a sociedade nacional não precisa de espelhos para reproduzir-se, com virulência semelhante do inço e das ervas daninhas que invadem os cultivos malcuidados. Esse mesmo desequilíbrio, ele se expõe com a desfaçatez que em tantos casos se associa com o menosprezo pelo bem comum e mais do que isso, pelo cidadão comum.
           Perpassa a sociedade sentimento de revolta, acirrado a cada dia pela disparidade evidenciada no tratamento dos órgãos do Estado, de seus representantes, fâmulos e clientes.
           A autoridade pública, tanto legislativa, quanto executiva e judiciária, em todos os seus níveis, com preciosas mas raras exceções, se encastela nos paços do privilégio e de sua veste predileta, que é o corporativismo.
           A obesidade, esta inchação mórbida do corpo, ela não é simples metáfora do poder no Brasil nesta alba do século XXI. Um dos traços dos desvios do comportamento do oficialismo estará na sua exacerbação, no seu crescente divórcio da realidade circunstante.
           A situação é tal, e o respeito pela opinião pública chegou a ponto tão baixo, que o Legislativo se afunda em escândalos e transgressões, enquanto se assinala pela desídia e branca renúncia aos respectivos deveres (o vácuo do poder legiferante suscita a crescente judicialização), e pelo desrespeito ao povo brasileiro, desrespeito este que poderia ser epitomizado em dois momentos reveladores: de uma parte, o congressista que proclama lixar-se da opinião pública (não se iluda quem repute tratar-se de episódio solitário de arrogância corporativa. Se muitos não vocalizam esta afronta, ela é filha da indiferença ou da incúria popular); e de outra, a afronta de um aumento, tão atrevido quanto alienado, que ironicamente, equiparou de cambulhada e pelo alto, os grandes dignitários de república a parecer-se sempre mais com alguma monarquia oriental. E como a desejar sublinhar a provocação, ao contrário da consueta morosidade, para a singular proeza bastou-lhe um dia !
           Do Judiciário, já me ocupei em blog recente. Apesar de intentos de reforma – como o do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trouxe avanços, mas, ao desvirtuar o controle externo da magistratura (de que a Itália é exemplo), ainda não sacudiu a fundo a vagarosidade dos procedimentos judiciários, entre outros vícios como o continuado desrespeito à cláusula pétrea do artigo 5º , inciso I, da Constituição Cidadã.
           E como o Poder Executivo poderia diferir, dentro desse tecido que os anos recentes têm exposto com progressivo divórcio do ethos do homem comum, este homem a quem o presidente Lula timbrou em distinguir do notável Presidente do Senado José Sarney. Quem no Brasil desconhece que Sarney não é um homem comum ? Apesar dos atos secretos e dos escândalos do Senado, apoiado pela mão vigorosa do ex-dirigente sindical e torneiro mecânico, Sua Excelência voltou a circular livremente pelos corredores do Senado Federal e a perdurar na curul da presidência.
           A dizer verdade, o donatário do Sarneyquistão, na denominação feliz da revista Veja, semelha a figura adequada para presidir a tal assembleia, onde pontificam Renan Calheiros e seu aguerrido grupo, a par dos suplentes, enquanto aguardam o regresso de Jáder Barbalho, por gentileza do Supremo Tribunal Federal e, em especial, do novel Ministro Luiz Fux, o qual mandou às urtigas a única legislação de monta da última legislatura, fruto da iniciativa e da pressão dos eleitores, vale dizer a Lei Complementar nr. 135, a lei da Ficha Limpa.
           Nesse deplorável relato, entra, quase à guisa de nota de pé de página, a figura de um expoente do baixo clero da Câmara, o latinista Pedro Novais que, por pedido de Sarney, ocupa o Ministério do Turismo. Para quê ? será para nada, em paráfrase a poema do nordestino Ascenso Ferreira relativo ao gaúcho ? Talvez, por milagre, não.
          Mas o motivo não será a proficiência funcional deste integrante não de todo dissonante do caráter do gabinete da Presidenta Dilma Rousseff. Consoante reporta a Folha de S.Paulo, em quase seis meses Pedro Novais só assinou uma portaria, dois convênios - obviamente com o governo do Maranhão, na pessoa de Roseana Sarney (PMDB), que voltou a ocupar a governança estadual, prescindindo desta feita de decisão do TSE. Sem falar no galardão às avessas de nunca ter sido recebido em audiência privada pela Presidenta.
          Quiçá seja melhor quedar-me neste singelo exemplo do valor que se atribui às designações ministeriais. Suas Excelências são auxiliares diretos da Presidenta da República. Posto que demissíveis ad nutum, gozaram no passado de mais merecida atenção, que não se confunde com a soberba dos néscios e ocasionais arrivistas.
          E como respondia o áulico personagem, como um refrão : ‘tout va bien, madame la marquise !’ (tudo vai à maravilha, senhora marquesa!). Se não me engano, o cortesão assim se referia no crepúsculo do ancien régime (antigo regime), às vésperas de que Luís XVI convocasse os Estados Gerais e começassem as tropelias que a história designaria como Revolução Francesa.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Ministério da Pesca - exemplo do desperdício

           O Ministério da Pesca não é mostra isolada do modelo patrocinado pelo governo Lula, e obviamente confirmado pela Administração da Presidenta Dilma Rousseff.
           Esse pretenso novo paradigma da gestão estatal poderia ser cognominado de modelo congolês. Reporto-me a Moisés Tchombé, que se seguiria ao grande Patrice Lumumba, torpemente assassinado por suas qualidades pelas forças neocolonialistas. Tchombé nomeara tantos ministros para o Congo ex-belga que, nas eventuais reuniões de ministério, por desconhecê-los, sequer lograva chamá-los pelo nome.
           Tal ocorrência, se não referida até o presente, não se me afigura improvável na era Lula da Silva, dada a considerável pletora do ministério, que beira os quarenta, entre os ministros de peso, aqueles de nome e os secretários-de-estado, com suposto nível de gabinete, e, portanto, com fumaças de ministro.
           É notório o escopo dessa esperta medida. Multiplicam-se os ministros em escala aritmética para a progressão geométrica dos cargos em comissão, que distribuem, com munificência haurida nos fundos públicos, empregos em profusão. Será a moeda de troca das coalizões mega-partidárias, de escassa coerência ideológica, grande no papel mas fraca na coesão, por carências de sistema político-eleitoral que mais parece mixórdia onde se misturam os burgos-podres (que na Inglaterra foram abolidos nas reformas dos anos trinta do século XIX) e as enormes circunscrições. Nessas últimas se elegem representantes muita vez de todo dissociados dos próprios eleitores (que, por seu lado, no próximo encontro das urnas mal conseguem recordar o nome do deputado em quem votaram).
           Em tal contexto, desejo distinguir o Ministério da Pesca, hoje sob a direção do carioca Deputado Luiz Sérgio (PT/RJ), que ao assumir as relevantes funções apressou-se em asseverar que a aludida pasta “não é prêmio de consolação”. Freud talvez sorrisse diante de tão manifesta afirmação pela negação, mas o que mais importa é desmascarar no varejo o deslavado aparelhamento do Estado, e o consequente incremento dos encargos correntes pelos efeitos dessa anti-política de desviar fundos estatais das inversões produtivas para a farra e o esbanjamento de despesas tão inúteis quanto prejudiciais (e que se refletem nas chagas de infraestrutura capenga e com mais furos do que rede de arrastão).
          A ironia da troca de Luiz Sérgio por Idete Salvatti no ministério das relações institucionais não pára por aí. Depois de rápida fritura, Luiz Sérgio perdeu a pasta que é o núcleo burocrático tornado indispensável pelas sucessivas tratativas envolvidas nas votações de medidas do interesse da Presidência. Para dar-lhe um título, seria a chamada superfluidade indispensável. O aparente oxímoro existe para azeitar e facilitar as combinações com a base parlamentar, puxando os cordéis que viabilizam a governabilidade, abstrato conceito a cargo dos politólogos, cujas fundações adentram camadas mais profundas.
          Mas voltemos ao considerado importante ministério da pesca. No passado, a secretaria da pesca estava subordinada à Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (CIRM), presidida pelo Ministro da Marinha, e integrada por representantes de ministérios, entre os quais o Itamaraty. A pesca, então, pelo seu peso secundário na economia nacional (situação que não semelha ter mudado), não constituía tema frequente nas reuniões da Comissão – em geral, mensais. Quando repontavam, constituíam em verdade projetos de discutível interesse nacional, como plano do interesse de Santa Catarina e de empresa marítima estrangeira, de estabelecer terminal pesqueiro em porto daquele estado. Na época, esse suposto benefício foi liminarmente denegado, pelas notórias características de pesca industrial das embarcações da nacionalidade interessada, verdadeiras usinas especializadas na explotação intensiva e predatória dos recursos em pescados de áreas marinhas, que rapidamente conduziam à exaustão dos cardumes e da riqueza ictiológica da região. O que assombrava no caso era a circunstância de que tais pretensões viessem subscritas por órgãos burocráticos que deveriam cuidar de atividade que literalmente não matasse a galinha de ovos de ouro.
           Como Fiodor Dostoievski escrevia no seu livro Recordações da Casa dos Mortos – em que descrevia a respectiva detenção na Sibéria por conta da justiça czarista – não duvidar de que as condições por ele reportadas não mais existiam à época da publicação daquela obra, tampouco posso crer, a despeito da reportagem em O Globo, que o atual Ministério da Pesca reincida em tais propostas suscetiveis de denegação in limine de instância superior.
           Sem embargo, e sem querer cansar o leitor com detalhes burocráticos, sob o título ‘Com resultados pífios, ministério da pesca tem estrutura gigante’ O Globo se mostra impiedoso com a pasta do Ministro Luiz Sérgio.
           Voltado para área secundária em nossa economia – apesar da extensão do litoral brasileiro e das grandes bacias fluviais, o pescado não é um item básico na alimentação do brasileiro – o tamanho do ministério e os balanços comerciais a ele concernentes são prova suplementar de que estamos perante construção empregatícia que contribui para sobrecarregar a União com dispensáveis alturas burocráticas, e que se inserem no descabelado projeto de aparelhamento do Estado pelo petismo e seus aliados.
           Nas contas publicadas pelo jornalão, o Ministro Luiz Sérgio herda cerca de mil funcionários e paga R$ 600 mil mensais de aluguel para usar prédio em Brasília (não é de espantar que Lúcio Costa e Oscar Niemeyer não tenham situado e projetado dependências condignas para o que quarenta anos depois ascenderia às alturas ministeriais ?).
           Sem querer cansar o leitor com muitos dados na fundamentação dos títulos do ministério da pesca, releva notar que dispõe de 37 órgãos e uma dotação orçamentária de R$ 553 milhões. Nos seus principais programas, semelha forçoso admitir, os resultados são consternadores: de altissonantes intenções burocráticas, foram efetivamente dispendidos apenas 6,6% da dotação ‘desenvolvimento sustentável da pesca’; 4,9% no ‘desenvolvimento sustentável da aquicultura’; e 4,6% na ‘gestão da política aquícola e pesqueira’.
           À vista do exposto, não vale talvez o esforço de arrolar mais dados. Posto que não ouse duvidar da relevância do Ministério da Pesca, que o corrente Ministro com inegável oportunidade desvela para a mídia, gostaria também de partilhar das convicções da velhinha de Taubaté e de expor mais uma intriga da oposição aos propósitos do estadista Lula da Silva e dos indubitáveis escopos patrióticos do projeto petista.


