sexta-feira, 3 de maio de 2013

Obama em crise

                                               
        O 44º presidente dos Estados Unidos da América está no seu segundo mandato. Como ele próprio disse, tratou de bem olhar o espetáculo do afluxo popular para a cerimônia de sua segunda posse, porque não lhe será dada a oportunidade de mais outra.
        Por tradição iniciada por George Washington, o primeiro Presidente, nenhum sucessor seu ousara quebrar-lhe o exemplo de cingir-se a apenas mais um mandato presidencial. Somente com Franklin Delano Roosevelt esta regra consuetudinária foi quebrada, logrando FDR mais dois mandatos. O último o interromperam as parcas, quando mal o iniciava, com a morte  a doze de abril de 1945.
        Na sua loucura, no bunker de Berlin, Adolf Hitler acreditara ver no passamento do  arqui-inimigo uma boa nova, que o livraria dos exércitos americanos (Frederico o Grande fora salvo pela morte da Czarina Elizabeth da Rússia, eis que o seu efêmero sucessor, Pedro III grande admirador do rei prussiano, mandou que o seu exército voltasse para a Rússia). Os tempos mudam mas, mesmo assim, o episódio me parece único na história.
       Sucedeu a Roosevelt o vice-presidente Harry Truman, e na eleição seguinte, os republicanos se apossaram do Congresso, o que não ocorria desde o início da presidência de FDR. Por iniciativa republicana, foi aprovada emenda à Constituição, limitando a dois os mandatos por presidente. O GOP cuidava de evitar que no futuro um outro êmulo de FDR lhe barrasse o caminho por longo tempo para a Casa Branca. Diga-se, de resto, en passant,  que emenda constitucional é coisa séria nos Estados Unidos. Além da aprovação com maioria qualificada pelas duas Casas, a emenda só entra em vigor depois de aprovada pela maioria das assembleias estaduais.
        Tal procedimento me parece preservar a Constituição, e não condicioná-la a movimentos intempestivos (no Brasil é tecnicamente possível aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em menos de uma semana, o que pode levar a abusos e absurdos como os que ameaçam Pindorama nos dias correntes). Outros países, como a Grécia, v.g., condicionam a entrada em vigor de emendas constitucionais a que sejam aprovadas em duas legislaturas, o que de resto já referi nesse blog.
         Posto que o eleitorado americano conceda amiúde a reeleição a seus presidentes – não ser reeleito para um segundo mandato é lá uma espécie de estigma- existe uma crença assaz difundida quanto aos segundos mandatos de que não costumam ser bem sucedidos.
          Obama em seu primeiro mandato, depois de um biênio inicial considerado inábil e pouco efetivo, registrou alguma melhora na segunda metade daquele mandato. Por isso, logrou vencer a si próprio – o seu adversário mais difícil – e o rival Mitt Romney, do GOP. A vitória de Barack Obama, ele a deve à sua capacidade política de vencer essas disputas (que o diga Hillary Clinton), a sua abertura para os deserdados da sorte (afro-americanos, latinos e um vastíssimo etc.) e também a um bartender de reunião privada de doadores republicanos em Boca Raton. Esse bartender gravou o vídeo que mostra Romney referindo-se aos tomadores (takers) como os 47% do eleitorado parasita das benesses do Partido Democrata.
          Sem embargo, passaram os primeiros cem dias da segunda presidência Obama, e como assinala o especialista presidencial Albert R. Hunt, tudo continua como dantes. Talvez Hunt, que é democrata, seja um pouco severo com o 44º presidente, mas não muito.
           É verdade que, pelo seu domínio da Casa de Representantes, o GOP (e a diminuída facção ultra-direitista do Tea Party) persistam na política de confrontação que leva necessariamente à paralisia atual emWashington.
            No entanto,  o presidente Obama – que sabe  empatizar o sentimento da Nação quando atingida por flagelo ou desgraça (V. os exemplos da escola primária em Newtown no Connecticut, e o da maratona de Boston) – continua nesse segundo mandato a transmitir penosas impressões colhidas no primeiro, como no episódio da crise fiscal por causa da chantagem republicana com a crise pela renovação até então burocrática do teto da dívida fiscal.
            O malogro no Senado de conseguir levar avante um projeto de lei para coibir massacres como o de Columbine e o de Newtown – ainda que em versão enfraquecida – quando teoricamente Obama tinha os votos na Câmara Alta para lograr quebrar o filibuster armado pelo GOP, este tropeço mostrou um presidente incapaz de fazer valer o poder da Casa Branca, mesmo diante do apoio maciço da Nação (acima de noventa por cento).
             Com a precisão dos jornalistas americanos, se destrinchou o episódio e se expôs que Obama teria condições de fazer valer o interesse americano e não o da National Rifle Association (NRA). Preferiu omitir-se, evidenciando uma aparente falta de vontade de exercer a liderança em prol da sociedade.
            O fato de que Barack Obama não haja conseguido fazer com que democratas correligionários seus no Senado votassem o que era o manifesto interesse da Nação americana volta a levantar as sovadas dúvidas quanto à suposta dificuldade de afirmação deste Presidente americano. Em outras áreas a ação presidencial tem demonstrado que ele não refuga o risco, se a empresa é de interesse nacional. Por outro lado, enquanto professor de Harvard e intelectual respeitado, tampouco se coloca em dúvida  a capacidade de Obama.
             Não se desconhece que a política é atividade multifacética. No campo da concertação de vontades deixaria o 44º presidente a desejar? Até hoje não se vislumbrou nele a capacidade de forjar alianças e de impor-se em ambientes por vezes refratários, em que a obediência depende de consenso e não de força formalmente impositiva.
             Seria acaso justo compará-lo com o afastado antecessor Lyndon Johnson e a sua habilidade conjugada à uma grande força de vontade de molde a dobrar senadores e representantes ? Talvez não o seja, mas me recordo a propósito de  cena de velho filme esquecido, na qual oficial italiano reclama do seu adversário inglês quanto à severidade  de seu julgamento. Ao que o outro responde: eu lhe respeitaria se fizesse pelo menos um esforço nesse sentido...
           É a falta deste impreciso esforço que atenaza muitos comentadores (e comentadoras), pois  vêem em Barack Obama o preparo e a capacidade de vencer o desafio.

 
( Fonte subsidiária: International Herald Tribune  )   

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