terça-feira, 27 de outubro de 2009

A Maldição de Bush

Barack Obama chegou como o mensageiro da esperança. Depois de uma campanha política – máxime a grande luta nas primárias com Hillary Clinton – revolucionária, sobretudo na utilização dos meios e da motivação de parcelas do eleitorado há muito afastadas emocionalmente, o recém-empossado Presidente fez dos degraus do Capítólio um discurso renovador, em que rasgava para enorme público um futuro diferente, fundado em país reconciliado com o mundo e respeitador dos tratados. Voltaria à grande avenida não só do consenso, mas do entusiasmo das maiorias, afastando-se do legado da direita raivosa. Em outras palavras, o seu discurso anunciava o anti-Bush.
Helen Thomas[1], decana dos jornalistas acreditados junto à Casa Branca, do alto de sua experiência de quase seis décadas na sala de imprensa do Presidente, nos diz que o dia mais feliz do mandato presidencial costuma ser aquele da sua posse. E os nove meses da Administração de Obama não desmentem esta opinião.
Sua popularidade vem caindo, lenta e progressivamente. A oposição republicana – de um partido que Bush emagreceu até os ossos rijos de uma direita ultra-conservadora, evangélica, em que os moderados são meros remanescentes de corrente em extinção – depois de uma fase de aturdimento, voltou a pegar pesado, concentrando-se na recusa do bipartidarismo em questões de interesse nacional (como a recuperação da economia, depois do estouro da bolha encetado pelas hipotecas subprime ) e na sua política do medo (combate à abolição da tortura, ao fechamento de Guantánamo, e ao suposto socialismo da reforma do seguro de saúde).
A despeito dessa luta sem quartel, ferrenha e intolerante, será talvez no front interno que o governo democrata de Barack Obama semelha ter as perspectivas mais alentadoras. Os tempos não são decerto para róseos quadros, porém – e sobretudo na reforma sanitária – a progressão tem sido sensível. Por ora – e parafraseando Mark Twain – eventuais notícias acerca de seu passamento tendem a ser muito exageradas.
É no campo externo, todavia, em que os horizontes não se afiguram promissores. As sinalizações que Obama fez tanto para o mundo islâmico (alocução do Cairo), quanto para a África (discurso da posse) encontraram públicos que as receberam com abertura e disposição favorável. Essas reações, no entanto, hão de definhar na desilusão e na revolta, se aos princípios lá enunciados não corresponderem ações efetivas e eficazes. Até o momento, a práxis tarda em associar-se ao discurso.
Ironicamente, é no Oriente Médio que a política externa de Obama arrosta os maiores riscos. Justamente Barack Obama que construíra a sua reputação como o anti-Bush, no sentido da negação da guerra do Iraque, enfrentará nesta região os maiores desafios.
Também ironicamente, é nesse cenário – dádiva de seu antecessor Bush júnior – que o Presidente democrata dispõe de apoio republicano, apoio este que lhe é negado em todos os demais campos. O violento ressurgimento do terrorismo no Iraque, como os atentados do domingo em Bagdá, com a morte de pelo menos 132 pessoas, não é somente uma questão interna iraquiana, eis que abala o governo xiita de Nuri Kamal al-Maliki, e, em consequencia, os pressupostos da política de retirada do contingente americano ainda naquele país.
Tampouco é alentadora a situação no Afeganistão. Nesse estranho e montanhoso país, para onde Bush enviara uma expedição punitiva, motivada pelos ataques da al Qaida de onze de setembro, existe conflito que, a princípio ignorado ou menosprezado, se estende desde então. Se o ignaro Bush desconhece a história, a ponto de acreditar vencer o embate e apreender o fugitivo Osama bin Laden delegando as operações a corruptos chefes tribais, será lícito afirmar o mesmo de Obama ?
O Afeganistão, esse cemitério de ilusões imperiais (v.g., a Inglaterra no século XIX e a defunta URSS, na penúltima década do século XX), ressurge como atoleiro. De uma parte, os generais americanos que prometem vitória se receberem reforços (V. o general Westmoreland reivindicando – e recebendo – tropas do Presidente Lyndon Johnson, com a promessa do triunfo no VietNam). Entrementes, de outra, se sucedem as baixas, na defesa de um Estado cujo presidente Karzai – agora, em segundo turno, após um primeiro marcado por milhões de sufrágios fraudados – que dispõe de um tênue controle sobre os chefes tribais regionais. Os expertos militares americanos recomendam que se fortaleça o exército afegão, conquanto haja dúvidas sobre a sua real articulação e se não se trata de estrutura fictícia de soldados que por pouco tempo permanecem em suas fileiras.
Entrementes, a presença do taleban semelha no confuso e atrasado antigo reino a única realidade concreta, de que padecem os seus criadores paquistaneses, e os seus alegados vencedores americanos. Na aliança da OTAN, arrebanhada por Bush, há os contingentes de ingleses, alemães e italianos. Não se estará muito longe da verdade, se a todos esses não unir o desejo de retirar-se no mais breve prazo das contínuas baixas causadas pelos terriveis talebans.
Como definir o legado de George Bush para Barack Obama ? Sem dúvida e sem paradoxo, parece forçoso reconhecer que a estupidez é uma das forças históricas de maior atuação. Por causa das guerras provocadas por seu antecessor, instigado pela dupla Dick Cheney – Donald Rumsfeld e pelo grupelho dito dos neo-conservadores, Barack Obama enfrenta o árduo aprendizado de restabelecer a paz, uma vez acionado o mecanismo infernal do deus da Guerra.
E apesar de tudo que lhe digam os republicanos do Congresso, com o senador John McCain à frente, e os generais do Pentágono, é mister que Obama prossiga na sua aparente surda recusa de mandar mais jovens americanos para as montanhas afegãs. Para que ele persista nesta sensata postura, bastaria compulsar as confissões do ex-falcão McNamara e de tantos outros, arrependidos da colheita de mortes que prepararam, na doce ilusão de uma vitória que estaria quase, quase ao alcance.
Não é, por certo, invejável a posição do Presidente Obama.
[1]É correspondente da UPI há 57 anos, cobrindo todos os Presidentes desde John F. Kennedy.

Um comentário:

lila disse...

Tomara que Obama não decepcione totalmente.Tenho cada vez mais certeza que associar a praxis com os conceitos ideais é algo impossível. É um caminho de muitos meandros.
Ótimo artigo