A oferta de leitos de
UTI no Brasil teve aumento de 47% em meio à pandemia do novo coronavírus. A
proporção de leitos entre a rede pública e a privada, ainda no entanto é
desigual. Por outro lado, há óbvio risco que parte dessa estrutura seja fechada
em breve, quando este magno desafio clínico não mais se apresentar. Obviamente, não se está lamentando que a
Covid-19 vai sair de cena, e, dessarte, não haverá mais necessidade da resposta
clínico-médica que o Estado brasileiro, mesmo com a disfunção presidencial, vem
apresentando.
Levantamento realizado pelo
Conselho Federal de Medicina (CFM), a partir de dados do Ministério da Saúde,
mostra que o total de leitos de UTI públicos e privados passou de 45.427, em
janeiro de 2020, para 66,786, em junho, ainda deste ano.
O aumento foi causado, em
grande parte, pela abertura de leitos temporários e exclusivos para atendimento
de pacientes com a Covid-19. Eles equivalem a 92% do total dos 21.359 leitos de
UTI abertos.
Na prática, cerca de um
terço das unidades de terapia intensiva
existentes no país são hoje dedicadas à esta terrível doença, em que o Brasil,
por uma série de circunstâncias (falta de liderança presidencial, entrega do
Ministério da Saúde a um oficial militar, do ramo da logística) dá infelizmente
todas as indicações de que alcançará o número acachapante de cem mil mortos
pela Covid-19, dentro de um período de tempo relativamente breve.
Deve-se, sem embargo,
em consideração que a ampliação dos leitos não diminuíu a discrepância
existente no país, quando se observa o total dos leitos na rede pública, em
comparação com a rede privada, de acordo com os dados levantados. pelo
Conselho.
Dos novos leitos de
UTI registrados até junho (somados os de UTIs convencionais e os exclusivos
para Covid-19) 9,006 estavam no SUS que, sempre em tese, visa a atender toda a
população. Outros 12.353 novos leitos foram abertos em hospitais ligados à rede privada e de planos de saúde. Hoje
eles somam 46,8 milhões de usuários.
O balanço feito pelo
CFM considera os dados registrados até junho no sistema do Datasus. O Ministério
da Saúde afirma que o total de leitos de UTI habilitados já é ll.353, maior que
o número do levantamento. O estudo
mostra ainda que a quase metade dos leitos de UTI existentes hoje no país estão
em capitais. Esse cenário se repete tanto no SUS, quanto na rede privada e
indica parte do desafio da interiorização da Covid-19 no país. Em três estados
- Amazonas, Roraima e Amapá - os leitos estão disponíveis apenas nas capitais.
Os dados
levantados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostram ainda que, entre as
regiões, o Sudeste responde pela maioria dos leitos abertos, seguido pelo
Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Norte. Nos últimos anos, estados de algumas
dessas regiões já eram conhecidos pelo déficit de leitos de UTI em relação a
parâmetros recomendados por entidades do setor. Um deles, indicado pela Amib
(Associação de Medicina Intensiva Brasileira) aponta como ideal a existência de
um a três leitos no mínimo para cada dez
mil habitantes.
Quando
considerados apenas os leitos convencionais de terapia intensiva (uma vez que
os destinados para a Covid-19 seriam temporários) catorze estados têm o total
de leitos disponível na rede pública abaixo desse patamar. Para o Conselho,
isso indica que ainda há insuficiência." Como o incremento de quase vinte
mil leitos públicos e privados de UTI objetivou o atendimento exclusivo de
infectados com o novo coronavírus, o país continua a contar com uma
infraestrutura insuficiente para acolher pacientes com outras doenças",
declarou a entidade, em nota.
O CFM
defende que parte dos novos leitos abertos para atendimento de Covid-19 seja
mantida por mais tempo - por causa da curva ainda crescente de casos em algumas
regiões - e incorporada de forma definitiva após a pandemia.
"Pelos dados, sem estes leitos criados nos últimos meses exclusivamente
para atender a demanda crescente de infectados, deve permanecer o quadro de
desigualdade na distribuição dos leitos
de UTIs", afirma o CFM.
Um
apelo semelhante tem sido feito pelos Secretários estaduais de Saúde.
Recentemente, eles enviaram ofício ao Ministério da Saúde pedindo a garantia de
financiamento dessas unidades. No documento, obtido pela Folha, o grupo lembra
que a ampliação de leitos ocorreu em meio a um cenário de falta de estrutura em
parte da rede.
"A ampliação dos leitos públicos se deu a partir de sua conhecida
insuficiência. Ainda assim na pandemia foi o SUS o nosso principal anteparo em
relação aos leitos, clínicos e de UTI", reza o ofício, assinado pelo Conass,
conselho que reúne os gestores. "O
investimento dessa nova estrutura nunca é desperdício, e preciso ser
entendido como imprescindível."
Para Donizetti Giamberardino, do CFM,
parte dos novos leitos deve ser fechada por estar em hospitais de campanha, por
exemplo. A estimativa é que este tipo de estrutura responda por ao menos 20%
dos novos leitos para a Covid-19.
Os demais, no entanto, poderiam ser incorporados. "Nos estados brasileiros
que já têm mais carência de leitos, especialmente no Norte e no Nordeste, é
importante que esses sejam mantidos", dcclara. Ele atribui o problema da
menor proporção de leitos em rede pública ao subfinanciamento também do SUS. "Quando
o Estado não assume fortemente a política de saúde, acaba acontecendo uma
lógica de mercado. Se formos calcular quanto se gasta em saúde no Brasil, cerca
de metade fica com o SUS, que corresponde a 75% da população (de forma
exclusiva) enquanto a outra {gasta metade} e tem 25%. Isso já mostra a
disparidade", afirma.
Além dos recursos, especialistas e gestores de saúde também têm apontado
a necessidade de enfrentar outros gargalos para manutenção dos leitos, como a
oferta de médicos intensivistas para atuar nesses locais, por exemplo. Para Giamberardino, a maior oferta de
estrutura nas capitais "faz parte
de um contexto, mas é exageradamente desigual". Ele chama a atenção para
outras carências na rede. Uma delas é que em sete estados nenhum dos leitos de
UTI abertos é reservado à assistência de crianças.
"Lógico que a incidência de doenças graves em crianças
é muito mais baixa do que entre idosos, mas é preciso ter uma
proporcionalidade", observa.
Questionado pela reportagem sobre a possibilidade de manutenção dos
leitos, o Ministério da Saúde afirma que fará um estudo para analisar a
situação.
"Estamos iniciando um estudo para verificar os municípios-polo que
concentram as demandas das cidades.{A incorporação de leitos] vai aumentar as
despesas relativas ao SUS e isso deve ser conduzido de forma responsável para
que haja sustentabilidade no decorrer do tempo", disse nesta segunda-feira
(3) o secretário-executivo da Pasta, Élcio Franco.
Em
nota divulgada na última semana, a pasta diz já ter investido R$ 1,6 bilhão
para habilitar 11.353 leitos de UTI exclusivos para a Covid. Deste total, 247
são leitos pediátricos.
(
Fonte: Folha de S. Paulo )
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