Nesta República, a ética parece estar na moda, mas não exatamente segundo práticas que se achem intimamente associadas a esse gênero de regime. À primeira vista, no Brasil da presidente Dilma Rousseff, as considerações éticas se fazem assinalar mais pela relativa ausência do que pelo seu respeito.
Em noticiário hodierno, exemplos não faltam.
Ontem, o Supremo Tribunal Federal decidiu que Jáder Barbalho deve assumir uma vaga no Senado Federal. Determinantes foram os dois votos do Ministro Cezar Peluso que, por primeira vez, na história do tribunal se valeu da prerrogativa, introduzida em 2009, da faculdade do presidente ter duplo voto, quando houver empate na corte.
O Ministro Peluso recebera na véspera delegação de alto nível do PMDB, que fora pressionar o Presidente do Supremo por decisão do STF favorável à liberação da posse de Jáder Barbalho. Informada por Peluso de que a questão não era política, mas jurídica, a cúpula peemedebista saíu convencida da necessidade de entrada com novo pedido para fazer com o Presidente da Suprema Corte se valesse da prerrogativa do chamado “voto de qualidade”.
Feito em consequência o procedimento, e atendida no dia seguinte a solicitação de urgência, cabem, data venia, algumas indagações. Nunca havendo sido usado até o presente o voto duplo do Presidente, seria esta a ocasião mais adequada para iniciar tal prática, sobre que, de resto, pesam dúvidas de ordem constitucional ? Já no ano passado, durante julgamento relativo ao ex-governador Joaquim Roriz (PSC), Peluso se recusara a utilizar o expediente do voto duplo, argumentando que não tinha “vocação para déspota”.
A propósito da sentença de ontem, a Senadora Marinor Brito (PSOL), que deve perder a vaga para Jáder, assim se manifestou: “É um golpe antecipado na Ficha Limpa. A responsabilidade é do presidente Peluso que tomou uma decisão unilateral para privilegiar interesses das pressões feitas pelo PMDB”.
No que respeita ao processo do mensalão, provocou ‘grande desconforto’ em ministros do Supremo a entrevista concedida à Folha de S. Paulo, pela qual o Ministro Ricardo Lewandowski previu que o julgamento do mensalão não se dará antes de 2013, com a consequente prescrição de penas como formação de quadrilha. Encarregado de produzir voto de revisão paralelo ao do relator Joaquim Barbosa, Lewandowski alega que, ao receber o processo, será obrigado a “começar do zero”.
Nesse contexto, a coluna Painel de Renata Lo Prete insere a seguinte observação: “Como ‘do zero’ ?”, estranha um ministro, lembrando que os autos estão digitalizados e que nada impediria o colega de se debruçar sobre o trabalho. E emenda outra pergunta: “A quem ele serve ?”
Semelha relevante e oportuno a tal propósito, que o Presidente Peluso haja enviado ontem ofício ao ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, pedindo que coloque à disposição dos colegas a íntegra dos autos – inclusive peças sigilosas. A intenção é facilitar a elaboração dos votos dos ministros para o julgamento, com previsão para ocorrer em abril de 2012. No ofício, Peluso alerta para a importância de se evitar a “delonga do processo”.
Quanto ao aniversário da Presidente da República, Dilma Rousseff, que ontem transcorreu, os jornais assinalam do júbilo de particulares e relações, sentimento este decerto válido e compreensível. Entretanto, no que tange a presentes, existem questões a considerar quanto ao necessário equilíbrio entre aspectos privados e implicações públicas. Assim, longe de mim aqui discutir do apreço externado pelo cabeleireiro Celso Kamura – que enviou, segundo a Folha, conjunto de colar e brincos de ouro – mas em termos republicanos tais demonstrações semelham excessivas.
Desconheço se há no Brasil legislação sobre a questão, dada a necessidade de preservar o respeito à norma pública de impessoalidade, a fim de evitar-se eventuais constrangimentos. Em outros países, há regras bastante estritas que visam assegurar que nenhuma sombra de suspicácia de favorecimento indevido possa surgir, por eventual instrumentalização oportunista, de parte de amigos demasiado pródigos.
( Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo )
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