quinta-feira, 23 de maio de 2013

Dilma e as Finanças Públicas

                        
         Ao ler o noticiário hodierno na imprensa e o comentário de Miriam Leitão, me veio à lembrança a recentíssima coluna de Antonio Delfim Netto intitulada “Os Fatos”, tão elogiosa do empenho da Presidente Dilma Rousseff em campos  diversos e difíceis da economia.
         Diante de informes tão contrastantes, recordei-me da famosa frase de Virgílio, na Eneida: Timeo Danaos, et dona ferentes  (temo os gregos, mesmo quando fazem oferendas).
         Não duvido das boas intenções e do esforço da Presidente. Talvez a sabedoria popular possa dar-nos um juízo a respeito, mas não há negar que Dilma Rousseff se tenha empenhado nos mais diversos campos, com a intenção de pôr cobro aos desafios colocados pelo continente Brasil.
         Como pensa tudo saber, Dilma costuma ter conceitos firmados sobre a maior parte dos problemas nacionais, assim como das soluções que lhes convêm. Para tanto, há de servir-se dos pareceres técnicos que melhor se coadunam com as suas idéias.
          E será aí que – agora citando uma vez mais o saber do Povo – mora o perigo.
          Pelo noticiário da imprensa, o ministro Guido Mantega, ao anunciar corte de R$ 28 bilhões no orçamento de 2013, disse que o Governo vai abater até R$ 45 bilhões da meta de superávit primário (o esforço fiscal para pagar juros da dívida pública). Em outras palavras, a meta fiscal cairá de 3,1% para 2,3% do PIB e, por conseguinte, a economia no setor público passará de R$ 155 bilhões para R$ 110 bilhões.
         Apesar das declarações oficiais, o dragão continua bem vivo. E o quadro econômico externo tampouco ajuda, com déficit externo no balanço de bens e serviços de setenta bilhões de dólares, nos últimos doze meses. Nesse contexto, é  agravante o déficit deste abril, com US$ 8,3 bilhões, o pior em 66 anos de estatística.
         O Banco Central emitiu arrecém declaração de que a inflação está controlada. Sem embargo, o mercado aguarda novos índices mensais, para garantir-se.
         Miriam Leitão, em sua coluna de hoje, traça deprimente quadro da atuação do governo Dilma, que teria ido “além da imaginação na criatividade fiscal”. O consequente novelo – i.e., enredamento – das contas públicas tem dois efeitos imediatos:  sua perda de credibilidade e eventual trabalho futuro para quem pretenda pôr a casa em ordem.
         Tangidos pela carestia e pela necessidade de inventar créditos na realidade inexistentes, se malbarata o trabalho anterior do dever de casa bem feito, e se prepara um angu de caroço a ser arrostado por futura administração que deseje pôr, uma vez mais, ordem na casa.
         Na verdade, as operações questionáveis – todas sob a nominal responsabilidade do Ministro Guido Mantega – abrangem tanto o último ano do governo Lula, ano eleitoral como não se há de esquecer, quanto a administração de Dona Dilma. Miriam Leitão em sua citada coluna se reporta a estudo do economista Felipe Salto. Dentre as diversas capitalizações – de que Lula tanto se encarinhou -  o aludido economista cita a da Petrobrás, em 2010, “ que em um único mês injetou R$ 35 bilhões nas planilhas do governo e aumentou em um ponto percentual o resultado primário do ano.”
         Há detalhes técnicos que enegrecem ainda mais o quadro. Importa notar como assinala o economista Salto, que mais de dois terços do superávit primário hoje é realizado sem nenhum esforço fiscal da Fazenda (meu o grifo). Como? Nos 155 bilhões de superávit, R$ 65 bilhões são abatidos como investimentos do PAC, e outros R$ 30 bilhões ‘entram nos cofres’ como pagamento de dividendos do BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil...
        A chamada opacidade fiscal – ressaltada em colunas anteriores por Miriam Leitão – aproxima o governo Dilma Rousseff de outra administração, que se notabilizou igualmente pela criatividade fiscal, v.g., a de Cristina viúva de Kirchner. Se o Brasil ainda não chegou lá, em termos de inventividade, nada exclui que, a continuar em tal toada, não se vá parar nesses baixios.    
        Desde muito cedo, tenho enfatizado que inflação não se combate com retórica. É  de lastimar, e muito, que todo um trabalho,  envolvendo duas Administrações, a de FHC, terminando com a inflação e pondo ordem nas finanças públicas, e a Lula da Silva, sobretudo no seu primeiro mandato, não inventando modas e dando credibilidade à boa gestão econômico-financeira, tendente a criar condições para ensejar o lançamento do Brasil como uma economia confiável e estável (o que as inversões estrangeiras corroboravam com o eloquente silêncio de um fluxo sustentado) venha agora a ser posto em dúvida, com o atabalhoamento fiscal da Presidenta, e a  gestão na Fazenda do Ministro Guido Mantega.

 

(Fontes: O Globo;  coluna ‘Novelo das Dívidas’ de Miriam Leitão).

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