As circunstâncias materiais da tragédia urbana, em suas grande linhas, já são conhecidas. Por volta das 20:30hs da noite de quarta-feira, 25 de janeiro de 2012, um prédio de vinte andares, na rua Treze de Maio,44, desabou, provocando na queda a destruição de dois prédios menores, de quatro e dez andares, esse último na rua Manoel de Carvalho (de frente para os fundos do Theatro Municipal).
A impressão provocada em testemunhas oculares foi a de que o Edifício Liberdade houvesse despencado por efeito de implosão, chegando a ocorrência a ser comparada com o desastre das Torres Gêmeas, em New York. Nesse sentido, desprendeu-se enorme quantidade de poeira, cobrindo transeuntes que foram surpreeendidos pelo sinistro, quando atravessavam o logradouro, no caminho de casa, após o término do dia de trabalho.
Dado o grande volume do entulho acumulado, e as condições por vezes precárias da busca de vítimas, até o terceiro dia foram encontradas dezessete. Restam cinco desaparecidos, de que a possibilidade de sobrevivência é muito baixa. O próprio comandante dos bombeiros empenhados declarou não mais trabalhar com a hipótese de que ainda haja sobreviventes. Passadas as primeiras quarenta e oito horas, dado o volume, o peso e a compactação do entulho, semelha muito improvável que alguém possa resistir em condições tão adversas.
Dos que se achavam nos prédios atingidos, houve seis feridos. Duas pessoas lograram salvar-se em condições quase miraculosas.
Nas proximidades dos três prédios, está também a Câmara de Vereadores, de onde familiares assistem os trabalhos de remocão do entulho, agarrados à esperança que costuma prevalecer sobre a frieza da lógica, na espera de rever seus entes queridos.
Das vítimas encontradas, a 14º foi localizada em meio a destroços que já tinham sido descartados. Essa lamentável falta de atenção foi divulgada pelo secretário de Defesa Civil, coronel-bombeiro Sérgio Simões. O corpo “em muito mau estado, muito dilacerado, foi inadvertidamente levado para o local dos entulhos”. A vítima foi descoberta pelo pessoal da Comlurb, a empresa municipal de limpeza urbana.
Causas do Desastre.
A manchete de hoje de O Globo pode servir de intróito: “Responsabilidade pela obra suspeita vira jogo de empurra”.
Em um país e uma cidade onde a responsabilidade pela causação de tragédias nem sempre é determinada de forma irretorquível – e a impunidade dos supostos autores constitui a consequência (o naufrágio do bateau-mouche semelha exemplo apropriado) – já se verifica pelas páginas dos jornais que os responsáveis não se limitam à empresa TO Tecnologia Organizacional. A TO, dona das salas onde eram realizadas obras irregulares, suspeitas de comprometerem a estrutura do prédio, representantes da administração do Edifício Liberdade, e o dono da empresa chamada para dar parecer técnico apresentaram versões antagônicas sobre suas responsabilidades.Se a cacofonia é tristemente previsível, seja-nos permitido incluir a Prefeitura entre os personagens que se omitiram. A obra, consoante divulgado, sequer tinha uma caçamba na calçada, para coletar o respectivo entulho. Tampouco exibia placa da empresa responsável pelos trabalhos. Assinale-se que a obra não se realizava em algum canto inacessível do Rio de Janeiro. Situava-se na direta vizinhança do Theatro Municipal, no centro do Rio de Janeiro, a poucos passos da Cinelândia.
Onde estava o Crea – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro – será uma boa pergunta ? Segundo o seu presidente, a última Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) relativa ao prédio sinistrado data de 2008.
Outro aspecto que provoca espécie é a foto da empena do Edifício Liberdade. De modo ilegal, a sua superfície estava coalhada de janelas abertas irregularmente. Esse procedimento – que já motivou um filme argentino sobre prédios de Buenos Aires – aqui passou em branca nuvem, até que a ocorrência do desastre condicionasse questões sobre eventuais efeitos dessas obras abusivas na estrutura do prédio.
Por falta de vistoria do Corpo de bombeiros, explosão em restaurante na Praça Tiradentes provocou a morte de pedestres e de empregados. A causa estava em bujões de gás estocados clandestinamente no subsolo.
Após a implosão provocada por essa mistura nefasta de desídia municipal, obras irregulares e temerárias, não se pode omitir a pergunta sobre o número de fiscais da prefeitura, e o seu paradeiro.
Do Prefeito Eduardo Paes, se assinala a presença, em geral imediata e solícita, ao local de mais uma desgraça municipal. É na previsão dos acidentes e dos sinistros que providências carecem de ser tomadas, e com urgência. O desrespeito às regras estava exposto na empena do edifício por anos a fio. Havia outras irregularidades quase tão manifestas. A sopitada pergunta: onde vagam as miríades de fiscais municipais ?
Como devemos encarar as fotos publicadas pela Folha de S. Paulo sobre operários pilhados garimpando os escombros, em local usado como entreposto para a destinação final do entulho dos prédios ? São homens que envergam os uniformes da Secretaria de Obras do Governo do Rio de Janeiro vasculhando bolsas e bolsinhas, que são presumivelmente restos de propriedade das vítimas do sinistro.
Todo esse material deveria ter sido peneirado com mais atenção, e entregue à guarda de funcionários responsáveis, que o coletariam para que pudesse ser eventualmente visto e reclamado pelos parentes mais próximos das vítimas .O respeito aos mortos e a seus pertences não é mera figura de estilo. É uma maneira inequívoca de tratar os sacrificados por erros que não cometeram com um mínimo de respeito.
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