Desde que o Brasil
existe – nas fases de colônia, reino, império e república – o nosso comércio
exterior se caracteriza pela exportação de matérias primas, hoje denominadas commodities. Do pau-brasil, passando pela cana de açúcar, o ouro das Minas Gerais,
o café e atualmente diversificadas em soja, carne, minério de ferro, café e cacau, as vendas para o exterior
continuam prisioneiras do paradigma colonial. O petróleo – lembram-se do tempo
em que relatórios estrangeiros afirmavam que não tínhamos reservas relevantes ?
– cresce em importância, mas não deixa de ser também um produto primário (além
de combustível fóssil). Esquecia-me de incluir a madeira, retirada legal e
ilegalmente de nossas matas. O Brasil continua a ter a maior floresta do mundo,
e os recursos em biodiversidade por ela proporcionados, mas se não adotarmos
uma verdadeira política ambientalista – e não o código ruralista de recente aprovação – iremos em marcha acelerada
no caminho da Malásia e de outros países devastados pela savanização. Para
alguns, há sempre o consolo de que a madeira brasileira está embelezando
grandes obras na Europa. O turista minimamente informado poderá disto
cientificar-se ao visitar novas construções e instituições culturais, em
grandes capitais do Velho Continente, e admirar os magníficos assoalhos e
terraços que exibem a bela madeira de Pindorama.
Então o Brasil
não tem indústria ? Com sorriso, responderão que temos, sim! Da siderúrgica em diante, chegando até a Embraer, com a sua presença no mercado das aeronaves –
é a terceira em produção, atrás apenas de Airbus
e Boeing – e a liderança para jatos
de curso médio. Fabrica aviões comerciais, executivos, agrícolas e militares. É
grande o parque industrial brasileiro, sendo o principal na América Latina. No
entanto, a indústria automobilística se ressente de sua total desnacionalização[1].
Como já referi oportunamente, corresponde a feitorias de que o lucro
das sucursais pesa na balança de bens e serviços, pela sua pontual remessa para
as matrizes estrangeiras. Dentro de sua
faixa própria, o Brasil é o único país industrializado que não dispõe de
montadoras nacionais. O seu caráter subalterno tem reflexos em diversos
campos: (a) falta de incentivo a desenvolver tecnologias e modelos próprios;
(b) limitações às exportações, por não interessar às matrizes a concorrência da
filial com a penetração em outros mercados; (c) o atraso tecnológico também se
reflete nas medidas antipoluição, em que, com a conivência das autoridades
responsáveis, o automóvel brasileiro tem nível ambiental de proteção à poluição
(e, por conseguinte, de nocividade ao povo brasileiro) muito inferior ao das
viaturas que circulam no circuito Elizabeth Arden. Antes de voltar ao tema da estruturação de nossas exportações - por que diabos nos aferramos a padrão colonial – é importante notar que é quase um milagre termos o parque industrial da relativa pujança criada por nossos empresários. O Estado brasileiro – e está aí o impostômetro para não nos desmentir – foi nas últimas décadas acometido de famélico apetite tributário, que nos coloca quase na faixa dos 40%. Conhecendo o animal, não temos dúvida de que lá chegará. Esse peso fiscal-burocrático é, na verdade, um monstro que se autoalimenta, seja pelos ralos do empreguismo e do assistencialismo desvairado, seja por aqueles tão vorazes quanto, como os da corrupção e do simples desperdício. Dado o caráter patrimonialista de todo esse edifício, o cidadão não vê, do dinheiro que sai do respectivo bolso, retorno digno deste nome em termos de saúde, educação, segurança e infraestrutura viária, aeroportuária e ferroviária.
Por outro lado,
o horror às reformas estruturais (fiscal, política e judiciária,
notadamente) se traduz em imenso cipoal de leis e leizinhas, que, na maior
parte dos casos, apenas exacerbam o
voluntarismo, a improvisação, a pulverização e o amadorismo imperantes. Tais
práticas instituem a confusão macroeconômica e a consequente impossibilidade de
previsão nos investimentos de médio prazo pelo menos. Como assinalou Mailson da Nobrega, a paralisia é a
consequência da ‘política’ de desonerações fiscais, caracterizada por ser
errática e, portanto, imprevisível para quem se disponha a investir em algum
setor de produção.
Feito esse prólogo, fica mais fácil entender
porque é instável o nosso crescimento econômico. Como as exportações
brasileiras, na sua maioria, são de produtos primários, com baixo componente de
agregação tecnológica, elas serão necessariamente mais dependentes das
flutuações dos mercados. De acordo com os dados fornecidos pela Funcex (Fundação Centro de Estudos do
Comércio Exterior) nos doze meses encerrados em março último houve piora
de 4,5%
nos termos de troca – a relação entre o que é vendido e o que é comprado
pelo país. Essa desvantagem em termos de troca nada tem de novo, eis que o produto, com o maior índice de agregação tecnológica, será muito menos suscetível de reduções pronunciadas. Como este desafortunadamente não é o caso em grande parte dos produtos de nossa pauta de exportação, muitos deles manufaturados com baixo grau de insumos tecnológicos, para não falar das matérias primas em geral, ela tenderá a ser muito mais vulnerável aos caprichos do mercado.
É bem verdade que para dar o salto tecnológico – e deixar realmente de ser um país de là-bas, o nível de educação do fator trabalho tem que ter melhora pronunciada, melhora essa que só é possível com política sustentada de investimentos de maior fôlego, e avanços marcantes na educação, na saúde e na alimentação. Os salários devem, outrossim, corresponder à qualidade do trabalho prestado. Não se deve conspurcá-la com favorecimentos abusivos, como se tem verificado no Congresso, em que ascensoristas, mordomos, despachantes e quejandos recebem mais do que profissionais universitários, em acintoso desrespeito à dignidade do trabalhador.
O
desenvolvimento econômico é decorrência de política macroeconômica centrada em
investimento e poupança, e não em facilitações ao crédito de consumo, que levam
ao endividamento. Todo o resto são fogos de artifício, que podem enganar a uns
poucos por algum tempo, mas não à sociedade civil.
Como nos ensinaram tantos
planos heterodoxos supostamente infalíveis, fora da ortodoxia econômica não há
salvação.
(Fonte
subsidiária: Folha de S. Paulo )
[1] È importante sublinhar que
as indústrias brasileiras de autopeças, subordinadas pelo regime de monopsônio
(único comprador – que é a montadora respectiva) não têm condições objetivas de
impedir essa desnacionalização.
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