Como maravilhoso fármaco, dá mais do que a impressão, na verdade a virtual certeza de que ao governante de turno tudo será possível. Vê aos que lhe rodeiam qual fossem seres que dependam de seus caprichos e vontades, autênticos vermes que se acha capaz ou de esmagar com uma pisada, ou de enaltecer se porventura tal lhe aprouver.
A húbris de que nos falam os gregos antigos será a enganosa companheira desses infelizes. Por se julgarem amados dos imortais, agem com a audácia e a segurança de quem se reputa o eterno favorecido da deusa Túxe.
Ora, não há divindade mais traçoeira, ardilosa e cruel do que a deusa Fortuna. Por uns tempos, ela se compraz em turvar o juízo de suas vítimas. Basta soprar-lhes junto ao crédulo ouvido, para engambelar tais criaturas com dádivas ilusórias. São demasiado fáceis de embair. Guindadas aos paços pelo acaso benfazejo, elas confundem o acidental e transitório dos mortais com a serena permanência do Olimpo.
Por isso, não logram contentar-se com as sensaborias da prudência, e, ao invés, sem dar-se conta de ridículo e perigo, se pavoneiam e tronejam junto à súcia dos próprios fâmulos e cortesãos. Com efeito, ao sorverem com goles sequiosos as fortes beberragens do orgulho e da soberba, elas pensam alçar-se acima das intempéries e das borrascas.
Ledo engano. Erram duplamente, ao imaginar que a gente palaciana lhe tem algum afeto entranhado, e que os ventos sempre soprarão a seu favor, com velas pandas e plácidos mares.
Não se deve duvidar da sinceridade do cortesão. Ele será sempre apegado ao poder, seja quem for que o detenha. Por isso, como ratos nos navios que fazem água, se precipitarão em abandoná-los, sem sequer um instante de hesitação.
Indício azíago de problemas futuros será o de contradizer-se e excogitar que o vulgo seja tão torpe a ponto de vir a admitir que no ar rarefeito das aulas palacianas possam valer especiais condições que o comum dos mortais, por vivida experiência, bem sabe que lhe são negadas.
Se, ainda por cima, tais privilégios não se coadunem, seja com os costumes, seja com a letra da lei, só um néscio – ou alguém tomado pela húbris – se atreverá a menosprezar a reta honestidade do povo soberano e manter, contra vento e maré, um favorito seu.
A popularidade de Dilma Rousseff pode estar nos píncaros. Aos jornalistas ela assevera ter “tolerância zero” com malfeitos. E, não obstante, defende a permanência do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Para tanto, ela não se peja de afirmar que as suspeitas de tráfico de influência que pesam contra o ministro se referem ao período anterior à sua posse.
Portanto, “não tem nada a ver com meu governo”. Ao lançar para a imprensa essa pérola, a presidente dá livre curso ao argumento ‘Jaqueline Roriz’, eis que para a Câmara não terá ocorrido infração contra o decoro, havendo a indigitada recebido a mala de dinheiro sujo antes da assunção do mandato.
Como a mulher de Cesar, os ministros não podem apenas ser honestos. Carecem também de parecê-lo.
Quando a boa lógica é jogada às urtigas, em troca do benefício da manutenção de um ministro que se torna mais pesado e gravoso com o passar dos dias, Dilma Rousseff se descobre constrangida a empregar os argumentos do absurdo, do gênero do lobo para cordeiro (se não foi seu pai, foi seu avô). Dessarte, a tentativa de impingir-nos que a saída de Antonio Palocci – o incômodo doppelgänger[1] de Pimentel - igualmento suspeito de tráfico de influência, se deveu à circunstância que ele “quis sair”.
Como dizia o outro, me engana que eu gosto. Tudo tem um limite. Ou vamos partir para a supressão do atestado de bons antecedentes, exigido do comum dos mortais. Afinal, consoante esta pára-lógica, se pode aventar que quaisquer malfeitos cometidos antes de assumir o emprego, não devem ser considerados...
( Fonte: O Globo )
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