A reincidência iraniana
A invasão da embaixada americana em 1979 e a tomada de reféns não é, pelo visto, no mundo islâmico, em geral, e no iraniano, em particular, um episódio que se possa consignar como se fora distante mostra da impetuosidade de turbas que despejassem a própria insatisfação desrespeitando a Convenção de Viena e a secular inviolabilidade diplomática.
Há pouco tempo a embaixada de Israel no Egito foi invadida e depredada, por outra multidão ensandecida e nada respeitosa de o que reputam sejam inaceitáveis privilégios que serviriam de covil para inomináveis trapaças. Sempre será difícil para o país sede, que é obrigado pela Convenção a assegurar a devida proteção aos emissários de nação representada, declarar-se incapaz de manter a incolumidade física dos diplomatas estrangeiros ameaçados. Além de retribuir o tratamento que recebem os seus diplomatas porventura sediados naquele país, está o poder local obrigado, por lei e milenares costumes, a impedir pela força a ação dos energúmenos e agitadores de ocasião, obstando qualquer dano seja físico ou material à embaixada e a seus indefesos diplomatas e oficiais administrativos.
Que um bando de populares, em geral industriados por agentes, se lance contra uma representação diplomática, reificada como manifestação do demônio ou antro de espiões, é reação típica de baixo nível cultural, que reflete a incapacidade de apreender o quão simbólico e pragmático é o instituto da exterritorialidade.
O que se afigura mais grave nas tropelias iranianas semelha a utilização da violência da plebe como forma alternativa de retaliação política. Tudo faz crer que os órgãos da esfera do Líder Supremo, o Ayatollah Ali Khamenei, estavam implicados na lamentável ação da tomada da embaixada, com danos às paredes, afronta ao pavilhão, detenção temporária de seis membros do plantel, quebra de janelas, queima de veículo, etc. A milícia basij, de negra memória nas sevícias contra os partidários do movimento verde, quando da eleição fraudada de Ahmadineja, se encarregou da lúrida tarefa.
Ali Larijani, o presidente do Parlamento, e confidente de Ali Khamenei, coonestou o ataque que, segundo ele, refletia a raiva popular contra a Inglaterra e que “o povo iraniano sofrera por muitas décadas de mau comportamento britânico”. Assinale-se que no dia anterior à investida, Khamenei atacara o Reino Unido como emblema da arrogância imperial do Ocidente, dizendo ‘que tinha uma história de humilhar as nações, de destruir a herança cultural e civilizacional e de tomar posse de seus recursos’.
Dadas as severas sanções impostas pelo Reino Unido – que se distinguem das de outros países, inclusive os Estados Unidos – as quais requerem o rompimento de todos os contatos com o Banco Central Iraniano, e que reagem contra novas provas de que o Irã esteja desenvolvendo armas nucleares e novos sistemas missilísticos.
O envolvimento do Líder Supremo – não há qualquer indicação de participação do Presidente Mahmoud Ahmadinejad na operação – agravou bastante o impacto da invasão. O Secretário do Exterior, William J. Hague, anunciou o fechamento da Embaixada britânica e a partida de todos os diplomatas do Irã. Exigiu que fosse igualmente cerrada a embaixada do Irã em Londres, atualmente a cargo de um encarregado de negócios a.i. , com o prazo de partida de todo pessoal em 48 horas.
Malgrado a linguagem, Hague não rompeu relações, que ficariam, contudo, ‘no seu nivel mais baixo’.
O isolamento iraniano não poderia ser mais marcado. Depois das acusações da Agência Internacional de Energia Atômica, cujo diretor japonês não mais reserva o tratamento especial que era dado à Teerã pelo egípcio El-Baradej, o Irã desfruta apenas do apoio dos velhos amigos da Federação Russa.
Diversos percalços inesperados, mas que pela concentração podem induzir a suspeitas de operações especiais, têm atingido seja a agência encarregada da construção de balísticos – o seu superior faleceu de modo bastante estranho -, assim como sofisticada guerra cibernética tem atazanado os dedicados operadores dos computadores iranianos, com o ingresso inexplicável de um worm – uma espécie mais letal de virus – nos complexos mecanismos de computação para o planejamento de energia nuclear que os iranianos timbram em afiançar seja de escopo pacífico.
