A ditadura no Zimbabue
Para o gerontocrata Robert Mugabe, o sistema instituído de partilha do poder entre o Zanu-PF, o partido governamental, e a oposição, liderada por Morgan Tsvangirai, não estaria funcionando a contento, e por isso o Presidente, de acordo com sua camarilha, tenciona convocar novas eleições um ano antes do calendário.
O modus vivendi instituído no Zimbabue correspondeu a pressões da União Sul-Africana, depois do longo período em que Thabo Mbeki, enquanto presidente, preferira não intervir de qualquer forma no seu vizinho do norte, a despeito das tropelias, sevícias e massacres organizados pelo citado Zanu-PF de Mugabe.Esse acordo de governo, estabelecido entre a ditadura armada até os dentes, e uma oposição sem armas, teria de ser bastante desequilibrado. Mugabe tratou de ficar com as secretarias de estado ligadas com a força e a repressão, como os ministérios da Justiça, Polícia e Interior, deixando aos partidários de Morgan Tsvangirai repartições que, embora importantes, não dispõe da vis publica. De toda maneira, a oposição já deixou sua marca, dolarizando a economia, e pondo dessarte um termo à incrível hiper- inflação, que infestava a existência diária dos naturais do Zimbabue (o dólar zimbabuano – Z$- tinha uma inflação mensal de nove mil por cento).
Como seria de prever, a razão aventada para a antecipação dos comícios se deve à precária saúde do ditador, que sofreria, em estágio avançado, de câncer na próstata. Não estando dispostos os respectivos asseclas a serem despojados do poder – que lhes é fonte, através de caudalosa corrupção, de enriquecimento -, manipularam o paciente a marcar para 2012 as eleições. Se o passado exemplo é bom indicador, o pleito presidencial se realiza através da nua violência, por meio da intimidação generalizada, com o seu nefando rol de assassínios, seja individuais, seja de grupos, e todo o imenso séquito da força do terrorismo de estado, com as suas miríades de gradações, consoante as condições do terreno e a eventual capacidade de reação de uma população atemorizada sem dúvida, mas que, por motivações muito humanas, nada mais ambiciona do que ver-se livre dessa turba de cleptocratas, que se angustia com a perspectiva inexorável, determinada pelas Parcas, de que o seu protetor desça por aos infernos.
Putin procura manter as aparências
É um exercício de cunho populista, em que Putin intenta manter os laços com os seus compatriotas, através de alegada franqueza e de inegável capacidade de citar de memória dados estatísticos pertinentes.
Este ano, no entanto, em função da descarada fraude eleitoral nos comícios para os deputados da Douma (câmara baixa), a série de manifestações antigovernamentais – a despeito dos intentos de repressão pelas chamadas forças da ordem -, a inesperada vaia que lhe foi dada por multidão em evento esportivo, e, last but not least, a decisão de publicação respeitável de inprimir cédula eleitoral com impublicável obscenidade a seu respeito, tudo isso contribuíu – mesmo para quem vive nos rarefeitos patamares do mando – para que o homem forte de todas as Rússias se convencesse de que é do que tempo de arrostar com determinação os desafios à sua posição, alternando algumas concessões à carregadas doses de violência verbal a que está habituado.
A troca com Medvedev – este regressando para o cargo de Primeiro Ministro – e Putin retomando as rédeas plenas da autocracia no Kremlin, caíu mal junto à grande parte da opinião pública, por causa da endêmica corrupção, dos assassínios de jornalistas investigativos, e da ineficiência de um Estado incapaz de lidar com ameaças reais, como os recentes incêndios florestais, que grassaram nos largos espaços – inclusive os próximos à capital – tendo como ajudantes o abandono das estradas vicinais e a petição de miséria dos serviços de bombeiros florestais.
Na sua palestra, preparando-se para o desafio de mais seis anos no poder, o antigo agente da KGB alternou leves sopradas elogiosas quanto à juventude politicamente ativa – se este é o resultado do regime Putin, então ótimo -, com furiosas injúrias a eles paradoxalmente também atribuídas, as descrever os ativistas ‘como gente que têm os passaportes de cidadãos da Federação Russa, mas age segundo os interesses de um país estrangeiro estipendiados por dinheiro estrangeiro”.
