quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A Bomba Ambiental

                                   
          Há uma velha anedota sobre o fascista e a suposta incompatibilidade de dois qualificativos. Segundo o referido dito, um fascista poderia ser ou inteligente ou honesto, mas jamais será as duas coisas ao mesmo tempo. Assim, se se trata de fascista inteligente, ipso facto não será honesto. E se, por acaso, o fascista for honesto, ipso facto ele não é inteligente.
         Mutatis mutandis, esta disjuntiva é passível de ser aplicada àqueles que professam descrer de que o aquecimento ambiental seja fenômeno criado pelo homem. O número de provas da responsabilidade humana no capítulo não deixa de crescer, a ponto de que a respectiva negação só pode ser atribuída ou a um Q.I. muito baixo, ou à entranhada desonestidade ideológica.
          Tomei ciência por primeira vez do permafrost nos bancos do instituto Rio Branco, por intermédio do grande professor e geógrafo Hilgard O’Reilly Sternberg, recentemente falecido, e a respeito de quem escrevi neste blog um necrológio.
          Quando mestre Hilgard se reportou ao fenômeno, inexistia a ameaça ecológica. Tratava-se de larga extensão da taiga siberiana, na região ártica e subártica, cujo subsolo se acha permanentemente congelado. Daí a designação inglesa de permafrost.
           Com o acirramento da questão ambiental e o aquecimento planetário causado pela atividade humana  - cujos efeitos são visíveis em toda parte (derretimento no Ártico e no Antártico, redução das geleiras no Himalaia, virulência climática, com furacões e tornados, incremento nas inundações e nas secas, elevação no nível dos mares e oceanos, etc.) – seria lógico que o bicho homem assumisse postura responsável, reconhecendo a respectiva responsabilidade,  tomando medidas conjuntas e solidárias que se não limitassem à plena aceitação da existência da crise, mas que também se empenhasse em atividade mundial compartida para garantir  que as emissões de gases de efeito estufa fossem de início contidas e, em seguida, revertidas, de forma a manter níveis ecologicamente viáveis para a presente geração e as seguintes.
              Infelizmente, não há estadistas[1] no campo do ambientalismo. É decerto assertiva melancólica, que, no meu entender, não pode ser contestada. Para que os eventuais candidatos perfaçam os necessários atributos, não basta o notório saber e a inegável capacidade política. O que falta nesse elenco é a circunstância de ter uma base nacional com características excepcionais, seja em condições de articulação político-diplomática, seja com a força do exemplo e da liderança.
              Ora, por uma série de circunstâncias demasiado óbvias para serem repisadas, a humanidade atravessa  fase singularmente despojada de figuras maiúsculas, de  líderes e personalidades extraordinárias. Se as grandes ocasiões condicionam o surgimento de atores responsáveis na cena internacional, o que ocorreu foi um fenômeno inverso. Configurou-se a situação, mas não surgiram personagens que respondessem de forma eficaz e efetiva ao chamado.
              A conscientização ambientalista se vem arrastando por uma série de conferências que às mais das vezes se marcam, seja por patéticas dissociações do problema – como se os presidentes respectivos fossem habitantes de outro planeta -, seja por um jogo de empurra, em que se procura conservar os mesmos hábitos deletérios, esperando que outrem venha a arcar com a parte dos sacrifícios.
              A crônica dessa estória é  espetáculo muita vez esquálido e nada alvissareiro por uma negativa bastante difundida em assumir quaisquer responsabilidades. Grandes poluidores agem como se se tratasse de questões de somenos importância, ou,  ainda pior, não configurassem desafios que pressupunham sacrifícios de todos, sem exceção.
              Talvez a conferência de Copenhague haja sido o momento determinante em que as expectativas de resposta séria, válida e consequente ao magno problema do aquecimento global tenham sido quebradas. Barack Obama não teve condições de crescer perante tal cometimento.
              Se o novel presidente estadunidense aparentava ter conhecimento das implicações envolvidas, não respondeu ao repto com a segurança e a afirmação que se afiguravam indispensáveis. A própria China, ao não se fazer representar  por figura  do mais alto escalão, já indicara os limites do respectivo engajamento.