Nesse confuso cenário, há óbitos súbitos de cientistas, em geral ocupantes de postos chave, numa atividade que parece prenhe de insidiosos riscos. Esse tipo de intervenção não faz parte obviamente de operações de guerra, no seu formato clássico. Mas a Administração Obama têm privilegiado esse tipo peculiar de ação, como o atestam a eliminação de Osama bin Laden, a desenvoltura dos ‘drones[1]’ e congêneres. A chamada Staatsräson[2] é uma fórmula que abarca uma série de ações não-convencionais das grandes potências, para que a autora retenha a faculdade de denegabilidade. Através de décadas passadas, esse tipo de ação configura operações com fins bélicos, que abrangem gama bastante extensa e flexível.
Depois de um intervalo de cerca de 56 anos, Secretário de Estado americano visita a antiga Birmânia, hoje intitulada Myanmar. Com efeito, desde a passagem de John Foster Dulles em 1955, nenhum chefe da diplomacia dos Estados Unidos apareceu naquele atrasado e pobre estado do Sudeste asiático. Depois de lograr a indicação de U Thant para a Secretaria Geral das Nações Unidas, a diplomacia birmanesa entrou em longo letargo, devido sobretudo à brutal ditadura militar instaurada na antiga Burma, depois rebatizada Myanmar.
A longa noite que caíra sobre esse país desde 1962 principiou a dissipar-se, com a passagem do poder, em março último, para o novo presidente general Thein Sein, findo o governo corrupto e ineficaz do general Than Shwe. Surgiram diversos indícios, posto que ainda tentativos, de que um novo período, mais feliz para o sofrido povo birmanês, poderia por fim repontar.Com a libertação de Aung San Suu Kyi, a prêmio Nobel da paz, de sua prisão domiciliar por decurso de pena, as primeiras reuniões entre o presidente e a líder democrática passaram a realizar-se.
Uma abertura democrática gradual comecou a ser implementada. Cerca de seiscentos prisioneiros políticos foram libertos das masmorra birmanesas, embora restem cerca de mil outros a aguardar a liberdade.
Isolada do mundo – o governo de Myanmar chegara a recusar a ajuda humanitária quando de recente ciclone que causou centenas de mortes – a ditadura militar só pôde subsistir pelo auxílio prestado por Beijing (e também pela India).
Durante a sua visita, a Secretaria de Estado Clinton encontrou-se com o Presidente Thein e outras autoridades estatais, na capital Naypyidaw assim como visitou a líder da oposição Suu Kyi. Hillary encareceu ao Presidente que amplie as reformas políticas iniciadas no corrente ano, liberte o restante dos presos políticos, e corte os laços militares ilícitos com a Coreia do Norte (dada a cooperação em mísseis balísticos e, possivelmente, tecnologia nuclear.
O que pode refletir a posição de Myanmar está na reduzida divulgação dada pelo oficialismo à inédita visita da Secretaria de Estado. Concomitante com a sua, houve anúncio e ampla divulgação da presença do premiê de Belarus, dentro do modelo que ainda prevalece de Myanmar navegando no mar de sargaços dos regime ditatoriais.
As solicitações de Hillary a Thein não são retóricas. Como as reformas realizadas são reputadas insuficientes, os Estados Unidos condicionarão a completa suspensão das sanções econômicas à maior democratização da Birmânia. A tal propósito, sublinhou que a reação americana será pontual: ‘hoje os EUA estão preparados a responder às reformas com passos medidos que reduzam o isolamento (do país) e melhorem a vida de seus cidadãos’. Tampouco Washington pretende doravante bloquear programas pelo Banco Mundial e pelo FMI. Igualmente apoiará o programa das Nações Unidas de Desenvolvimento em termos sanitários e econômicos.
Hillary Clinton entregou a Thein Sein carta do Presidente Obama, em que se afirma encorajado pelos diversos passos empreendidos pelo presidente birmano no caminho da reforma política. Acrescentou, no entanto, que mais precisa ser feito.
A Secretária de Estado se encontrou com a chefe da oposição democrática, Suu Kyi, a sua principal convidada para o jantar na embaixada estadunidense em Yangon. Na oportunidade, Hillary fez a tradição da missiva do Presidente Barack Obama para Suu Kyi, em que ele lhe agradece “pela inspiração que ela havia dado a todos nós no mundo que partilhamos os valores da democracia, direitos humanos e justiça.” E o Presidente americana completou: ‘estamos ao seu lado, agora e sempre’.
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(Fontes: International Herald Tribune, Folha de S. Paulo, O Globo)
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