sábado, 1 de agosto de 2020

Transcrições de discurso de Obama e artigo de John Lewis


               
        O ex-presidente Barack Obama aproveitou o funeral de John Lewis (1940-2020), nesta última quinta-feira, em cerimônia de grande peso simbólico para os defensores dos direitos civis nos Estados Unidos, para fazer o discurso mais duro até o momento contra o candidato à reeleição Donald Trump.
             Ativista anti-racismo que marchou com Martin Luther King e congressista durante décadas, Lewis morreu aos oitenta anos, com câncer no pâncreas, em dezessete de julho corrente. O evento reuniu três ex-presidentes, líderes políticos, religiosos e admiradores na Igreja batista de Ebenezer, em Atlanta.
                 Obama, primeiro presidente negro do país, disse que Lewis é provavelmente o maior "discípulo de Martin Luther King" e que, assim como muitos americanos, tem uma dívida com "sua potente visão de liberdade". Em uma fala politizada,Obama principal cabo eleitoral do candidato democrata Joe Biden, mesclou elogios a Lewis e críticas a posições do governo Trump.
                 Sem citar o nome do republicano, atacou a sugestão do presidente americano de adiar a eleição presidencial, marcada para novembro, e a violência de agentes federais contra manifestantes pacíficos.
                   Obama afirmou que pessoas no poder atacam o "direito ao voto com precisão cirúrgica, até mesmo minando  o serviço postal, às vésperas das eleições". "Será preciso usar votação por correios para que as pessoas não adoeçam", reiterou, referindo-se à pandemia.
                     Em outro momento, lembrou George Floyd, cuja morte desencadeou atos antirracistas em todo o país, e criticou a atuação das forças federais contra protestos pacíficos, principalmente em Portland.
                      "Testemunhamos com nossos próprios olhos policiais se ajoelhando nos pescoços de afro-americanos. George Wallace (ex-governador do Alabama, um dos principais líderes segregacionistas dos EUA na década de 1960), pode ter partido, mas testemunhamos o governo federal enviando agentes para usar gás lacrimogêneo e cassetetes contra manifestantes pacíficos", disse Obama, aplaudido de pé.
                              Os outros ex-presidentes presentes na cerimônia, George W. Bush e Bill Clinton também se pronunciaram.  O republicano Bush, que presidiu aos Estados Unidos entre 2001 e 2009, afirmou que os americanos vivem  num país melhor e mais nobre por causa de Lewis.  "John e eu tivemos nossas discordâncias. Mas nos EUA pelo qual pelejou e nos EUA em que acredito, diferenças de opinião são elementos inevitáveis e evidência de uma democracia funcionando."
                                  O democrata Clinton ressaltou a habilidade "impressionante de Lewis em acalmar águas turbulentas"."Quando ele poderia ter ficado com raiva e determinado a cancelar seus adversários, tentou convertê-los. Ele acreditava que a mão aberta era melhor do que o punha cerrado".
                                   A presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi, também compareceu ao funeral. Afirmou que Lewis insistia na verdade em sua atuação no Congresso e que, enquanto atuou como parlamentar, esforçou-se para que seus colegas enxergassem "o movimento dos direitos civis e outros (movimentos) por meio de seu olhar".
                                     Ao cabo da cerimônia, a banda BeBe Winans apresentou música composta em homenagem a Lewis. Batizado "Good Trouble" (a boa confusão) a canção relembra frase usada pelo congressista para alertar as pessoas da necessidade da "boa confusão", do" bom e necessário empenhar-se".

Testemunho de John Lewis. 

(publicado pelo New York Times) Poucos dias antes de sua morte, escreveu o artigo abaixo, para ser publicado no dia do seu enterro)

                                          Meu tempo aqui estã chegando ao fim, mas quero que vocês saibam que nos últimos dias  e horas de minha vida vocês me inspiraram. Vocês me encheram de esperança sobre o próximo capítulo da grande história americana quando usaram seu poder para fazer diferença em nossa sociedade. Milhões de pessoas motivadas simplesmente pela compaixão humana derrubaram os obstáculos da divisão. Por todo o país e o mundo vocês puseram de lado raça, classe, idade, língua e nacionalidade para exigir respeito pela dignidade humana. É por isso que eu tive de visitar a Black Lives Matter Plaza ( Praça Vidas Negras Importam ) em Washington, apesar de ter sido internado no hospital no dia seguinte. Eu simplesmente tinha de ver e sentir pessoalmente que, depois de muitos anos de testemunho silencioso, a verdade continua avançando.
                                                   Emmett Till foi o meu George Floyd. Ele foi meus Richard Brooks, Sandra Bland e Breonna Taylor. Ele tinha catorze anos quando foi morto, e eu tinha apenas quinze na época. Nunca esquecerei o momento em que ficou muito claro que ele poderia facilmente ter sido eu. Naquele tempo, o medo nos constrangia como uma prisão imaginária, e pensamentos perturbadores de potencial brutalidade cometida sem motivo compreensível eram as grades.
                                                    Embora cercado por pais amorosos, muitos irmãos, irmãs e primos, seu amor não podia nos proteger da opressão maligna que esperava assim que eu saísse do círculo familiar. A violência incontida e irrestrita e o terror sancionado pelo Governo tinham poder de transformar em pesadelo uma simples ida ao mercado para comprar doces ou uma corrida inocente de manhã por  estrada rural solitária. Se quisermos sobreviver como nação unida, precisamos descobrir o que se enraiza tão rapidamente em nossos corações que é capaz de roubar da Igreja Mãe Emanuel na Carolina do Sul  seus melhores e mais inteligentes membros, atirar contra o público distraído em show em Las Vegas e sufocar até a morte as esperanças e os sonhos até a morte as esperanças e os sonhos de talentoso violinista como  Elijah McClain.
                                                      Assim, como tantos jovens hoje, eu procurava uma saída, ou alguns poderiam dizer uma entrada e então escutei a voz do Doutor Martin Luther King Jr. em um velho aparelho de rádio.
                                                    Ele falava sobre a filosofia e a disciplina da não-violência.  Ele disse que somos todos cúmplices quando toleramos a injustiça. Disse que não basta dizer que as coisas vão melhorar aos poucos.Ele disse que cada um de nós tem a obrigação moral  de se erguer e se manifestar. Quando você vê algo que não está certo, tem de dizer alguma coisa.  Você precisa fazer alguma coisa. A democracia não é um estado. É um ato, e cada geração deve fazer sua parte para ajudar a construir o que chamamos de Comnnidade Amada, uma nação e uma sociedade mundial em paz consigo mesma.
                                                         Pessoas comuns com visão extraordinária podem redimir a alma  dos EUA causando o que chamo de bons problemas, problemas necessários. Votar e participar do processo democrático são vitais. O voto é o mais poderoso agente de mudança não violenta que existe em uma sociedade democrática. Vocês precisam usá-lo, porque não é garantido. Vocês podem perdê-lo.  
                                                 Vocês também devem estudar. e  apreender as lições da História,  porque a Humanidade está envolvida nessa luta existencial dilacerante há muito tempo. Pessoas em todos os continentes se puseram no lugar de vocês, durante décadas e séculos antes de vocês.
                                            A verdade não muda, e é por isso que as respostas elaboradas há muito tempo podem ajudá-los a encontrar soluções para os desafios do nosso tempo. Continuem construindo a união entre movimentos espalhados pelo mundo todo porque precisamos afastar nossa disposição a lucrar com a exploração dos outros.
                                            Mesmo que eu não esteja mais aqui, peço-lhes que respondam ao mais alto apelo de seu coração e defendam o que vocês realmente acreditam.
                                             Na minha vida, fiz tudo o que pude para demonstrar que o caminho da Paz, o caminho do Amor, e da não -Violência é o melhor de todos. Agora é a sua vez de deixar a liberdade soar. Quando os historiadores pegarem suas penas para escrever a história do século XXI, que digam que foi a geração de vocês que finalmente derrubou os pesados obstáculos do Ódio,  e que a Paz enfim triunfou sobre a Violência, a Agressão e a Guerra.
                                     Por isso eu lhes digo: Caminhem com o vento, Irmãos e Irmãs, e deixem o espírito da Paz e o poder do Amor Eterno serem seus guias.

(Transcrição da Folha de S. Paulo)

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