              Obama, de resto, não perderia apenas a oportunidade apresentada por Copenhague. Dentro do comportamento ineficaz e errático do primeiro biênio de seu mandato – de que Ron Suskind  nos dá magistral relato no livro “Homens de Confiança[2]-  Obama nada fez para que fosse sancionada legislação sobre a situação ambiental, o que representou singular falta de implementação a qualquer esforço ambientalista. Dispondo então de ampla maioria nas duas Câmaras, essa calamitosa inação não o diferenciou dos republicanos que negam a responsabilidade humana, além de marcar um penoso contraste com o partido de Al Gore.
              Mas é tempo de que acordemos para a potencialização de  ameaça de desproporcional gravidade para o planeta Terra. Depois de todos os sinais dados pelos elementos de que a ineficácia do homem, conjugada com a própria capacidade de poluição, notadamente através do dióxido de carbono, tem contribuído para a elevação da temperatura média global, começam a concretizar-se sinais agourentos de que o permafrost, há milênios adormecido, se apresta a intervir nesta grande farsa, de modo a emprestar-lhe traços dramáticos e inquietantes.
              Consoante mostra artigo publicado pelo International Herald Tribune, há indícios de que bolhas de ar se têm desprendido de depósitos congelados (por trinta mil anos debaixo de lagos gelados) e atingido a superfície através de plumas de gás metano. Tal gás é gerado por restos de plantas e raizes apodrecidas e mantidas por milhares de anos em um deep freeze. Esse profundo congelamento está sendo quebrado pelo aquecimento da terra. Se tivermos presente que o metano é um gás muito mais potente do que o monóxido de carbono, a situação se agrava ulteriormente com vistas ao aquecimento do planeta.
              Não é só de gás metano a ameaça. Se este se acha contido até hoje debaixo de lagos congelados, o permafrost  - que recobre cerca de um quarto do hemisfério norte – contém aproximadamente duas vezes tanto gás carbônico quanto toda a atmosfera terreste.
              Dado o caráter tóxico do metano, é compreensível a preocupação levantada nos cientistas que acompanham a questão. Por outro lado, se o fenômeno das plumas de gás metano ainda está localizado nas marcas reduzidas por ora que despontam na superfície dos lagos gelados – cuja a espessura não cessa de adelgaçar-se -,  a inquietude é manifesta. As consequências de  manifestação mais extensa ainda não são vocalizadas, dentro da norma de evitar alarmismos por enquanto extemporâneos.
              Quanto ao permafrost, o degelo tem sido mais acentuado nas margens sul tanto do Alaska, quanto da Sibéria. Já na área central do Alaska, o permafrost está prestes a ingressar na situação de degelo (esperada para a década de 2020). Ao norte, ele deve resistir por mais tempo.
               O permafrost se estiver bem congelado funciona como se fosse um pilar de concreto na sustentação de um edifício. Contudo, quando o degelo se iniciar, toda essa rígida camada se transformará em polpa. Em consequência, a superfície de terra desaba em uma área de baixios,ou banhados, conhecida como thermokarst. Em tal região poderá  formar-se um lago ou  pântano, com a superfície escura da água capturando o calor do sol e provocando mais degelo no permafrost adjacente.
                Dadas as grandes extensões abrangidas pelo atual permafrost, pode intuir-se a considerável modificação na paisagem pela formação dos thermokarsts. No entanto, dado o atual estágio de lenta degradação, ainda é cedo para prever a nova paisagem, além do percentual de exalação de gás metano e de gás carbônico liberada para a atmosfera.
                 Não há dúvida, porém, que se está diante de uma bomba ambiental, cujos efeitos nocivos por enquanto semelham  difícéis de    precisar com exatidão.
                 Por força de fatores exógenos, de que o bicho homem é o único responsável,  mãe natureza está em vias de transformar os ermos espaços em diversas formas de deterioração ambiental (disruption). A existência se privará da idílica, mas plácida severidade atual, para transformar-se em baixios e alagadiços nos quais os desafios e as insídias tenderão a ser ainda mais agressivas e perigosas.




( Fonte: International Herald Tribune )      



[1] na antiga acepção do termo, que pressupunha excelência e grande capacidade política.
[2] Confidence Men, Ron Suskind, Harper, 2011.

Nenhum comentário: