terça-feira, 28 de maio de 2013

A Fábrica de Crises


       O poder legislativo está dividido nos Estados Unidos, como é do conhecimento geral. Também não se ignora que o controle da Câmara de Representantes pelo Partido Republicano, decorrência do primeiro biênio de Barack Obama – em que faltou maior comunicação entre a Casa Branca e a opinião pública – não pôde ser recuperado no pleito de 2012 pelos democratas pelo extenso gerrymandering[1] no redesenho dos distritos eleitorais para deputados, realidade esta confirmada de que os representantes do GOP para a Câmara logravam a reeleição mesmo em estados onde os percentuais dos sufrágios favoreciam a Barack Obama (e, em muitos casos, aos candidatos democratas a Senador, cuja eleição é igualmente decidida por todo o estado, e não pelos distritos para os representantes, redesenhados adrede).
       Em outras palavras, na Câmara preside o Speaker John Boehner (OH/Rep),  enquanto no Senado, o líder da maioria é um democrata, o Senador Harry Reid, de Nevada (quem preside o Senado, e tem voto de Minerva, é o Vice-Presidente Joe Biden).
       Não estranha, portanto, que as investigações contra a Administração Obama partam da Câmara,  em que o GOP ainda domina, posto que a ala de ultradireita do Tea Party haja perdido muitos representantes em 2012.
      Os republicanos da Câmara, além de barrar qualquer medida de interesse nacional, se promovida pelos democratas, constituem a base para eventuais investidas contra o governo Obama. Como assinalei em blogs anteriores, essas questões são três: a do ataque por terroristas à missão em Benghazi, na Líbia, em que foi assassinado o embaixador americano; a do alegado exame mais aprofundado de grupos conservadores pelo IRS (Serviço da Receita Interna); e a apreensão de listas de chamadas telefônicas da Associated Press(AP) pelo Departamento de Justiça, por suspeita de vazamentos para a imprensa de questões de segurança nacional.
     Constitucionalmente, o impeachment de um presidente é votado pela Câmara, mas o afastamento definitivo será decidido pelo Senado, presidido pelo Juiz-Chefe do Supremo, como foi no caso de Bill Clinton. Este mesmo exemplo tem induzido os republicanos, que em geral não se assinalam pela moderação, a uma maior contenção. A sua cautela se deve à citada experiência anterior, em que o facciosismo manifestado contra Clinton teve más consequências junto ao eleitorado para os seus mais zelosos algozes. Será por essa razão que os chefes dos Comitês da Câmara, todos do GOP, se tem evidenciado ultra-cautelosos na condução dos interrogatórios das testemunhas convocadas (em geral, autoridades democratas).
     A mais antiga dessas questões é a de Benghazi, e até o momento a água desse moinho não tem aproveitado muito ao GOP.  Em todas elas, ao contrário de revista brasileira – que ‘apoiou’ Mitt Romney e agora levanta sombrios augúrios acerca da presidência Obama – a tropa do GOP não conseguiu desvendar nenhuma responsabilidade do 44º presidente.
         Talvez o inquérito mais delicado parece ser aquele concernente ao Serviço de Renda Interna (o equivalente americana da Receita Federal), que teria examinado (‘targeted’) grupos conservadores em investigação mais aprofundada (uma espécie de malha fina).
          Lois Lerner, alta funcionária do IRS, que fora intimada pelo Comitê da Câmara de Supervisão e Reforma governamental, negou peremptoriamente ter dado falsas informações ao Congresso.  Após haver reiterado que houvesse enganado (‘misled’) a Câmara no testemunho anterior, valeu-se de um preceito constitucional – a quinta emenda – que lhe dá o direito de não responder a interrogatório que possa vir a prejudicá-la.
          A presidência da Comissão tentou demovê-la de sua postura. A senhora Lerner se manteve irredutível, para irritação de membros da dita Comissão, que desejavam questioná-la sobre tópicos de sua deposição anterior.
          O que o GOP deseja apurar seria a participação de autoridades superiores, e até mesmo a Casa Branca, para um exame mais minucioso dos rendimentos de grupos conservadores (e próximos do Partido Republicano).  No entanto, até o momento tais intentos têm sido infrutíferos, como de resto afirmou o então comissário do IRS, Douglas Shulman – indicado para o posto por George W. Bush – sublinhando não ter recebido em tal sentido seja instruções do departamento do Tesouro, seja da própria Casa Branca.
          Sem embargo, deputados de ambos os partidos ficaram descontentes com a decisão da Sra. Lerner de não testemunhar.  Em tal contexto, se as testemunhas se negassem a responder aos quesitos, um promotor especial, do tipo Watergate, poderia vir a ser designado, segundo o deputado democrata, Stephen Lynch (Mass.). Ao fazerem tais observações, os políticos – e, em especial, os democratas – têm presente a imagem de Kenn Starr, o promotor especial que tudo fez para derrubar o presidente Bill Clinton. Apesar de ter sido quiçá o malogro judicial mais dispendioso aos cofres públicos da história americana, Kenn Starr deixou marcas indeléveis do alcance da ação desse gênero de promotor especial.

   

        
(Fontes:  International Herald Tribune,  VEJA )



[1] O gerrymandering surgiu no estado de Massachusetts, no século XIX, e é o redesenhamento do distrito eleitoral com o escopo fraudulento de favorecer um partido determinado, em detrimento do outro. A cada recenseamento decenal, os distritos devem ser redesenhados pelo legislativo estadual, no caso de o Estado tenha variação na respectiva população, que determine ou o aumento de sua representação na Câmara federal, ou a diminuição.

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