segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Obra Faraônica ?

Não faz muito os jornais estamparam com o desejado estardalhaço a árabe comitiva do Senhor Presidente Lula da Silva, levando a tiracolo a pré-candidata fabricada, o suposto plano B e os demais usuais suspeitos e acompanhantes.
Naquela alegre excursão ao longo do Velho Chico, feita com tendas e palanques às mancheias, em flagrante desrespeito à legislação eleitoral, se não na letra, decerto no espírito, a ponto de afinal o Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, ter declarado que “nem o mais cândido dos ingênuos acredita que isso é uma fiscalização de obras”. E, a respeito, cuidou de acrescentar: “muito de o que se está fazendo, sorteios, entregas de brindes, têm característica de campanha. (...) Estão testando a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral”.
Já colunista política havia assinalado que as autoridades competentes assistiam acocoradas à flagrante desatenção com as normas legais, eis que o comportamento de Lula, em claro desequilíbrio em termos de propaganda, não atende à equiparação de oportunidades e de divulgação, que é uma das pedras basilares da legislação eleitoral. Montada nos altos índices de popularidade lhe assoma a manifesta arrogância, encarando o elevado posto menos como magistratura, do que soberania. Mais e mais, fundado talvez nas melífluas palavras dos áulicos que o cercam, o presidente Lula se proclama superior a seus antecessores, a ponto de sequer trazer para o regaço de poder a companhia de um punhado que seja de os que o precederam na chefia da Nação, e que, nas palavras de Carlos de Laet, além de outras consagrações também hajam tido a da morte. Se tal presidencial atitude não configura hubris, a perene companheira dos que se crêem poderosos...
Mas passemos ao escopo da viagem de Lula, i.e., fiscalizar as obras da transposição do rio São Francisco. D. Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás, em artigo publicado na Folha, se reporta não apenas à posição do bispo da Barra, D. Luiz Cappio, mas também àquela dos bispos nordestinos, mais enfronhados no secular problema do semiárido.
Por alguém que se diz católico, a atitude corajosa de D. Luiz Cappio, pondo em risco a própria saúde por objetivo maior, poderia ter merecido alguma respeitosa atenção, e não o acinte da indiferença. Se o fizesse, teria evidenciado que, ao envergar a faixa auriverde, algo lhe tenha crescido não só em orgulho, senão em compreensão e a humildade que dela decorre.
Quiçá o desafio colocado por D. Cappio – e que D. Tomás subscreve – está no próprio diuturno conhecimento da questão. Para o bispo da Barra, a gigantesca obra planejada não é só um risco no papel, porque envolve as gentes do lugar e da região.
O pensamento desta Igreja, que não é palaciana, creio que D. Tomás o resume com felicidade nas seguintes frases:
“A transposição pretende guindar continuamente, em um desnível de 300 metros, 2,1 bilhões de metros cúbicos da água mais cara do mundo para o Nordeste, que, por sua vez, já acumula 37 bilhões de metros cúbicos a custo zero. Se o problema da seca do Nordeste não se resolve com esses 37 bilhões de metros cúbicos armazenados, irá ser resolvido com 2,1 bilhões de metros cúbicos da transposição ?
“Uma certeza muitos têm: os 70 mil açudes do Nordeste construídos nesses cem anos demonstram que não falta água. O que falta é a distribuição dessa água. Basta implantar um vigoroso sistema de adutoras, como o proposto pela Agência Nacional de Águas, por meio do “Atlas do Nordeste, que foi abafado pelo governo.
“ (...) Enquanto a transposição atenderia 12 milhões de pessoas em quatro Estados, segundo dados oficiais, o projeto alternativo atenderia 44 milhões em dez Estados. Custo: metade do preço da transposição.” (meus os grifos)
Na opinião do articulista – que é igualmente a de dom Luiz Cappio – a transposição do São Francisco não se concluirá. Era o que diziam os sinos que o bispo da Barra ordenou tocar no dobre de finados na catedral, enquanto o presidente e a habitual comitiva andavam pela cidade. O lúgubre som, que os moradores do interior não ignoram, marca a morte e o Dia de Finados. Na ocasião, quis D. Cappio que soassem proféticos, prenunciando que a obra faraônica não se completará. Daí, o réquiem que soaram os sinos.

( Fonte: Folha de São Paulo)

Um comentário:

lila disse...

Concordo totalmente. Esta obra será um desastre ambiental.