Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. A presidente Dilma Rousseff – que se quer, quem sabe um pouco agressivamente, presidenta – conclui o seu primeiro ano de mandato, com avaliações opostas.
O professor Marco Antonio Villa pronuncia, a respeito, um veredito severo acerca dos primeiro doze meses. Em artigo sob o título ‘Um país à deriva’[1], o professor Villa afirma: ‘Na centenária história da República não houve, no primeiro ano, uma administração com tantas acusações de corrupção que levaram a demissões de ministros, como a da presidente Dilma Rousseff.’Por outro lado, a avaliação do governo Dilma Rousseff (Ibope) como ótima/boa é de 56%, enquanto a aprovação pessoal da Primeira Magistrada da Nação ascende a 72%, o que denota um viés assaz positivo da opinião pública quanto à administração de Dilma em 2011.
A par disso, embora na avaliação da Folha de S. Paulo Dilma tenha tido base menos fiel que Lula e FHC (no seu primeiro ano de governo respectivo), o total da presidente beira a excelência em termos parlamentares, eis que 87% dos deputados de siglas que têm ministérios votaram a favor do governo, contra 92% em 2003 (Lula) e 88% em 1995 (FHC).
PDT e PR foram os partidos da base dílmica menos fiéis. A indisciplina das duas siglas foi de pouco mais de 20%, sendo o PDT de apoio instável por todo o ano, e o PR, a partir da exoneração do senador Alfredo Nascimento do Ministério dos Transportes.
Vista pelo retrovisor, a sustentação prestada por uma disparatada frente política – a notória ‘base’- não corrobora as avaliações negativas feitas nesse particular no que tange à presidente. Conquanto tenha havido falhas em tal apoio, o parecer de Rubens Figueiredo, cientista político pela USP, carece de ser redimensionado pelo quadro sinótico de 2011. Com efeito, semelha excessivo rigor atribuir a menor disciplina a eventual falta de traquejo de Dilma na relação com o Congresso: “a articulação política não está entre os seus principais atributos”.
Na realidade, o governo teve sucesso em discussões importantes. Sua maior derrota, infligida notadamente pelo PMDB, foi na votação do projeto de novo Código Florestal, em emenda que previa anistia a desmates.
Posto que com concessões, a Administração logrou aprovar o projeto que regulamenta os gastos com a saúde pública definidos pela Emenda 29, a DRU – que lhe permite gastar como quiser parte do Orçamento – e novo regime de licitações para acelerar as obras da Copa.
Por timidez ou inexperiência, Dilma Rousseff preferiu fazer tão somente menções pro-forma a dois grandes projetos, que constituem autêntico desafio aos governos brasileiros e, em especial, aos do PT. Reporto-me às reformas políticas e fiscal, de cuja urgência e necessidade, seja o notíciário político-policial, seja o cartaz do nefando impostômetro assumem a triste incumbência de relembrar ao diligente povo brasileiro de modo quase diuturno. Por incertezas quanto à sustentação de projetos inevitavelmente controversos, de parte da disparatada e fisiológica base parlamentar, Dilma recuou do desígnio de proceder à reforma tributária ampla. Quanto à reformulação política, foi deixada à conta do Congresso, o que equivale a condená-lo à inglória e insepulta morte, depois das inconsequentes sugestões das excelências, dentro da camisa de força da semana laboral de um dia (a quarta-feira).
Havendo sido indicada e eleita pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que preferiu submeter ao eleitorado a sua gestora e virtual Primeira-Ministro, do que correr o risco de procurar um sucessor no deserto atual do PT – após a cassação de José Dirceu e o afastamento pelo escândalo do caseiro de Antonio Palocci – não é de provocar estranhável assombro que, entre outras capitis diminutio, Dilma Rousseff tivesse de lidar com a chamada herança maldita do governo Lula, vale dizer a entranhada corrupção tolerada pelo antecessor, como se fora um mal menor.
Nesse contexto, por sobejamente conhecido, acredito oportuno referir uma segunda frase do historiador Marco Antonio Villa: “Sarney é o símbolo maior desse poder dos coronéis. Por isso esta crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página.”[2] Na verdade, a crise que então envolvia o Senado e atingia em cheio o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP) parecia terminal, quanto ao futuro político do velho coronel nordestino, sucessor no Maranhão de Vitorino Freire.
O principal fautor da salvação de Sarney chama-se Luiz Inacio Lula da Silva que veio a público em defesa do seu aliado político, com intervenção que se assinalou por outra frase determinante, de que ‘Sarney não é um homem comum’ (e, portanto, presumivelmente não mereceria ter o tratamento que, ao arrepio da Constituição, se reserva a esse tipo de cidadão.
O preço total para a Nação desse taumatúrgico intervento ainda não foi contabilizado. Mas ao blindar Sarney, Lula ensejou não só a volta de Roseana ao governo do Maranhão – o que assegura a continuação desse pobre estado como o campeão da bolsa-família -, a permanência de Sarney na presidência do Senado, e todos os efeitos correlatos da preservação do vice-rei do Norte nos píncaros do poder.
O que com um lenço no nariz Dilma Rousseff define como ‘malfeitos’ e que constituíram a base da pretensa faxina (afastamento, dito voluntário, de seis ministros por questões relativas à corrupção) – e que é responsável por boa parte de sua avaliação positiva pela opinião pública – veio agora a naufragar na recusa da Presidenta de desfazer-se dos serviços ministeriais de seu amigo Fernando Pimentel.
Dilma não hesitou em definir como ‘um problema pessoal dele’ (no caso, Pimentel), as pingues consultorias recebidas. Enterrando sumariamente um projeto que a identificara com posição contrária à corrupção, semelha discutível que a Presidente Dilma tenha agido com clarividência política.
Se no futuro as pesquisas trouxerem resultados amargos, não lhe bastará decerto arguir que a ‘faxina’ sempre foi execrada pela militância petista, na medida em que associava à herança maldita de Lula os ministros afastados por Dilma.
( Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo )
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