Quis o destino que a Comissão da Verdade fosse
instalada em sessão solene por Presidente que se empenhou na luta
revolucionária e que foi presa, torturada e condenada pelas instâncias da
repressão. Naquela época, o Estado tinha outra fisionomia e outros princípios.
Afirmou-se de forma inconfundível a
emoção da autoridade que presidiu à cerimônia, e que se fez ladear de quatro
ex-presidentes constitucionais (Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique
Cardoso, José Sarney e Fernando Collor).Porque fundada em sofrida convicção, a motivação transcende não só as características das encenações de palácio, senão as limitações da Comissão, que são direta decorrência das relações entre o estamento político constitucional e as Forças Armadas.
A verdade da Comissão é produto de laborioso processo, em que a liderança política civil acedeu em negociar com as instituições militares as condições de como se operaria essa passagem em revista do chamado período revolucionário.
Se foi preservado o essencial – vale dizer, a existência da Comissão – houve demasiadas condições (os vetos sobre quem não poderia integrá-la, o prazo de dois anos, pouca autonomia orçamentária e – talvez a capitis diminutio mais gravosa -poder apenas de convidar e não convocar) que repontaram pela fraqueza da parte civil.
De concessão em concessão – inclusive o patético simulacro de enfeitar o vintênio da ditadura militar com franjas de períodos constitucionais – resta no entanto a estrutura de uma vontade.
A comissão não se deve perder em falsas equipolências, pondo no mesmo nível torturadores e guerrilheiros. Um dos membros da Comissão verberou de modo apropriado essa contraposição (bobajadas), o que implicaria em colocar no mesmo saco, vivos e mortos, algozes e vítimas.
O futuro dirá se o contributo da Comissão se encaixará no espírito do discurso da Presidente, em que emoção e conhecimento de causa se dão as mãos. Por vezes, as comissões transcendem os vícios de origem, pelos quais não podem ser responsabilizadas.
A práxis política brasileira não se assemelha à platina, por exemplo. Nesta terra, há poucos políticos como Epitácio Pessoa. Dilma Rousseff, quem sabe, será um destes, e surpresas podem vir da própria Comissão.
É uma tarefa difícil sem dúvida, e a fortiori porque os cerceamentos tendem a dificultar-lhe a progressão.
Como o futuro a Deus pertence, não estamos impedidos de desejar-lhe, nas palavras de Dilma, que realmente haja chegado o tempo de mostrar a verdade e de tirar as consequências, trazendo a luz, ao invés das sombras da tirania e do medo. Que tal conscientização sirva para reforçar a democracia, expressão do poder civil,forjado nas urnas do Povo soberano, em que a Lei é o traço de união de todos os cidadãos, sem distinções de privilégio ou corporação.
(Fonte: O Globo)
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