             ( Fonte: O Globo)

terça-feira, 28 de junho de 2011

Notícias do Front (III)

Estado de Saúde do Presidente Chávez

          As novas sobre Hugo Chávez se limitam a especulações da mídia. Conforme a prática cubana, não há boletins médicos sobre o paciente, como não houve quando da enfermidade de Fidel Castro.
          Os únicos dados ora conhecidos é que Chávez chegou a Cuba em oito de junho, e foi operado a dez, supostamente de abscesso pélvico. A falta de qualquer outra informação engendra cenários os mais disparatados, veiculados pela imprensa. A alegada credibilidade aumenta se o jornal for de Miami, ou se reportar-se a fontes de inteligência.
          Em Caracas, a oposição sente-se impotente. Os seus 67 deputados da Assembleia Nacional reconhecem que “apesar de estar vivendo uma situação inédita e inconstitucional, a única alternativa é denunciar o absurdo nos meios de comunicação”.
          Assim, os comentários oscilam entre os que acham estar Chávez preparando a sua chegada para o dia cinco de julho – ducentésimo aniversário da independência da Venezuela – ou teria sido submetido a outra intervenção cirúrgica, por causa de um câncer de próstata, seguida de quimioterapia e tratamento radiológico.
          De qualquer forma, as indicações são de que enfrenta um problema sério de saúde. Não participou das celebrações na semana passada pelos 190 anos de batalha de Carabobo, e não irá à cúpula de Presidentes do Mercosul, que se inicia hoje, em Assunção.

Crise no Partido Verde ?

          Quando sobrevem a desinteligência, em geral há parcela de culpa nas duas partes em litígio. No entanto, ao lado dessa presunção lógica, existe outro elemento a ser considerado. Se a culpa tende a ser partilhada, na maior parte dos casos uma das partes tem menos razão do que a outra.
          Se examinarmos a atual situação do PV, essa possibilidade teórica semelha ganhar foros de realidade. Apesar de sua penetração na sociedade civil, o ambientalismo não tem no Congresso Nacional bancada que reflita tal consciência da relevância do respeito pelo meio ambiente.
          Há muitos exemplos dessa circunstancial debilidade, e o último deles foi a aprovação pela Câmara dos Deputados de um Código Florestal, elaborado por relator do PCdoB, a que se agregou a chamada Emenda da Vergonha, com o acintoso e custoso (para a União) perdão aos desmatadores. Apesar das teses simpáticas e da manifesta sintonia com as prescrições ecológicas, prevaleceu a posição alterna, que é a do imediatismo obtuso e das assertivas sem qualquer respaldo científico.
          Esta desvantagem, contudo, não deve desencorajar o PV e todos os segmentos sociais que sentem afinidades com o seu programa. A luta é comprida. Embora nem politica, nem eticamente a renúncia ou a não-participação seja admissível, tampouco o PV tem o direito de facilitar o trabalho do adversário por uma disposição ruinosa de adotar posturas ou iniciativas que terão como resultado certo o próprio enfraquecimento.
          Sem embargo, se olharmos à volta será este o panorama que descortinamos de nossa ponte? Há um enfrentamento estéril entre a direção nacional, com José Luiz Penna como presidente (cargo que ocupa há doze anos), de um lado, e a ex-Senadora Marina Silva, a quem acompanham diversos políticos com peso eleitoral.
          No mundo político brasileiro pulula infinidade dos chamados partidos nanicos, a maior parte deles sem programa sério e sem qualquer perspectiva. Permitidas por uma legislação concessiva, essas legendas dão assento a vaidades inconsequentes, quase patéticas.
          O senhor Penna não preside um partido sem programa e sem audiência. No atual estreito espaço ocupado pela representação do PV, ele terá decerto os seus méritos, confirmados pelos anos de chefia.
          Contudo, se o projeto do sr. Penna está voltado para o progresso do ambientalismo e, por conseguinte, da agremiação empenhada em promover tal visão sócio-política, ele terá forçosamente de convir com o genuino interesse do PV. E este interesse não é o de apequenar-se pela fragmentação, ou o de manter-se na rotina prevalente, expresso na modéstia da presente bancada.
          Se o senhor não persegue um projeto personalista, a perspectiva que tem diante de si não deve, em sã mente, ser enjeitada. Não são apenas os dezenove milhões e 636 mil votos que Marina Silva representa. A sua campanha presidencial, que transcendeu o mofino minuto e meio de que dispunha na chamada propaganda política gratuita, nos mostra, juntamente com a sua fé de ofício, o sol de esperança que a ex-Senadora do Acre pode significar para o porvir não só do PV como partido de real e determinante influência, senão para todo o movimento ambientalista brasileiro.
          É hora de deixar de lado os projetos pessoais e pensar grande, pensar num Brasil em que o ambientalismo não seja somente presença marginal.


( Fonte: O Globo )

José Graziano eleito para a FAO

           O brasileiro José Graziano da Silva foi eleito, a 26 de junho corrente, para Diretor-Geral da FAO (Food and Agriculture Organization – Organização para a Alimentação e a Agricultura). Sediada em Roma, nas vizinhanças do Aventino e das Termas de Caracala, a FAO nunca fora antes dirigida por um latino-americano.
           Como se sabe, José Graziano foi a primeira indicação de Lula, ao assumir em 2003 a presidência da República. Confiou-lhe uma das principais bandeiras de sua campanha vitoriosa, como candidato do PT, o projeto da Fome Zero. Nesse sentido, o título da pasta era de Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome.
           A despeito do enfático interesse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, este primeiro intento assistencialista não teria êxito, o que de resto se reflete na saída de José Graziano do ministério, após um ano de desempenho insatisfatório.
           A partir de então, sob o título de Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o cargo passou para o mineiro Patrus Ananias, que se ocupou da tarefa com grande proficiência. Dentro do escopo assistencialista que presidia às funções do ministério, e a bolsa família – programa oriundo da presidência de Fernando Henrique Cardoso – ora ampliada, passou a ser uma das joias da coroa do lulismo.
           Nesse contexto, cabe assinalar que a fome zero, metamorfoseada em bolsa família, constituíu grande sucesso de Lula e do petismo, auxiliando as camadas de baixa renda e contribuindo para granjear o apoio e o voto das classes menos favorecidas para o P.T. O próprio senador Jarbas Vasconcellos , com a franqueza que lhe é própria, definiu "o bolsa família como o maior programa oficial de compra de votos do mundo”.
           No que tange à esta bandeira da primeira hora de Lula, o principal responsável pelo êxito do programa assistencialista foi Patrus Ananias. Dentro das limitações desse instrumento de ajuda aos segmentos carentes - seu caráter assistencialista não incentiva os favorecidos a progredirem na escala social – o bolsa família foi enorme sucesso, inclusive no âmbito eleitoral. Por idiossincrasias que não cabe aqui examinar, Patrus Ananias, antigo prefeito de Minas Gerais, e eficiente quadro do PT na sua corrente igrejeira, não colheria sinais visíveis da gratidão do principal beneficiário.
           Quanto a José Graziano, bastante ligado ao ex-presidente, recebeu o prêmio da direção da FAO, dádiva ambígua, pelo desafio que representa o braço agricultural-alimentar das Nações Unidas, por muito tempo a cargo de representantes africanos, que não deram ao organismo  atuação particularmente eficaz e efetiva na sua área de competência.
           O triunfo do candidato brasileiro foi deveras apertado. Superou o principal concorrente, o diplomata e ex-ministro espanhol Miguel Angel Moratinos por quatro votos (92 contra 88 sufrágios).
           Depois da série de malogros diplomáticos, infligidos à administração anterior talvez por motivos similares àqueles da célebre crítica de Jean-Jacques Rousseau ao Abbé de Saint-Pierre (grandes ideias e miúdas vistas políticas), a pasta das Relações Exteriores logra – com a ponderável ajuda do ex-Presidente Lula - colocar um brasileiro à testa de uma das principais agências da Organização das Nações Unidas.
           Na ambiciosa pauta de objetivos a serem alcançados, muitos permanecem ariscos, malgrado os esforços consideráveis.
           Resta formular a José Graziano da Silva os melhores votos de êxito. O Brasil e a Administração Dilma Rousseff esperam que corresponda à expectativa, e que, fundada nos seus titulos e experiência profissional, um brasileiro volte a assinalar-se nesse vasto campo.
           Na oportunidade, cabe menção a alguém que, em tempos difíceis, e sem qualquer amparo oficial, sobressaíu na atenção mundial e em particular do que então se chamava o mundo subdesenvolvido. Reporto-me, como se há de intuir, ao grande pioneiro da luta contra a fome no mundo que foi o brasileiro Josué de Castro (1908-1973).

