Não é decerto segredo que as eleições legislativas de outubro de 2010 produziram um congresso desequilibrado. Em Câmara e Senado a chamada base situacionista tem esmagadora maioria. A preponderância é tal que a oposição se vê regimentalmente manietada, como se comprova na dificuldade de convocar ministros para esclarecimentos acerca de qualquer tema.
Ora, esta função oposicionista se afigura como uma das mais comezinhas. Se a raquítica oposição de Sua Majestade só pode lograr eventuais vindas a comissões de personalidades da situação, se recorrer a malabarismos regimentais, trata-se de um estado de coisas de implícita gravidade.A despeito de disparatada e sem coesão, a base vem logrando com facilidade blindar os seus ministros e todos os demais que estejam sob sua proteção.
O recente – e, em verdade, ainda não superado – episódio das consultorias do Ministro Fernando Pimentel, tem demonstrado à saciedade quão simples constitui a blindagem das autoridades que a Administração Dilma Rousseff deseje preservar de exames mais sérios.
Malgrado a insincera afirmação da Presidente – é um problema pessoal dele -, as cautelas e as providências adotadas pelos representantes oficiais desvelam o temor de que um interrogatório mais abrangente e percuciente coloque em maus lençóis o Ministro do Desenvolvimento. Por isso, as lideranças oficiais não desejam que o assunto seja aprofundado. Daí, os dois planos da questão. A suposta irrelevância do problema (na versão do coro oficialista), e o contraditório pavor em que algum peralvilho oposicionista possa questionar Sua Excelência em qualquer comissão legislativa.
Na verdade, falta de lógica na imposição do arrocho nunca tirou o sono de líderes governistas. Com efeito, na lógica das perguntas e respostas é que mora o perigo. Daí a imposição da blindagem.
Sem embargo, essa questão levanta outro aspecto que é tão ou mais merecedor de atenção. Referi acima a inconveniente situação da oposição, inconveniência esta determinada por seu exíguo número, diante da esmagadora preponderância da base.
Fala-se muito na debilidade oposicionista. Excluído o resultado dos comícios de 2010, há dois outros fatores que nominalmente não relevam da situação e que, não obstante, trabalham contra a oposição.
O primeiro deles é a construção de um partido que num passe de mágica – sem que nenhum de seus representantes tenha sido eleito por esta legenda – congrega um número respeitável de deputados e até de senadores.
Pode reivindicar talvez primazia em dintinguir-lhe notórias qualidades políticas o líder do PSDB paulista, José Serra. Não terá sido o antigo candidato à presidência quem guindou às alturas do mando municipal o então militante do DEM, Gilberto Kassab ? Não me atreveria hoje a dizer que Serra continue a olhar com agrado a progressão de seu antigo pupilo.
O instituto da fidelidade partidária, que fora oportunamente recarregado pelo tribunal superior eleitoral, que credibilidade passa a ter, se o P.S.D. de Kassab se torne da noite para o dia a terceira maior bancada na Câmara, e ganhe inclusive a adesão de senadores, como Kátia Abreu, que deixou o DEM para filiar-se ao PSD ?
Assim, o senhor Kassab, proclamado um gênio político, conseguiu trazer 55 deputados para o seu novel partido. Não há negar que a oposição saíu com bancadas menores em outubro de 2010, mas o ulterior enfraquecimento não envolve sufrágio algum do eleitorado, mas sim a questionável possibilidade de através da janela do adesismo – que melhor imã do que um partido que não é nem contra nem a favor ?– desatar-se um sangramento em legendas como o DEM e o próprio PSDB.
Quanto a este último, parece sofrer da doença infantil do caciquismo, e da crescente dificuldade em triar rivais intrapartidários, o que o faz cair nas ilusões do fogo amigo e da demonização do adversário.
De uns tempos para cá, o PSDB pode parecer um reduto minado por aqueles militantes antes temidos pela esquerda – reporto-me aos infiltrados, ou agentes provocadores que, no passado, adentravam as sectárias igrejinhas para alimentar a cizânia.
Além de não valorizar a palavra e a conversa – que o presidente Tancredo Neves tanto estimulava – o que se vê atualmente no PSDB é a utilização da direção partidária para antagonizar por meios diversos não os adversários políticos, mas estranhamente outras seções estaduais do mesmo grêmio, cuja periculosidade semelha para os gerarcas maior do que aquela dos integrantes do partido majoritário.
Na verdade, por ulteriores revelações da imprensa, principiam a existir fundadas razões para questionar as intenções do Senador Aécio Neves, no que tange ao futuro do PSDB. Não se constroi – ou se restaura – uma força política que se deseja apresentar como alternativa viável de governo futuro, por intermédio de táticas como as denunciadas nas colunas de Ricardo Noblat – quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra por encomenda do jornalista Amaury Ribeiro – e de Ilmar Franco – fogo amigo nas denúncias contra Serra no livro ‘A Privataria Tucana’, do jornalista Amaury Ribeiro.
No citado livro ‘A Privataria Tucana’, o jornalista Amaury confessa que espionou o esquema de espionagem de Serra a pedido de Aécio. Perguntado sobre as denúncias de Serra, Aécio Neves preferiu sair pela tangente. Dada a gravidade dos atos em questão, mesmo na política, parece difícil visualizar recomposição entre os dois principais nomes tucanos. Será esse gênero de política o mais recomendável em uma organização que, se supõe, pretenda voltar ao poder ?
( Fonte: O Globo )
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