quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Duas Caras

Em blog recente – Para Copenhague ver ? – a despeito de uma palavra de precaução, haja vista o seu comportamento pregresso, me aventurei a expressar apreciação elogiosa acerca de possível conversão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para posições de política ambientalista.
Reportava-me à promessa presidencial de reduzir o desmatamento da floresta amazônica em 80%. Além disso, o Ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, se apressou em antecipar sua proposta a Lula de congelar as emissões de gás carbônico, mantido o crescimento econômico na taxa de 4%. Perguntado como se implementariam tais objetivos, Minc aduziu que seria através da redução no desmatamento, da ampliação do uso de biocombustíveis, e do investimento em hidrelétricas.
Infelizmente, é indispensável ter presente que há uma componente do personagem Zelig, de Woody Allen, no popularíssimo Chefe da Nação. No exterior – assim como em diálogos no Brasil com próceres estrangeiros – surge em Lula uma nova personalidade. Sabedor da má impressão que provocam no chamado circuito Elisabeth Arden seus companheiros ruralistas e desmatadores, torna-se o nosso presidente em genuino ambientalista, grande admirador de Chico Mendes e de todos aqueles empenhados na preservação da floresta amazônica, na opção verde e no desenvolvimento sustentável.
Não se vá acoimá-lo de hipocrisia ou dissimulação. De acordo com a personagem, dependendo do cenário em que se encontre, Lula acredita piamente naquilo que está dizendo. Todas essas confissões ambientalistas se subordinam a uma condição resolutiva: enquanto cercado pelo entorno favorável aos princípios ecológicos, as suas afirmações devem ser tomadas ao pé da letra. Na hipótese, porém, de mudança de ambiente, cessa para todos os efeitos a validade prática de tais assertivas.
Senão, vejamos. No dia seguinte à comovente metanóia[1] do Presidente Lula, o Instituto Imazon divulgou o recrudescimento do desmatamento na Amazônia, que voltou a subir pelo segundo mês consecutivo em agosto. Consoante os dados da ONG, houve aumento de 167% na área desmatada, na comparação entre agosto deste ano com o mesmo mês de 2008. Os satélites detectaram que 273 km2 de floresta foram derrubados. Assinale-se que já em julho de 2009 o desmatamento tinha aumentado em 93%.
Para Adalberto Veríssimo o dado mais alarmante é que, por primeira vez, cerca de metade do desmatamento está ocorrendo em áreas sob responsabilidade da União, e não mais em propriedades produtivas privadas. Assim, em agosto 132 km2 foram destruídos em unidades de conservação e terras indígenas.
Com todos os sistemas existentes de fiscalização por satélite da Amazônia, como definir esse descarado ataque às terras da União ? Como definir esses totais nestas áreas, senão como atestado de uma fiscalização inexistente ? E qual a responsabilidade dos ditos órgãos competentes, com o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama à frente ? Nas palavras do pesquisador da ONG Veríssimo, “É como assaltar a delegacia.”
A par da falta de controle do Estado sobre suas próprias áreas, está ocorrendo outra mudança em relação ao objetivo da derrubada da mata.
Anteriormente, a maior parte do desmatamento era interpretado como ‘produtivo’, servindo para abrir espaço para agricultura e pecuária. Agora, ele é precipuamente especulativo e tem o escopo de garantir a posse da terra.
Ofensiva também no Congresso.
Custa crer que o Presidente Lula e seu solícito Ministro Carlos Minc ignorassem esta involução no front do combate ao desmatamento.
Resulta igualmente difícil de engolir que Sua Excelência não tenha tido ciência do último desenvolvimento contra o ambientalismo.
Na contramão dos interesses maiores do país e das grandiloquentes declarações do Presidente, a frente ruralista ganhou mais um embate contra os ambientalistas na formação da subcomissão especial da Câmara de Deputados, criada para discutir alterações no Código Florestal.
Sem embargo das tentativas dos parlamentares verdes de barrar a comissão, abandonados à própria sorte não puderam impedir que os ruralistas se apossassem dos postos de comando da dita subcomissão. Para a presidência foi escolhido o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), que é da bancada ruralista. Para relator, escolheu-se o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que tampouco tem apoio dos ambientalistas.
O PT, em contradição com o seu histórico de defesa do desenvolvimento sustentável e do ambientalismo, trabalhou eficazmente contra as teses defendidas pelos verdes.
O objetivo da subcomissão é o de revogar a legislação ambiental brasileira. O seu controle está em mãos de parlamentares ligados à agricultura e à pecuária. Nesse sentido, o presidente da subcomissão quer ouvir todos os 27 estados, pois ele almeja passar o controle para os estados nesse setor.
Diante desse escandaloso permissivismo, possível pela omissão ou mesmo comissão das autoridades no Legislativo e no Executivo em condições de coibir a mais este despautério, cabe perguntar se não caberia estudar recurso ao Judiciário, pela mui provável inconstitucionalidade das disposições perseguidas por essa estranha subcomissão.
[1] Segundo o Houaiss, mudança essencial de pensamento ou de caráter.

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