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Sudão, o trôpego gigante africano

           Cresce o número dos chamados conflitos de baixa intensidade no ainda maior país em extensão territorial da África. Mesmo às vésperas da secessão, sob a égide das Nações Unidas, do Sudão do Sul, em 9 de julho próximo, o governo de Cartum enfrenta o descontentamento de muitas regiões no seu imenso interior.
           Esta potencial desagregação do país é decorrência direta do isolamento da ditadura militar do general Omar Hassan al-Bashir. Indiciado pelo Tribunal Penal Internacional da Haia, al-Bashir é um pária diplomático. Foi, de resto, para evitar o constrangimento de sentar-se a seu lado em banquete que o Presidente Lula abandonou a sala, pretextando para os anfitriões sauditas ‘compromisso inadiável’.
           O governo militar do general Bashir, fundado na etnia árabe, se isolou, pela própria violência, corrupção e incompetência, das diversas comunidades étnicas sudanesas. Ao invés de congregá-las e de integrá-las na economia nacional, os militares as tratam como colônias, regiões a serem exploradas e mantidas dóceis sob as forcas caudinas da truculência castrense e das sanguinárias milícias auxiliares.
           Com a separação, chancelada pela ONU, do Sudão do Sul, brilhou mais intenso para inúmeras comunidades maltratadas e espezinhadas o fanal da esperança de livrarem-se de algum modo do império de Cartum.
           Na realidade, o extenso mapa do Sudão, excetuadas as áreas de predominância demográfica da etnia árabe, de credo muçulmano, se abre em inúmeras regiões onde pulula o descontentamento com os métodos imperiais de Cartum, que estão mais para aqueles do rei Leopoldo no antigo Congo Belga, do que os modos mais suaves do colonialismo de Sua Majestade Britânica.
           Com efeito, deixada a linde com o Egito ao norte, e os oásis de tranquilidade da comunidade árabo-islâmica, se olharmos para o meridião veremos sucessão de núcleos de etnias não-árabes, que são tomados pela raiva crescente de populações expoliadas e literalmente saqueadas por milícias engajadas pelo ditador de Cartum. De acordo com seus métodos peculiares de administração, Bashir vai semeando os fronts da resistência e da insurgência, eis que a sua forma imperial de governo só tende a esgarçar e a dilacerar o tênue tecido nacional de país que é visto pelas sociedades do sul como propriedade do Norte árabe, islâmico e de tez mais clara.
           Quais são os novos candidatos a emularem o Sudão do Sul e a constituirem,senão outros países, regiões autônomas ? Tais áreas, submetidas a condições inumanas de coexistência, agradecerão no futuro à inépcia, à crueldade e à inaudita brutalidade das forças do general Omar Bashir, que se metamorfosearão em parteiras involuntárias de seus desesperados intentos de livrarem-se da camisa de Nesso proporcionada pelos senhores de Cartum.
           Para esta secessão, virtual ou efetiva, do jugo opressor do Norte se apresentam, entre outros, os povos não-árabes das montanhas de Nuba, da tristemente famosa Darfur, o estado do Nilo Azul e Kassala.
           Consoante a única maneira que semelha entender como estilo de governança, o exército sudanês, com as sólitas milicias aliadas, encetou campanha para esmagar os rebeldes nas Montanhas de Nuba no Sudão central. São bombardeios aéreos para destruir as míseras choças das aldeias, enquanto as linhas auxiliares dos famigerados milicianos executa os velhos e queima as igrejas. Essas povoações não se confundem com os seus amos e beleguins. Elas diferem dos opressores pela religião cristã ou animista, e pela cor mais escura da epiderme.
           Não resta a essa gente que a fuga para acampamentos com toda a precariedade dessas construções feitas sob o temor dos perseguidores assassinos, e com os poucos meios de que dispõem.
           Os estultos métodos de Bashir e sua camarilha, ao contrário de extinguir a revolta, tendem a propagar a rebelião, eis que os seus bandos armados não dão outra escolha que a luta sem quartel.
           No entanto, malgrado o seu comportamento pregresso e presente, o governo de Bashir continua a ser tratado com luvas de pelica pela comunidade internacional. A esse respeito, afigura-se ilustrativa a declaração de  funcionário americano, 'que tem de permanecer anônimo, porque não está autorizado a manifestar-se publicamente'.
           É oportuno, sem embargo, transcrevê-la pelo que indica da corrente impotência internacional em pôr um cobro nesse projeto de renovado massacre: “Isto vai espalhar-se como fogo em campo seco. Sem a mediação teremos maciça destruição e morte no Sudão central, e ninguém aparenta estar em condições de fazer alguma coisa (para deter a carnificina).”
          Com a usual arrogância, os militares de Cartum proibiram o acesso à região, ameaçando inclusive de derrubar helicópteros das forças de paz das Nações Unidas. Chegaram mesmo a submeter quatro soldados dessas forças a uma encenação de pelotão de fuzilamento. Tudo isso se enquadra em política de intimidação para impossibilitar qualquer monitoramento das agências de ajuda humanitária.
          Impressiona como, com a passagem dos anos, e a despeito da profusão de seu emprego, as forças de paz das Nações Unidas continuem reféns de militares e das facínoras milícias. Seria mais do que tempo de que essas forças, que buscam criar condições estáveis e humanas para a sobrevivência da paz, possam atuar não como reféns da barbárie e da boçalidade, mas com a instrumentação necessária para afirmar a própria dignidade.
          Tudo isso, no entanto, depende do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde se sentam, com direito de veto, representantes da China – que apóia o governo de Bashir em troca do petróleo de que carece – e da Federação Russa, que sem idêntica firmeza, pode, por simpatia ideológica, respaldar o general Omar Hassan al-Bashir.

                                                                     *
          No tabuleiro de xadrez do Sudão, onde os hipócritamente designados conflitos de baixa intensidade (o nível supostamente baixo é muleta retórica para justificar a negligência benigna das principais potência em não intervir para pôr termo à matança de inocentes) proliferam por cortesia de Cartum, a região de Nuba teria direito a ‘consultas populares’ para a determinação do respectivo futuro. As milícias de Nuba têm por escopo batalhar até que se alcance mudança de regime em Cartum, ou a autonomia para a região.
         Com a iminente independência do Sudão do Sul, a liderança nubiana teme ter as reivindicações postergadas para as calendas gregas. No entanto, a intervenção de Bashir na zona contenciosa de Abyei – com o objetivo de apoderar-se da sua riqueza petrolífera – tende a precipitar  novo conflito, decerto desastroso para todo o Sudão, que poderia utilizar de modo mais profícuo para a sua gente os dólares do ouro negro.
         Em recente reunião, o comandante da milícia de Nuba, Abdel Aziz al-Hilu afirmou que antes de qualquer cessar-fogo careceria de informar o presidente Salva, i.e. o chefe de estado do Sudão do Sul,Salva Kir Mayardit. Abdel Aziz aduziu algo que parece ser mais do que um prognóstico e sim uma constatação: se as coisas não mudarem haverá focos de distúrbio e tropelias por toda parte, em Nuba, no Nilo Azul, em Darfur.
         E acrescentou o líder de Nuba: “Nós, o povo do Sudão, estamos prontos para removê-los. Para tanto, temos armas.”
         Dada a óbvia gravidade da situação, e a perspectiva não-negligenciável de novas hecatombes e padecimento das populações envolvidas, a comunidade internacional deveria encarar com responsabilidade as suas obrigações éticas e políticas em relação à região. Omar Bashir, indiciado que é pelo T.P.I., deveria não mais ter rédea livre para as suas ações criminosas e genocidas, e seus protetores no Conselho de Segurança precisam sofrer a pressão indispensável para que não mais dêem essa vergonhosa e interesseira caução ao regime bandido de Cartum.



(Fonte: International Herald Tribune )

domingo, 26 de junho de 2011

Colcha de Retalhos LXXXIII

A Revolução Síria (Contd.)


           Há cerca de três meses os protestos e depois as passeatas e manifestações democráticas se estendem por toda a Síria. Os Assad se acreditam donatários desta nação, que é importante geopolíticamente, posto que não disponha de importantes jazidas nem de grandes correntes comerciais.
           Como se sabe, Bashar al-Assad sucedeu, de forma quase dinástica, ao pai Hafez al-Assad. Este último, com habilidade, soubera coser uma coalizão liderada por sua seita islamita minoritária (os alauítas), em país de substancial maioria sunita.
           Quando o seu regime foi contestado, reagiu com inusitada brutalidade, contra o suposto levante de Hama, em 1982. Com benevolente indiferença, a comunidade internacional assistiu impassível ao massacre, de que a exata magnitude ficou desconhecida (entre dez e vinte mil mortos).
           O oftalmologista Bashar al-Assad, segundo filho de Hafez, não havia sido preparado para suceder ao pai, o que deveria caber ao filho primogênito, Bassel al-Assad . As Parcas, no entanto, decidiram de modo diverso, com sua morte acidental em 1994.
           Em junho de 2000, Bashar assumiria. O seu irmão Maher al-Assad se encarregaria do braço armado, com o comando da 4ª Divisão do Exército, considerada de elite, pelo treinamento, armamento e soldo a ela atribuídos. No plano familiar, reeditava, no que concerne ao irmão presidente, o papel antes desempenhado no exército por seu tio Rifaat al-Assad, no que tange ao ditador Hafez. O clã há de esperar que as atrações do poder não levem Maher a trair Bashar, como intentou fazê-lo Rifaat, ao ensejo de um problema cardíaco do irmão Hafez (havido na década de oitenta, anos depois da chacina de Hama).
          Malgrado a furiosa repressão – o macabro total de mortos beira os mil e quinhentos – a contestação ao tirano Bashar não esmorece. Já houve episódios de confraternização entre povo e tropas militares, como na cidade de Jisr al-Shugour, ao norte, na fronteira com a Turquia.
         O próprio Erdogan, recentemente reconduzido – mas não com a maioria desejada para modificar a seu talante a constituição turca – censurou com palavras acerbas o vizinho Bashar, e a maneira com que encara os direitos humanos de seus conterrâneos.
         Depois de dois meses daquele discurso na dócil assembleia, em que prometeu uma compreensão e reformas que a realidade trataria de desmentir prontamente, o presidente Bashar al-Assad retorna à tribuna. Os autocratas, quando contestados, parecem apegar-se não só ao poder, mas à lisonja e aos mirabolantes cenários com que os embalam .
         Que credibilidade é suscetível de ter esse ditador quando oferece a abertura de um ‘diálogo nacional’ que seria instrumental, segundo o seu discurso, a abrir uma nova fase na evolução política do país ? Na verdade, será tendente para zero.
         A população síria pode não ter a informação nem a sofisticação de outras, mas não só o longo domínio da família Assad, senão o curso que ora lhe é ministrado de maneira intensiva, a terá inteirado sem margem de dúvida de certos dados básicos.
         O tirano pode tecer palavras que falem de concórdia, confiança e um futuro radioso. Sem embargo, os esbirros a seu serviço preferem outro modo de discurso, que é o dos ataques dos ditos ‘atiradores de elite’, a compreensão de uma carga de cavalaria contra manifestantes indefesos, a detenção indiscriminada e com rito simplificada, e a oferta generosa da paz dos cemitérios ou a do sofrimento dos porões da tortura e das fétidas masmorras.
         O sonho de Bashar semelha haver sido a localização da revolução, a exemplo da lição do trucidamento de Hama. Terá pensado possível este esquema quando eclodiram os primeiros distúrbios na cidade de Dara, ao sul, na fronteira com a Jordânia. Castigada pela seca, e a consequente penúria, existiria razão material para explicar a irrupção do descontentamento. A teoria, no entanto, teve a efêmera duração dos sonhos, porque a carestia representava tão só um dos fatores da insatisfação daqueles cidadãos.
        Como em vegetação ressequida por longa estiagem, o incêndio da revolta síria se propagou com a incontratável força inerente em tais fenômenos naturais. Por outro lado, as carnificinas podem, no contexto do desespero e da hostilidade, imitar os processos de cultivo. Do sangue vertido, da falta de outras opções e da difusa consciência de uma revolta que não é apanágio de ‘grupos armados organizados’ como buscam veicular os órgãos do regime, irão surgir na anti-lógica da revolução novos combatentes cuja visão tende a localizar-se, com as cores do ódio, no carniceiro de Damasco e nas suas tropas auxiliares.
        O que dizer do presente impasse, referido por representantes da oposição ? A frase “a rua não conseguiu quebrar os homens do poder, e o poder tampouco conseguiu quebrar a gente da rua” semelha indicar uma situação indefinida, resumido na suposta impossibilidade de vitória de um ou outro lado.
        A fórmula, atribuída a oposicionista, na verdade tem mais a ver com os estamentos interessados na manutenção do statu quo. Nessa interpretação, o impasse seria a abertura para um processo de negociação. Ora, em um estágio como o atual, a negociação só tenderia a mascarar uma retomada do controle pela situação.
        Dentre os princípios do processo revolucionário, o pactuar com o palácio equivale à renúncia dos objetivos do movimento. Neste momento, se afigura difícil prognosticar a evolução dos eventos. No entanto, a quebra da regra fundamental da revolução, se porventura alcançada por Assad e as forças que têm a perder com a sua queda, seria o prenúncio seguro da próxima sufocação do levante popular sírio.
        Será que o povo sírio, após arrostar as tropas e as balas da camarilha de al-Assad,
irá desistir da caminhada ? Para quem já foi tão longe, e diante dos falsos apelos e do nervosismo palaciano, será forte a tentação de prosseguir na empresa, que afinal, ao contrário do que dizem os ansiosos oficialistas, é de muitos e não de poucos ?