Com essa frase, mui provavelmente assacada contra Hillary Clinton, culpada, segundo Putin, de açular certas faixas do povo russo para denegrir-lhe as instituições, o homem forte da Rússia utiliza a sovada carta da ingerência alienígena que costuma provocar, em um povo nacionalista, com a história pregressa do respectivo cerco por potências adversárias, as patrióticas reações tão do agrado dos regimes autoritários.
Resta saber, no entanto, se tais estórias ainda são críveis para o povo russo, eis que não se vê por ora a presença temível de Haníbal às portas da capital, assim como, com a exceção da China, não se alevantam nas extensas fronteiras do colosso de todas as Rússias inimigos que honrem tal nome pela respectiva periculosidade efetiva.
Ao contrário do soturno anonimato de tantos cemitérios, o Père Lachaise pode e deve motivar a caminhada turística, em que muita vez o transeunte se depara com monumentos em mármore de personalidades que, nos diversos ramos das árvores da fama, ciência e celebridade, lhes terão deixado mais do que simples vestígios na memória.
A voz dos campos santos – por muitos temida na calada da noite – será plácida e discreta, como nas lápides modestas de grandes poetas, como Heine, enfática, a exemplo das colunas e lápides de massacres, como a dos mártires da Comuna de Paris, leve e enternecedora, quando se eleva das inscrições de jazigos de casais de artistas afinal unidos – Simone Signoret e Yves Montand, sem esquecer a inigualável cantora popular, Edith Piaf, de que o mutismo marmóreo da tumba não cala a magnífica personalidade da própria voz, que se alçava maviosa e imperial de um corpo mofino, todo ele posto a serviço da voz esplêndida, em escalas ilimitadas, com a raiva do revolucionário Ça irá, passando pelas canções Après toi e La Vie en Rose, até o brado da sempre apaixonada Ne me quitte pas ! É neste espaço dedicado ao espírito em todas as suas múltiplas formas, e no único respeito à excelência, que o Père Lachaise retorna ao noticiário. Dentre as personalidades ali acolhidas, nesse derradeiro abraço que os humanos debalde intentam manter à distância, se acha a tumba e o monumento dedicados ao comediógrafo e ensaísta Oscar Wilde.
Tangido pelo preconceito, após os anos de prisão na Inglaterra vitoriana, o poeta e classicista irlandês buscou, como muitos outros, refúgio na França e na velha Lutétia, onde faleceu prematuramente em um hotelzinho da Rive Gauche.
Mais tarde, uma dileta amiga e admiradora cometera ao grande escultor Jacob Epstein o projeto há muito devido de condigno mausoléu. O desenho de Epstein, inspirado no anjo mensageiro das figuras Assírias do Museu Britânico, no simples arrojo dos largos traços, dá vívida forma ao silente preito às cinzas inumadas naquela campa. Compõe-se dessarte o conjunto, unindo em aparente oxímoro a austera facilidade do risco, com a grandiosidade da criação, que retrata a linha existencial presa à um locum tuum anônimo mas enfim liberta das terrenas peias da sociedade de então.
Pela alegada devoção de admiradores, a sepultura de Oscar Wilde estava coberta das marcas de baton, que se impregnavam no mármore do monumento. Para que tais arroubos não terminassem por sufocar e dilapidar a obra escultural, se optou tanto pela limpeza do mausoléu, quanto por colocação de vítrea parede[1] de dois metros de altura, que se não impede a visualização da extrema homenagem, evita que os excessos de apreço venham a desfigurá-la.
[1] Como se sabe, depois de ataque por um desequilibrado, a escultura Pietà de Michelangelo, mostrada na Basílica de São Pedro, passou a ser protegida por vítrea parede blindada, após restauração feita sob a direção de brasileiro ilustre, o curador vaticano Dioclécio Redig de Campos.
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