A soja e o desmate amazônico



            Segundo noticia a Folha, em reportagem de Claudio Ângelo, o plantio da soja voltou a crescer, em especial no Mato Grosso e em Rondônia. Tal se deve ao canto da sereia do mercado mundial, com a pronunciada elevação nas cotações do grão de soja.
            Por trás da situação que se configura – o consequente irresponsável aumento do desmatamento para abrir mais espaço para o cultivo e para os colimados pingues lucros a amealhar com a fome chinesa deste grão - há de computar-se igualmente a cumplicidade da autoridade, por intermédio de obras de infraestrutura voltadas para facilitar o escoamento da safra.
            Em troca de lucros imediatos, se empobrece o meio ambiente e se vai criando a terra sáfara, que é o resultado do abate acelerado.
            Enquanto os congressos e as conferências falam sobre o desenvolvimento sustentado e as possibilidades de o cultivo e o pastoreio conviverem com a floresta nativa, os órgãos do meio ambiente e seus prepostos contemplam não a marcha do progresso ou a da implementação de tais doutos projetos, mas a criação diuturna de outra realidade, que nos deixará sem floresta e, portanto, com abrupta queda nos recursos hídricos, naquela infernal cadeia cujo filme já passou na Malásia, em boa parte da África, na Índia e na China.
           Como os imitadores que nos dizem os nossos vizinhos sermos, não semelha faltar muito para que esta peculiar realidade nos abrace, com tudo aquilo que a cega ganância há de proporcionar. Então aqueles que afagam essa gente incauta, mas ambiciosa, com elogios para o ‘celeiro do mundo’ com a rapidez dos ratos a abandonarem os navios que afundam, partirão à cata de novos transitórios provedores.
           E as nossas florestas, a sua biodiversidade e a riqueza imensa que ainda contêm, só as veremos nos parques, nas bibliotecas, nas cinematecas e na glória da internet.

Tu quoque, Ferreira Gullar !

          Pelo fato de ser alguém que todo domingo lê com prazer a crônica semanal de Ferreira Gullar, publicada na última página da Ilustrada da Folha, devo confessar que o seu escrito de hoje ‘Razões que a razão desconhece’ me surpreendeu. A única característica que continuava presente é o estilo escorreito a que seus leitores estão acostumados.
          No entanto, os conceitos políticos parecem ter saído da pena de colaboradores da Veja e de jornalões. A par de uma raiva pequeno-burguesa e de superficialidade de quem dá impressão de não se haver inteirado de quem realmente é Cesare Battisti, Gullar envereda por uma polêmica toldada pela paixão e o preconceito.
         Não entrevi nessas linhas a natureza generosa do brasileiro. Nem a vontade de informar o leitor acerca dos argumentos favoráveis a Battisti.
         Gullar aceita como se fora verídica a estória de que o jovem matou quatro italianos. Omite a circunstância de que foi processado e julgado à revelia, e que seu acusador era um delator-premiado. Não se pergunta se não é estranho que, apesar da idade, houvesse desempenhado papel tão desproporcional à sua posição no grupo. Sequer lhe terá passado pela mente a possibilidade de que os antigos compagni se tenham valido da sua oportuna ausência para torná-lo o responsável pelos quatro assassínios.
         Os relatos fascistóides que buscam incriminá-lo dizem que o Presidente Jacques Chirac o expulsou da França, por causa das acusações que pesavam contra ele. Esquecem, contudo, de dizer que a Itália não tugiu nem mugiu enquanto François Mitterrand era Presidente. Porque Mitterrand o acolheu e Chirac o escorraçou ? Porque a esquerda, meu caro Gullar, costuma não só ser generosa, senão ter a preocupação de evitar a vitimização de inocentes. Terá a direita que primeiro acusa e depois se preocupa em fundamentar os doestos, o mesmo sentido de equanimidade ?
         Quem se der ao trabalho de ler o meu blog verá que na minha carteira não está o qualificativo de defensor do PT. Tal fato, no entanto, não me exime de aplaudir a iniciativa tomada pelo Ministro Tarso Genro ao conceder-lhe o refúgio, assim como o gesto, ainda que tardio, do Presidente Lula em negar-lhe a extradição.
         O Brasil é um país de gente cordial e hospitaleira. Assim como sóem ser os italianos, a quem bem conheço. A lógica nos ensina que devemos evitar confundir a parte pelo todo. As fanfarronadas do governo de Silvio Berlusconi, com os seus ex-neo-fascistas e secessionistas não refletem o espírito italiano.
         Tampouco o vejo à vontade na companhia da colérica e preconceituosa direita.
         Por favor, senhor Gullar, volte a escrever com o espírito e o bom senso que lhe trouxeram a admiração de tantos leitores, como o signatário desta.


Estado de saúde de Hugo Chávez (Contd.)


         Não sei como realmente está a saúde do presidente da Venezuela. Contudo, mais do que o jornal “Nuevo Herald”, de Miami, que, valendo-se de fontes de inteligência americana, reportou-se a suposto diagnóstico que Hugo Chávez, de 56 anos, estaria sofrendo de um “quadro clínico crítico”, o que me impressiona é o silêncio desse líder latino-americano.
         É difícil não interpretar tal mutismo como sinal de uma crise grave, quem sabe a mais séria que terá enfrentado.
         Na Roma Pontífícia – e não se deve esquecer que a Itália laica acabou com a soberania temporal do Santo Padre apenas em 1870 – a morte do Papa sempre constituíu uma constante. No entanto, os seus familiares e o círculo eclesial a ele chegado, sempre se empenhou em dizer que ‘Sua Santidade goza de ótima saúde’.
         A que os romanos, que eram os súditos perenes dos Sucessores de Pedro, acrescentavam, de preferência em dialeto romanesco: “até que morra.”


Processo contra Thomas Drake

         O processo marcado para iniciar-se neste mês de junho, movido pelo Governo dos Estados Unidos contra Thomas Drake, ex-diretor da Agência de Segurança Nacional (N.S.A.) não mais se realizará. Numa derrota para a Administração Obama, os advogados de Drake chegaram a acordo judicial (plea agreement) com o Departamento de Justiça. O que se prefigurava com possibilidade de ser considerado um caso célebre termina de forma inglória para a equipe governamental.
         Quais os termos do acordo ? Thomas Drake reconhecerá a sua culpa em exceder o uso autorizado de um computador, que é uma contravenção (misdemeanor). Por sua vez, o Governo renunciará a dez acusações criminais (felony), o que poderia mandar Drake para a prisão pelo resto de sua vida.
         Ainda conforme o combinado, Drake comparecerá em uma Corte Federal, em Baltimore, e a sentença deverá se seguir em breve data. A promotoria não se oporá se Drake não for sentenciado a cumprir pena. Existe a possibilidade de Drake ser setenciado a no máximo um ano de detenção, posto que, dadas as particularidades do caso, parece provável que a sentença seja de um ano de liberdade condicional.
         O que poderia ser um caso semelhante ao enfrentado por Daniel Ellsberg (por seu vazamento dos Papéis do Pentágono, em 1973 – cuja acusação acabou sendo interrompida), começou a dar chabu quando a equipe do governo anunciou que pretendia retirar algumas provas, a fim de evitar de arriscar expor uma não-identificada tecnologia de telecomunicação empregada pela vasta rede de espionagem eletrônica da N.S.A.
         Outro erro cometido pela zelosa promotoria seria não prever a circunstância de que o processo contra Drake desencorajaria os funcionários governamentais de denunciar instâncias de abuso e de desperdício, sobretudo no que concerne à comunidade estadunidense de inteligência.
        Qual é o teor da acusação contra Thomas Drake ? De fevereiro de 2006 até março de 2007, Drake acessou um sistema chamado NSANet, obteve informação oficial da NSA e a transmitiu oralmente e por escrito a outra pessoa não-autorizada a recebê-la. Se bem que tal pessoa não seja indicada, o vazamento de Drake foi para Siobham Gorman,reporter, que escreveu uma série premiada de artigos no Baltimore Sun sobre a N.S.A. Gorman hoje trabalha no Wall Street Journal.
        O caso da Administração Obama contra Drake começou a fazer água quando o juiz distrital Richard Bennett, em recente despacho, rejeitou a tentativa dos promotores de encobrir as referências “ao eventual emprego pela NSA de uma tecnologia específica de telecomunicação”. Por causa da decisão judicial, a promotoria iria retirar quatro documentos e eliminar qualquer alusão à tecnologia em dois outros.
       Ainda que o governo nunca haja descrito os documentos classificados que diz ter encontrado na casa de Drake em Maryland, além de indicar-lhes os títulos e a condição de serem secretos.
       Não obstante, eles provavelmente se relacionam com o debate interno da NSA sobre TrailBlazer (abridor de sendas), que é um projeto mal-encaminhado, lançado em 2002 (sob o impacto do ataque contra as Torres Gêmeas), para utilizar pessoal contratado para reestrurar os vastos sistemas de computação da agência para captar e selecionar (screen) a informação que flui para os computadores da NSA a partir da internet e de celulares. O custo de TrailBlazer foi de um bilhão e duzentos milhões de dólares, mas não funcionou segundo o plano (tratava-se de captar uma grande quantidade de informação, cuja legalidade é discutível, eis que para obter esse tipo de informação pela FISA, é necessário um mandado judicial, o que a Administração Bush não queria, por consider lento o procedimento).
       O ex-diretor Thomas Drake, que é Republicano, apoiou um sistema interno da NSA, com custos muito mais módicos. No seu entender, este sistema poderia ter coletado informação crítica sobre al-Qaida, antes da incursão terrorista de onze de setembro de 2001. Drake também foi crítico da espionagem doméstica realizada pela NSA, depois dos atentados de setembro, eis que está ao arrepio da lei.
       Como se sabe o Governo para montar o processo contra Drake se serviu da Lei sobre Espionagem, de 1917, que não é utilizada amiúde, e que foi aplicada no caso do espião Aldrich Ames, da CIA.
       Provocou surpresa a decisão da Administração de processar Drake. Como candidato, Obama se mostrara favorável a um governo mais aberto, louvando funcionários federais que reportassem abusos ou erros (whistle blowers).
       Ao assumir o governo dos Estados Unidos, a sua orientação no particular não diferiu daquela de seu predecessor George W. Bush. Nesse sentido, a sua Administração se empenhou em evitar os vazamentos de segurança nacional, com processos contra cinco vazadores dos quadros do governo, utilizando para tanto a legislação sobre espionagem.


( Fontes: International Herald Tribune, Folha de S. Paulo, The New Yorker, Huffington Post)

sábado, 25 de junho de 2011

A Segunda Tragédia Grega

            Para resumir, muitos conhecem os motivos – e as supostas desatenções – que permitiram à República Helênica lograr aquilo por que ansiava, i.e., o ingresso na Zona do Euro. Representava a culminação do processo de articulação de economia relativamente pequena – admitida nesse clube em 1981, quando a União Europeia ainda se denomina Comunidade Econômica Europeia (CEE) - no prestigioso círculo da U.E. Significava, assim, a colimada distinção, com a sua elevação ao estágio mais elevado de participação, vale dizer a entrada na Zona do Euro.
           Com vistas a perfazer os requisitos, o governo helênico contou com a benevolência de agências classificadoras. A crise financeira internacional de 2008 mostraria, para os incautos, qual a real validade das classificações dessas agências. Mas não foi somente por artifícios contábeis, que os astutos gregos conseguiram ilaquear os fiscais dos requisitos para a almejada ambição, o maior deles sendo o déficit orçamentário inferior a 3% do P.I.B. Quiçá na euforia do momento, as autoridades responsáveis fingiram que acreditavam nas solenes assertivas helênicas.
           De qualquer forma, Atenas passou a ombrear com os membros plenos da Zona do Euro. Abandonado a histórica dracma, terá parecido a gregos ricos e pobres que com o euro lhes era dada a chave do paraíso dos ricos. A princípio, pouco lhes importou que os déficits orçamentários se acumulassem. Fariam ouvidos de mercador às advertências de Frankfurt – onde está o Banco Central Europeu -, de que ora se despede o francês Trichet.
           As falhas principais do sistema do euro só seriam sentidas mais tarde. A princípio, tudo foi flores. A bolha imobiliária hipervalorizara as propriedades e as moradias. As facilidades do crédito, fundadas na suposta solidez financeira dos principais membros da UE – Alemanha e França – corriam livremente, sem as travas da prudência. Quem vivesse na Grécia colheria a impressão de uma sociedade inebriada pelos vapores do consumismo. Compravam com a álacre desenvoltura de quem julga dispor de fundos ilimitados.
           Não há negar o caráter ilimitado. O único problema seriam as discretas letrinhas das obrigações contraídas. Aquilo que adquiriam – e que lhes conferia a ilusória vertigem de conviver com os ricos e opulentos – pressupunha garantias e recursos que não possuíam.
           A síndrome do devedor, no entanto, tem muito a ver com o vício do jogador. A sorte redentora o aguarda logo ali, no próximo girar da roleta. O devedor se fia igualmente na deusa fortuna, posto que sob forma diversa. Acredita na perenidade da renovação dos papagaios (os termos decerto variam, mas a realidade da dívida se aplica a todos os papéis que comprometem a que se encalacra com débitos acima das respectivas posses).
           Como a história econômica iria demonstrar na U.E. havia muitos países que percorriam confiantes o chão traiçoeiro dos passivos que se avolumavam, sob a condescendência dos banqueiros.
           O desastre do Banco Lehman Brothers, de setembro de 2008, lançaria os Estados Unidos e em seguida a Europa, em crise sem precedentes. Toda a cidadela costuma ser conquistada pelo trecho mais frágil na respectiva muralha.
           Surgiria, desse modo, a primeira crise da economia grega, a que as reticências de muitos, sobretudo da Chanceler Angela Merkel, tornariam demasiado lento o processo de concessão da ajuda à República Helênica.
           A face da Grécia desde então é a de Georgos Papandreou, o lider do Pasok (socialista), que recebeu da Direita um Estado à beira da falência. Depois de muitos ires e vires, Papandreou recebeu a ajuda de Bruxelas, que veio recheada de pesadas condições.
           A crise helênica, depois de longo percurso, recrudesce novamente. No horizonte europeu as dúvidas se acentuam com a corrente de tempestades anunciadas e temidas  (Irlanda, Espanha, Portugal e Itália).
           Há países que, a exemplo de certos bancos estadunidenses, malgrado os monumentais passivos, semelham grandes demais para falirem: as viúvas do Lehman Brothers estão aí, a chorarem por uma falência que inda reputam como imprudente, sobretudo por ter aberto as cancelas do inferno da crise econômica-financeira.
           Nos Estados Unidos com as insânias especulativas do mercado do subprime (ah! as hipocrisias do marketing! Não mais automóveis usados para vender, eis que foram substituídos pelos seminovos). Certos bancos não desconheciam o caráter dos documentos financeiros que, negociados por agentes sem qualquer fiscalização governamental, forneciam a absurda garantia para outras transações da especulação desenfreada. Com generosas classificações dadas pelas agências reguladoras, tais certificados era quase lixo, eis que juntavam obrigações que logo seriam contestadas, pelo detalhe de que seus portadores breve seriam inadimplentes...
           Como um carrossel vienense, a Grécia reaparece como involuntária protagonista. O antes novel Georgos Papandreou continua a ser o síndico de uma falência irresolvida.
           Por um punhado de votos, o governo socialista não soçobrou. Para sobreviver, Papandreou teve de remanejar o gabinete, tirando das Finanças o desgastado Giorgos Papaconstantinou, trazendo para o ministério-chave um antigo adversário intrapartidário, Evangelos Venizelos, que tem peso político e altas ambições. Terá quiçá ajudado a salvar Papandreou do voto de desconfiança. Se enfrentará agora o inferno austral de negociar com a UE, notadamente Berlim e Paris, as novas condições de manter a barca helênica ainda em condição navegável, Venizelos ganhará de lambuja a exposição internacional para pretender o acesso a cargo que a sua ambição persegue.
           As manifestações da praça se repetem. Havia muitas vantagens que os sindicatos tinham obtido e que nas refregas recorrentes não puderam ser mantidas. No entanto, nas calamidades a justiça fica mais cega do que nunca. Não será apenas a imagem batida que, junto da água do banho, muitas outras coisas que farão falta se perderão.
           Nesses tempos interessantes do imaginário chinês, dentre as verdades que como laranjas maduras o viajor, a seu próprio risco, pode animar-se a empolgar, aquela de que está para repontar é a do partido na União Européia que, porventura detentor do governo no parlamento nacional, venha a realizar o milagre de vencer as eleições para o próximo período constitucional... Qualquer oposição, na raiva do eleitor, será reputada preferível.



( Fontes subsidiárias: O Globo e International Herald Tribune)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Notícias do Front (II)

           * Há marcada escassez de notícias sobre o estado de saúde do Presidente Hugo Chávez, que fora hospitalizado de urgência em uma de suas periódicas visitas aos irmãos Raul e Fidel Castro.
             Como se sabe, fortes dores abdominais o levaram a ser internado em hospital de Havana. Padecia Chávez de abscesso pélvico, que costuma decorrer de intervenções cirúrgicas mal curadas.
             A despeito dos reclamos da oposição, Chávez preferiu quedar-se em Cuba, em mais um testemunho de sua confiança e estreitos laços não só com o regime ora encabeçado por Raul Castro, mas também com a sua proficiência médica.
             Segundo informa o irmão Adán Chávez, governador de Barinas, por motivos não especificados, o Presidente Hugo Chávez só deve regressar a Caracas dentro de mais dez ou doze dias. Esse virtual silêncio contribui para alimentar onda de boatos, que se baseiam na ausência de boletins médicos, o inédito mutismo do principal interessado, e a avaliação médica de que se afigura excessivo o tempo de recuperação assinado para o problema de saúde do Presidente, nos termos até agora conhecidos.
             Entrementes, morreu ontem em Havana o venezuelano Clodosbaldo Russián, chefe da Contraloria General (entidade encarregada das finanças públicas). Russián, muito ligado ao presidente, sofrera um a.v.c. em abril último e fora transladado de urgência a Havana. A despeito dos cuidados intensivos, recebidos durante cerca de dois meses em UTI de hospital de Havana, Clodosbaldo Russián não resistiu.

            * O Presidente Mahmoud Ahmadinejad está envolvido em séria luta, na qual se acha em questão a própria sobrevivência política no que lhe resta do discutível mandato eleitoral, recebido em função das eleições de junho de 2009.
             Como se terá presente, a ‘vitória’ de Ahmadinejad se deveu à maciça fraude, perpetrada pelo próprio Supremo Líder da Revolução, o Ayatollah Ali Khamenei. Em questões de horas, Khamenei mandou declarar a reeleição de Ahmadinejad, malgrado o notório favor popular em prol dos candidatos da oposição consentida, Mir Hussein Moussavi, o líder do movimento verde, e o clérigo Mehdi Kerroubi.
             O esbulho desses dois próceres – Moussavi já ocupara importantes funções no tempo do Ayatollah Khomeini – provocou grandes passeatas e protestos, que se estenderam por mais de mês. Foram reprimidos com a consueta brutalidade, recorrendo o regime inclusive ao julgamento de centenas de ‘suspeitos’, em um cenário que poderia ser tido como reminiscente dos juízos dos anos trinta da ditadura stalinista.
            A situação deteriorou-se a partir de abril do corrente ano. O Presidente decidiu demitir o Ministro da Informação (Intelligence) Heydar Moslehi, mas o Lider Supremo revogou a ordem presidencial. Insatisfeito, Ahmadinejad ficou em casa por onze dias, de onde só sairia pela ameaça de Khamenei de que poderia ser substituído. Malgrado alguns intentos do presidente de recompor-se com o Chefe – chegou a definir-lhes a relação como a de pai e filho – o estado das coisas não tem melhorado para Ahmadinejad.
           Partilhando ambos ideologia conservadora e não diferindo nos métodos autoritários, o embate se cinge a nua disputa de poder. O acirramento do processo colocou o presidente civil Ahmadinejad em posição dificil, na qual corre o risco de não completar o seu segundo e último mandato (os presidentes no Irã só podem exercer dois mandatos de quatro anos, enquanto, de conformidade com a teocracia instituida pelo imã Khomeini, uma vez escolhido, o Supremo Líder só perde o posto por morte).
          A drástica mudança no relacionamento da dupla tende a ser atribuída à húbris de Ahmadinejad, que terá considerado possível aumentar o respectivo poder às expensas do Líder Supremo.
          Nessa estranha criatura, que é a ditadura constitucional iraniana, as atenções do caudatário mundo político se voltam para a evolução da refrega. Pelo desequilíbrio das atribuições, Ahmadinejad e seu grupo presencia o respectivo encolhimento. Abandonado por antigos aliados conservadores no Parlamento (sobretudo os clérigos), assim como pela maciça deserção dos militares.
         De resto, o isolamento do presidente não é de estranhar, eis que o Comandante dos Guardas da Revolução é estreito aliado de Ali Khamenei.
        Com a involução autoritária do regime iraniano – o último presidente ‘liberal’foi Mohamed Khatami, antecessor de Ahmadinejad – prevalece nos círculos do poder atmosfera palaciana, em que as principais decisões são tomadas por grupelhos reduzidos. Não há discussão pública de temas políticos. Os eventuais ajuntamentos são formados pelas fileiras bem comportadas de entusiastas partidárias, cujo apoio se expressa em aplausos ensurdecedores e incondicionais.
        A única exceção – como em todas as ditaduras – será quando um poder mais alto porventura se alevantar.
        Quanto à Mahmoud Ahmadinejad, é especulação corrente que a sua confirmação no posto se prende à circunstância de que os núcleos de sustentação popular tanto de Ali Khamenei, quanto do atual presidente, se confundem nas mesmas camadas de baixa renda e instrução. O Líder Supremo temeria talvez que a exoneração de Ahmadinejad não fosse bem entendida pelas bases, e lhe tornasse a sustentação menos coesa e uníssona do que no presente.

        *  Na República Popular da China, o festejado arquiteto Ai Weiwei, filho do poeta Ai Qing, foi solto na noite de ontem, depois de haver sido detido praticamente por três meses. Segundo as autoridades chinesas, Ai Weiwei caíu nas malhas da lei por sonegação fiscal. De acordo com outros, as suas críticas ao regime, que a sua fama e penetração internacional davam alcance no agrado de Beijing, terão sido a causa.
          De qualquer forma, a ‘liberdade’ de Weiwei é consequência de o artista se haver comprometido a não criticar o regime do Partido Comunista Chinês por ‘pelo menos um ano’, além de não mais escrever no ‘Twitter’, onde teria 88 mil seguidores.
         Também consoante a agência oficial Xinhua, Ai Weiwei deverá saldar a respectiva sonegação fiscal.

       *   O reporter José Antonio Vargas disse à rede de televisão ABC que é imigrante ilegal. Nas suas palavras, viveu o sonho americano, terminando o ensino médio, formando-se na universidade e revelando-se um bom jornalista, a ponto de ganhar o Prêmio Pulitzer, por sua cobertura do massacre na Universidade de Virgínia Tech, em 2007, publicada no Washington Post.
          Sem embargo da notória dificuldade de estatísticas nesse campo, presume-se que há onze milhões de imigrantes ilegais nos Estados Unidos. Só o que não se sabia até o momento é que havia nesta massa anônima não-visível a olho nu na maior economia do planeta um Prêmio Pulitzer.


       * Afinal liberto pelo Supremo Tribunal Federal, Cesare Battisti recebeu visto de permanência no Brasil, por decisão do Conselho Nacional de Imigração.
          A Folha de S. Paulo, que noticia a mudança no status de Battisti, continua, no entanto, por motivos não aclarados, a designá-lo como ‘terrorista italiano’.
          Votaram contra a concessão do visto a Confederação Nacional da Indústria (CNI), e a Confederação Nacional das Industrias Financeiras (CNF). Por sua vez, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) se absteve, e houve três ausências.
          A despeito de tais posições, dos vinte conselheiros, treze acompanharam o voto da representante do Ministério da Justiça, a relatora Izaura Maria Soares Miranda.
          E não é que o Brasil, malgrado a tardança de Lula, se mostra em boa companhia? Afinal, Cesare Battisti gozou no passado da proteção de François Mitterand, Presidente da República Francesa.

( Fontes: International Herald Tribune e O Globo )

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Meia Noite em Paris

           No seu mais recente filme Paris at Midnight (2011), Woody Allen não teme adentrar por caminho já percorrido por outros diretores como René Clair (Belles de Nuit). A estória começa com um casal de noivos – Owen Wilson no papel de Gil Pender, e Rachel McAdams (Inez). Ele, apesar de roteirista de cinema com grande sucesso comercial, deseja deixar a rendosa mediocridade por incerta carreira no romance.
           Por sua vez, a noiva não lhe estimula os pendores por voos literários. Negativa, é a própria voz da segurança filisteia, buscando desencorajar Gil a cada passo. Para tanto tem o apoio do pai, John (Kurt Fuller) e da mãe, Helen (Mimi Kennedy).
           Malgrado a cercania das bodas, as conversas do quarteto não pressagiam o entendimento . O futuro sogro é republicano de boa cepa e ainda por cima admirador dos ultra-direitistas do Tea Party, enquanto Gil é um liberal progressista, sufragante dos democratas. Pouco falta para que John o considere como cripto-comunista...
           Também a noiva Inez e seus pais são típicos americanos ricos insensíveis aos sortilégios de Paris. Gravitam em torno de restaurantes caros, e quase lamentam estarem tão longe dos States...
           O quadro não melhora para Gil quando surge outro casal de noivos. O professor sabe-tudo, Michael Sheen, já teve um namorico no passado com Inez, e as boas vibrações entre os dois permanecem.
           O encontro imprevisto dos dois casais no restaurante não acena com melhores prenúncios para a relação de Gil e Inez. O barbudinho Sheen e a companheira se inundam a noiva com efusões carinhosas, ignoram por completo o esposo prometido.
           Como os programas da preferência dos demais não atraem ao protagonista, ele se descola do grupo. Descorçoado anda pela Rive gauche, com suas vias de paralelepípedos suarentos. Afinal, cansado senta-se nos degraus de uma escadaria.
           Então batem as badaladas da meia-noite. Surge na rua deserta magnífico sedan Duesenberg amarelo, modelo anos vinte, com o banco do chauffeur a descoberto, estribo e cabine, com vidraças protegidas por cortinetes entreabertos.
           Gil atende ao chamado dos alegres passageiros, que o convidam para acompanhá-los à festa parisiense. Incrédulo, Gil se torna amigo de Scott e de Zelda. A verdade, por improvável, não tarda em penetrá-lo. Está na companhia do par Scott Fitzgerald e Zelda!
           Vão a um restaurante dos twenties (anos vinte), com a sua atmosfera de desprendidos convivas e famosos artistas. Cole Porter canta ao piano e Ernest Hemingway, a um canto, recebe Gil com a máscula simpatia associada ao personagem.
           Aos poucos o irrealismo da época passada se apossa de Gil Pender que busca estabelecer com as efígies dos roaring twenties (os barulhentos anos vinte) que estão à sua volta, com simpatia contrastante com a fria insensibilidade da noiva e sua família.
          É a moveable feast daquela Paris com tantos expatriados americanos de que o protagonista se descobre participante acidental.
          Aqui um parêntese para referir do estro de Woody Allen ao encaminhar-nos sem os solavancos das abruptas ou tenteantes passagens para atmosfera que conhecemos de antigos filmes e de páginas amarelecidas de frágeis brochuras. Não se trata do realismo mágico da Rosa do Cairo, mas é igualmente natural e previsível como um sonho.
          A volta ao passado é um anseio de homens e mulheres, que, tangidos pelas hediondas alimárias da velhice e da morte, anseiam por tal retorno, no fluido ambiente lixiviado das angústias e com as cores risonhas do imaginado feliz reencontro.
          Se o tema do carrossel já foi versado por Arthur Schnitzler e Max Ophuls (La Ronde), será no filme de René Clair (1952) Les Belles de Nuit em que os personagens entram em sarabanda através do tempo. Essa visão retocada e rejuvenescida de míticas épocas, em que se apóia o saudosismo – a vontade incoercível de reviver o passado na sua juventude – é uma constante da literatura e da poesia, como nos atesta o quatrocentista François Villon : Où sont les neiges d’antan ? (aonde estão as neves de outrora ?)
          Entretanto, Woody Allen sabe manter a respectiva originalidade, em terreno tão palmilhado por poetas, escritores, teatrólogos e cineastas. Mesmo com a sua travessia em campos antes amanhados, é visível a chancela e o estilo próprios.
          As noites seguintes se caracterizam pela crescente separação entre os noivos Gil e Inez. Atraído pelas noitadas buliçosas ele se recusa a acompanhar a noiva nos seus insossos programas noturnos. A cada badalada da tenra noite parisiense, ele adentra a viatura que o leva para os locais onde circulam escritores, pintores e músicos da festa móvel (moveable feast) de que nos escreve Hemingway.
          Em um desses ambientes encontra a namorada de Pablo Picasso, a jovem Adriana (Marion Cotillard). Na mútua simpatia da dupla, Gil conta seu plano – sugerido por Hemingway – de mostrar o manuscrito de seu romance a Gertrude Stein.A jovem o encoraja, e na conversa desfia os seus diversos amores com Amadeo Modigliani, Braque e agora Picasso. No momento, todavia, há uma rival, o que tende a aproximá-la ainda mais de Gil Pender.
          Em uma das poucas cenas diurnas do filme, os quatro vão ao museu Rodin, para contemplar a estátua do pensador. Aí Carla Bruni faz a sua ponta como guia. É contraditada pelo pernóstico professor (Michael Sheen), que discorda da assertiva de que Rodin tenha casado com sua antiga amante Rose. Gil invoca a respeito uma suposta biografia do escultor, que confirma a tese da guia, o que desconcerta o professor em geral tão seguro de si.
          Com o passar dos dias, ou melhor, das noites, se aprofunda o fosso psicológico entre os prometidos noivos. Os encontros com Adriana se amiudam, e a atração mútua se reforça, com o auxílio da indiferença de Picasso, mais interessado em outra conquista.
          Há um desfile de nomes dos anos vinte que mantém a aura e o fascínio daquela Paris exclusiva. Convencido por outro intelectual do acerto de procurar o monstro sagrado Gertrude Stein, Gil sai do feérico bar pela calçada da madrugada. Após um punhado de passos, se dá conta que não tem o endereço da escritora, e procura retornar ao ambiente que acabara de deixar. O encanto, contudo, já se desfez e ao invés de um bar depara com as modernas máquinas de uma lavanderia.
          Os desaparecimentos noturnos de Gil intrigam cada vez mais o futuro sogro, que contrata um detetive para segui-lo nas noitadas. Os encontros do casalzinho Owen e Rachel descambam para a rispidez da noiva, que resolve desembestar por caminho alternativo.
          Sobraçando o escrito que ambiciona submeter ao crivo de Gertrude Stein, conhece os pitorescos Salvador Dali, o fotógrafo Man Ray e o cineasta Luis Buñuel. Todos o recebem como se fosse mais um do grupo. Após reaproximar-se da jovem por quem se sente meio apaixonado, pode afastar-lhe a estranheza, ao aludir à crise havida com a noiva.
           De carro vão à casa de Gertrude Stein, onde os recebe Alice B.Toklas. O livro de Gil, escarnecido pela filisteia noiva, é bem recebido por Stein e também por Hemingway, que ressalta o sofrimento nas suas páginas.
           Durante o dia seguinte reaparece Carla Bruni, que ajuda Gil na tradução de livro de época que fala da namorada de Owen. Chega a dar-lhe o nome e a indicar que os dois se amariam depois de presenteá-la com brincos.
           Animado, Gil furta dois brincos da noiva e fabrica uma caixinha com fita e tudo. O engano é quase descoberto pela chegada imprevista da ex-futura noiva, devido a um ameaço de infarto do pai republicano. A discussão sela a ruptura anunciada e Gil está livre para aguardar as badaladas da meia-noite, agora sob a um tanto assustada vigilância do detetive.
           Adquire o par de brincos para Adriana, a moça amada (Marion Cotillard), embarca na sólita limusine e parte para o seu quinhão de noturna meta-realidade. Presenteada, ela concorda em caminhar pelos cais do Sena. Aí se deparam com Zelda prestes a jogar-se no rio. Eles a salvam, e não demoram em convencê-la que Scott continua apaixonado por ela.
           Adriana (Marion)  e Gil  (Owen) se beijam, com o enlevo dos instantes que selam sentimentos já partilhados . A despeito do que sentem, e da fugida para a Belle Époque, com direito a passagem pelo Moulin Rouge e conversa com Toulouse Lautrec, Gil não atende ao apelo da jovem, a qual, um tanto blasée pela atmosfera dos anos vinte (para ela a normalidade), prefere investir em passado que acredita excitante, eis que o dia-a-dia circundante dos anos vinte a aborrece...
            Aí Woody Allen deixa o nimbo agridoce que cerca a fuga bem sucedida de Gil Pender, com o ressaibo inopinado de uma refuga de Adriana (Marion Cotillard), que, com a  aconchegante formosura, se apresta em embrenhar-se no ultra-passado de uma já distante Belle Époque.
            Dentro da qualidade com que já nos acostumou o diretor nova-iorquino, ele nos parece oferecer um pouco mais em termos de sutil nostalgia – que é a paradoxal dor do regresso – a lugares nunca dantes visitados...

Do Sigilo Documental

           A experiência, como o sol da manhã, dissipa as veleidades de que todas as práticas de governo possam todas ser feitas de modo ostensivo. Por certo, que a transparência é regra salutar cuja aplicação evita transações e ajustes que só podem vicejar na sombra de inconfessáveis mistérios.
           Não vá o leitor inquietar-se com a ilusória contradição que desvelam as duas premissa supracitadas. Na imagem platônica, com as duas rédeas de antigo carro de combate, o destro condutor controla os puxões de razão e paixão. No contexto em tela, podemos com alguma liberdade, nos valer da antiga metáfora.
           Não foi à toa que Aristóteles subordinou a política à ética. Os que discordam dessa vinculação, por óbvias causas, preferem manifestar tal dissenso em recônditos aposentos, que estão na mesma classe dos lugares onde corruptos ativos e passivos se distribuem os maços do dinheiro de triste e espúria clandestinidade.
           Que os fins destes senhores e senhoras sejam inconfessáveis, é um dado cristalino que só a esses biltres interessa enterrar nos próprios quintais.
           Semelha evidente que não se trata aqui da manutenção (ou não) de tal sigilo, porque esses negócios escusos relevam dos fétidos porões da política e suas cercanias. É de crer-se que ninguém de boa fé e juizo perfeito se animaria a incluí-los debaixo do manto do segredo de estado.
           Entretanto, o método adumbrado reúne méritos para jogar mais luz na análise do tópico a esclarecer. Dessarte, s.m.j., se deveria excluir da discussão matérias que nada ou pouco têm a ver com o exercício em questão.
           Assim, as gavetas que se deseja abrir não se reportam às transgressões cometidas contra os direitos humanos (tortura, cárcere privado ou clandestino, execuções, desaparecimentos e quejandos). O leitor do blog já terá determinado o quanto deploro a atitude timorata do poder civil – em embaraçosa contraposição com nossos vizinhos e irmãos do Cone Sul – em não tirar as consequências plenas da redemocratização (entre outras, abolição das instâncias militares, julgamento dos responsáveis por crimes contra a Humanidade, cujo caráter imprescritível está firmemente estabelecido pelo direito internacional humanitário).
           De que se trata, então ?
           Carecemos aqui de proceder à distinção que na aparência da presente controvérsia infelizmente não tem sido feita. Antes de intentar fazê-lo, semelhante relevante sublinhar que do atual debate participam muitas correntes, movidas por motivos diversos.
           A par daquelas que são automaticamente infensas às posições do poder – as que me abstenho de comentar, por não caber análise de posturas irracionais – a corrente polêmica abrange os campos dos que aspiram o acesso aos arquivos no menor prazo, dos que admitem diferenciações nessa disponibilidade, e aqueles que propugnam a interdição indefinida do acesso de documentos sensíveis ou especiais.
           Sem embargo, não se afigura admissível adotar metódos procrusteanos e, por conseguinte, sem qualquer válida base conceitual.
           No meu entender a discussão deve cingir-se àqueles documentos (entendidos no sentido lato) que sejam suscetíveis de exame por dizerem respeito a temas de interesse de estado, nas suas vertentes do direito internacional público, da prática diplomática e, ancilarmente, do direito internacional privado (na medida em que possa ter implicâncias na esfera do direito público).
           Para todo o mais, com vistas a precisar o argumento e não confundi-lo com tópicos ou estranhos ou irrelevantes, seria o caso de procedermos como o faz o prelado que, ao anunciar a abertura do conclave (assembleia dos cardeais com direito a voto para escolher mais um sucessor de Pedro), proclama em alta voz, o ‘Exeuntes omnes’ (Saiam todos), dirigido aos demais clérigos eventualmente presentes.
           Desse modo, em meu modesto parecer, silenciariam muitos dos argumentos e das contestações no que tange ao regime para tais documentos.
           Com efeito, o sigilo que se discute cinge-se às questões de estado no âmbito diplomático. Esses papéis são ciosamente guardados. Em meus cinquenta anos de carreira, nos quais vi um paradigma de diplomacia desaparecer e o francês como língua franca definhar, e surgir um novo que cuidou de, na essência, ater-se a regras do precedente, por esotéricas que a princípio semelhem, pude determinar que, dentre os componentes que não foram afetados pela tradição do bastão, persistia o cuidado especial reservado aos papéis relativos à diplomacia nacional.
           Não será minudente capricho lembrar que, empós as gestas dos bandeirantes e das entradas, a par da visão geopolítica do pequeno reino lusitano, e de seus funcionários, como a do governador do Maranhão, Jácome de Noronha, que determinou a magna empresa de Pedro Teixeira em busca das fontes do Solimões-Amazonas, veio o grande Alexandre de Gusmão, a mente por trás do trono de D. João V, para lançar as bases da negociação com o reino de Espanha do Tratado de Madri, o qual traçou as linhas mestras da colônia, reino e império do Brasil.
           A tocha diplomática, símbolo de saber e não de quizília, foi passada à diplomacia do Império, onde ressalta a figura de Duarte da Ponte Ribeiro. Toda essa atenção aos negócios de estado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros representaria o tesouro em que se guardariam não valores, mas documentos muito mais preciosos, como os velhos mapas da colônia e adiante, a par de tratados, acordos, memoraduns e despachos (ofícios diplomáticos). Seria a guarda de tal tradição – que nada tinha de vezos de antiquários – que distinguiria a diplomacia imperial das de nossos vizinhos.
           Como nos ensina o monge Roger Bacon, conhecimento é poder. E foi este conhecimento que ensejou a José Maria da Silva Paranhos Júnior, o futuro Barão do Rio Branco,  patrono de nossa diplomacia, empolgar dos julgamentos arbitrais (do Presidente Cleveland e da Autoridade Helvética), que nos deram ganho de causa nos diferendos das Missões (contra a Argentina) e do Amapá (contra a França).
           Não despertará maior assombro a meus eventuais colegas que, malgrado os meus dez lustros de carrière, nunca vi qualquer documento que se refira aos tais segredos de estado. E a razão é simples. Nos meus diversos postos e atribuições – e excluída a área consular os tive bastantes – jamais estive em posição que ex-officio me cometesse a incumbência de compulsá-los.
           Sem falsa modéstia, não sou avis rara nesta questão. Quero crer que participo dos oi polloi (os muitos) que não se ocuparam do tema.
           Quiçá esta sinalização não seja tão irrelevante quanto possa parecer à primeira vista.
           Esta controvérsia de documentos secretos supostamente comprometedores mais se afigura questão adrede fabricada, na procura incessante de tópicos com que se possa constranger e quiçá acuar a novel administração da Presidente Dilma Rousseff.
           Antes de chegar a conclusões que, a esta altura, suspeito sejam já esperadas pelo paciente leitor, creio oportuno ponderar à nossa Presidenta um conselho.
           Presidentes da República, na sua qualidade de Primeiros Magistrados da Nação, assim como por levarem a honrosa sarcina de serem a última instância – aquilo que o Presidente Harry Truman, na sua maneira jocosa porém veraz, definia como a parada final do problema (the buck stops here) – devem carecer de um maior cuidado nas respectivas declarações.
           Pesa-me dizer, minha cara Presidenta, que, no capítulo, o seu comportamento pendeu para o oposto. Assim, expressar que favorecera a quebra do sigilo antes, mas não agora, para depois dar a ideia de novamente trocar de cores, serão delícias recebidas com avidez pela imprensa, mas servirão acaso ao interesse do Estado, e a preservação da autoridade presidencial ?
           Se me permite, Senhora Presidenta, tampouco nessa hiperdelicada questão, caberia inteirar a mídia de que a questão fora transmitida pelo Palácio do Planalto ao Itamaraty, para que responda se os tais papéis – na hipótese de que existam - devam ou não vir a público.
           Em diplomacia,Senhora Presidenta, a discrição é a alma do negócio. Muitos ignaros pagaram caro as veleidades de trazer para os domínios diplomáticos costumes prevalentes em outros meios.
           Outrossim, dois predecessores seus se manifestaram de forma inequívoca pela manutenção do atual paradigma. Bem sei que são figuras controversas, inda que, um pelos caprichos da deusa Fortuna represente as Alagoas no Senado da República, e o outro, como Vossa Excelência não ignora, a exemplo do antecessor Lula da Silva, continua recebendo muitos sinais de próprio favor, sinais esses com largo séquito de importantes cargos. Nessas condições, Senhora Presidenta, valeria a pena ouvi-los, por suas pretéritas funções e sobretudo pelo que porventura conhecem desta matéria.
           De minha parte, caberia atentar no assunto em tela nas seguintes considerações:

           (a) há interesse político em abrir os nossos arquivos, sem qualquer restrição, não só a não-brasileiros, mas àqueles não autorizados à tal consulta ?;
           (b) na hipótese, por improvável que semelhe, de questões controversas e de pormenores havidos como embaraçosos, a quem aproveitaria a criação de ulteriores focos de eventuais críticas ou até mesmo com fumaças contenciosas?;
           (c) ainda sem o devido aprendizado diplomático, não confunda eventuais prontas respostas que pensem talvez satisfazer-lhe o imperioso alvitre, com o atendimento do interesse nacional;
           (d) para tanto, conviria louvar-se nos velhos maços e na tradição de império e república, que soube dar ao assunto a importância por ele exigida.

           Nessas condições, Senhora Presidenta, talvez fosse o momento de ter presente a atitude de um grande Presidente que, na época mal havia assumido o posto no Palácio do Catete.
           Era o tempo do chamado tenentismo, em que esses militares, egressos da Revolução de 1930, julgavam possível tutelar o chefe civil do movimento. Confundiram quiçá com debilidade a fineza no trato do ex-presidente do Rio Grande do Sul, ora o novel Presidente da República Getúlio Dorneles Vargas.
           Por isso, foram a seu gabinete no palácio das águias com projeto de decreto com disposições draconianas, que condenavam a morte os inimigos da Revolução, e em particular os ditos ‘carcomidos’ (que eram os próceres da República Velha), que a revolução de três de outubro derrubara.
           Cercado por zelosos e fardados chefes, imbuídos do imorredouro ódio contra o antigo regime, Getúlio leu com atenção o papel que lhe era apresentado manu militari.
           Terminado de perlustrá-lo, o Presidente Vargas elogiou profusamente a iniciativa, assim como o patriotismo que a norteara. Sem embargo, entrevira no documento alguns pontos que careciam de maior esclarecimento. Por isso, pediu vênia à nobre comissão ad hoc de que lhe ensejasse inteirar-se da questão com a atenção que ela decerto merecia.
           Incontinenti, diante das vistas satisfeitas dos militares, a quem pareceu bem andado o seu propósito, Getúlio Vargas colocou em uma de suas gavetas o papel em apreço.
           Desse documento, entregue com tanta fanfarra e castrense expectativa, nunca mais se ouviria falar.
           É história antiga ? Certamente. Mas nela colhemos lição importante. Muitas das urgências e das questões ditas inadiáveis, quem as coloca são os proponentes.
           Cabe a quem de direito discernir se esta ou aquela questão consulta ao interesse maior do cargo que ocupa. Nunca esquecendo que as urgências e sobretudo as inadiáveis na realidade são construções artificiais de quem almeja torná-las realidade.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Da Reforma Judicial

           Se a reforma eleitoral é uma exigência do bom senso e da necessidade de reformar a política de fond en comble (completamente), a reforma judicial pode receber colateralmente os benefícios da tentativa de aprimoramento das bases dos órgãos republicanos, na medida em que as boas leis hão de preparar-lhe o caminho.
           No entanto, perpassa o estamento judiciário brasileiro um nimbo de corporativismo. Se tal característica não é exclusiva da justiça – e o atual Legislativo, com seu distanciamento do Povo soberano será a prova mais contundente de uma postura tão néscia, quanto nociva – forçoso se me afigura reconhecer que a sua sindicalização exacerbada tem frisado com pesadas tintas tão lamentável tendência.
           Houve, há pouco, arreganhos com ameaças de greve, o que só repetiria lamentável episódio que somente pôs a nu a circunstância de quão afastada se acha boa parte da corporação judicial de o que se presumiria a filosofia de trabalho de um magistrado consciente dos respectivos deveres e atribuições.
           Diante de magistratura, de certo a mais bem paga e aquinhoada com as mais diversas vantagens dentre as carreiras dos servidores do Estado, causa estranhável assombro que dela substancial parcela não só haja ousado entrar em greve, mas também que tal experiência (mormente em face da repercussão da sociedade civil) não a tenha escarmentado de transgredir a obediência à lei. O que se há de esperar de magistratura que prefere, para aumentar as respectivas prerrogativas e benesses, desrespeitar a lei de que é suposta ser a guardiã por excelência.
           Nas acomodações que presidiram a implantação do Conselho Nacional de Justiça entre nós, o princípio do controle externo da magistratura – consoante encetado pela legislação italiana – não pôde ser plenamente instaurado. Sem dúvida o CNJ representa um progresso, mas a sua atuação está dependente da bianual presidência, que recai sobre o presidente de turno do Supremo Tribunal Federal. O CNJ, mesmo com o apoio desse presidente, pode sofrer entraves nas suas disposições – como ser contrariado por despacho de membro do STF – que são limitações as quais não se coadunam com o espirito da emenda constitucional que presidiu à sua criação.
          Voltemos, no entanto, à justiça. Há demasiados juízes e um número também desproporcional de desembargadores. Além dos custos que esta inchação judicial determina, o brasileiro não depara maior rapidez e agilidade na administração da justiça. Fala-se da digitalização do processo, mas o que se nos defronta são as longas filas da burocracia, a extrema dificuldade de um particular ter acesso pessoal a um magistrado (como Hélio Bicudo o assinala ), a tardança das ações, muita vez recheadas com exigências abstrusas – como a convocatória a tribunal de anciã de noventa e oito anos.
          Sobrepaira a impressão muita a vez àquele que se descobre constrangido a recorrer à justiça que os despachos do magistrado, ao invés de atalhar questões e de apontar soluções, constituem na verdade meios e modos de ganhar tempo. Há nisso gritante e mesmo cruel ironia, pois esses despachos tão somente atrasam o curso da ação.
          Há diversas maneiras de estugar o passo da justiça, sem afetar-lhe os altos objetivos de não distinguir entre as partes, com a cega aplicação do direito. Uma delas seria a de instituir um horário conforme ao comum dos mortais, válido de segunda a sexta-feira inclusive. Tal menção, à vista do procedimento notadiço em diversos foros citadinos, não é pregar para os convertidos, pois são infelizmente corriqueiros os horários abreviados, de que muita vez sofre o expediente nas segundas e sextas.
          O bom juiz existe e deve ser prestigiado. Em muitas cidades, os magistrados intemeratos sofrem a soez ameaça do crime organizado. Carecem de toda a proteção, porque, ao distinguir-se pela coragem na aplicação da justiça, certamente não merecem a dúbia distinção de transcorrer os dias transidos pela perspectiva de serem atacados – ou seus familiares – exclusivamente por zelarem pelo interesse do Estado e de todos os cidadões morigerados.
         Por outro lado, caberia considerar que os juízes encarregados das varas de execução penal deveriam ser preservados de indevida publicidade do respectivo nome. Quem decide se um facínora, ou se um pedófilo-assassino, deve ou não valer-se das regalias da subitamente permissiva legislaçao, não pode ficar exposto a pressões e atos criminosos, unicamente pelo fato de aplicar consciente e corretamente a norma legal.
         Há dois outros tópicos que mencionarei en passant, embora careçam de análise mais aprofundada. Reporto-me a dois absurdos que ainda persistem na legislação e que, à vista da análise comparativa, não mais mais deveriam ser admitidos.
         A concessão de liberdade provisória, por decurso parcial de pena e bom comportamento, a pedófilos, deveria ser suprimida. Além dos estragos e das mortes que tais ‘liberdades provisórias’ concedidas judicialmente têm trazido para a crônica judicial (cf. a série de mortes provocadas por um pedófilo recém-liberto em Luziânia), semelha de toda oportunidade ter em mente que, v.g. a legislação espanhola condena a perpétua reclusão os pedófilos. As cláusulas pétreas da Constituição não existem para facilitar crimes, nem para acobertar a inépcia de algum magistrado que tenha agido sem a prudência indispensável. Nesse sentido, as velhas medidas de segurança estão aí para prover que inocentes adolescentes – como aqueles ignobilmente abatidos nas redondezas daquela cidade goiana – possam viver com a tranquilidade devida a qualquer brasileiro respeitador da lei.
         A outra questão que desde muito grita por ser atendida é a eliminação da absurda censura judicial. Surpreende que membros do STF entoem loas à liberdade da palavra e que, sem embargo, nisto não entrevejam contradição com a circunstância de negar provimento, por motivos formalistas, em ação liminar contra Fernando Sarney, movida pelo Estado de São Paulo. Para honra de minoria de ministros, tal não foi bastante para que não votassem pela pronta derrubada da censura, imposta pelo desembargador Dácio Vieira (TJ/DF), próximo do círculo dos Sarney.
        Tornarei oportunamente a essa questão, que me é fonte de não pequenas perplexidades. A par da negativa do Presidente Cezar Peluso a que se cumprisse o mandado da Constituição, por seus artigos 5º, incisivo IX e 220, parágrafo 2º, me pergunto com crescente insistência, por quê nada fazem o Estado de São Paulo, a solitária voz na ditadura contra a censura na imprensa, nem a banca advocatícia que o representa junto a tais colendos tribunais ?
        Por não ser cousa de somenos, dificilmente se vê explicável o tratamento cartorial que o grande jornal tem dispensado ao cerceamento de sua liberdade de informar, defrontado por determinação que recende ao arbítrio da inconstitucionalidade.