quinta-feira, 21 de junho de 2012

Frau Merkel e a volta da ovelha grega

                             
         Será que é para valer a frase da Chanceler alemã que a Grécia, para voltar ao aprisco, tem de respeitar todas as condições que lhe foram impostas pela U.E. ? Gostaria de pensar que não, que é posição inicial de quem sabe que terá de fazer concessões, mas não deseja enfraquecer  suas condições de negociação.
        Mas a rigidez faz parte da mentalidade da chefe da União Cristã-Democrática (CDU), que é o partido de centro-direita, criado no pós-guerra por Konrad Adenauer, velho político do antigo Centro da república de Weimar, que seria, na década de cinquenta, um dos fundadores da Comunidade Econômica Europeia, junto com Robert Schuman e Jean Monnet.
       Angela Merkel é natural da antiga Zona Soviética, a chamada República Democrática Alemã (DDR), que se desfez com a queda do Muro de Berlim, a partir de nove de novembro de 1989.Angela Merkel sucedeu a seu mentor, o Chanceler Helmut Kohl que, valendo-se da dissolução da União Soviética, logrou a ambicionada reunificação da Alemanha a despeito das resistências iniciais da Primeira Ministra Margaret Thatcher (Reino Unido)  e do Presidente François Mitterrand (França).
       Já sacramentado o gabinete de Antonis Samaras (Nova Democracia), em coligação com o Pasok, de Evangelos Venizelos e a Esquerda Democrática, de Fotis Kouvelis, se iniciará a negociação com a União Europeia. A República Helênica, que está à míngua de fundos, e a U.E., que deseja evitar o temido calote grego, com as suas imprevisíveis consequências para a economia tanto europeia, quanto mundial, têm todo interesse em chegar a um acordo.
       Samaras venceu por estreita margem o Suryza, de Alexis Tsipras, com a sua proposta radical de ruptura. O cansado povo grego votou pela permanência na zona do euro, e também pela retomada, dentro da União Europeia, da recuperação econômica da Grécia.
       As draconianas (ou procrusteanas[1]) condições impostas àquela pequena república – que é o último bastião do Ocidente diante do Oriente – ameaçam matar junto com a doença o respectivo paciente. Se os gregos carecem de saber que os tempos são outros, e que não podem mais viajar na maionese, na inepta vigilância comunitária de Bruxelas, e nas alegres dívidas (no modelo irlandês) do euro-maravilha, o bom senso e a medida têm igualmente de intervir.
      Um exemplo – que para os filisteus há de parecer de somenos – está nos efeitos colaterais das negociações da salvação financeira da República Helênica.
     Nos desarrazoados cortes de despesa, determinados pelos credores, Atenas chegou ao extremo de negar o legado da Antiguidade Clássica. Para desafogar o Erário, acedeu em cortes abstrusos no setor arqueológico, com a aposentadoria antecipada de muitos de seus principais diretores e arqueólogos.
    Com a resultante acefalia, muitas escavações foram interrompidas. Uma delas se acha no Peloponeso, na heróica região de Messina. Ali fora descoberto, em um dos cumes daquela área montanhosa - e muito próximo do celebre sitio do Templo de Apolo Epicuro (que está no Patrimônio da Humanidade, da Unesco) – os fundamentos de outro templo, datado do quinto ou sexto século antes de Cristo. Os trabalhos arqueológicos para trazer a lume mais uma joia arquitetônica da Antiguidade tiveram de ser interrompidos por falta de autoridade para orientá-los.
     Também em parte  pelo abandono em que se acha o Ministério da Cultura e do Turismo, o Museu Arqueológico de Olímpia, erigido próximo do sítio dos jogos olímpicos, no Peloponeso ocidental, sofreu ataque armado que se apoderou de dezenas de artefatos da Antiguidade arcaica e clássica.
     Como a falta de fundos leva ao corte de seguranças armados para defender a arte antiga dos ataques dos saqueadores, entende-se que o alcance das economias determinadas pela U.E.,além dos empregos, atinge a herança da Antiguidade e valores inquantificáveis na mesa dos euro-burocratas, estejam eles em Bruxelas (U.E.) ou em Frankfurt (Banco Central Europeu).
    Dessarte, também a perda do patrimônio comum da Humanidade está na mesa de negociações, entre Samaras e a U.E., com a Chanceler Merkel à frente, como a primeira – pelo maior peso econômico – entre parceiros supostamente iguais.
   Samaras é um homo novus na política grega. Os dois principais partidos – o Pasok e a Nova Democracia – tem sido feudo, respectivamente, das famílias Papandreou e Karamanlis. No caso da Direita, há igualmente a família Mitsotakis, que é hoje representada por Dora Bakoyanis, derrotada por Samaras em 2009 em votação interna pela liderança da Nova Democracia.
    O novo Primeiro Ministro desperta alguma desconfiança em Bruxelas pelas suas afirmações contra acordos anteriores entre a Grécia e a U.E. Samaras, no entanto, é um realista, que sabe haver ganho por estreita margem de apoio do eleitor grego para tentar salvaguardar a permanência na zona do euro. O seu gabinete de coalizão não desconhece que o Suryza de Tsipras é o Haníbal que está nas portas da cidade. Samaras tem de manter a credibilidade, e só o logrará se arrancar da aliança europeia um acordo com maior flexibilidade, sobretudo no que tange ao enorme desemprego e à precária situação da economia grega.
    O povo grego conta continuar no paraíso do euro, desde que não lhe seja cobrada como condição sine qua non o equivalente da libra de carne de Shylock. Como na Antiguidade, a trirreme helênica terá de negociar indene a navegação no estreito de Messina, entre o rochedo de Cila e o redemoinho de Caribdes.
   Traduzida na mítica linguagem com que os atuais distantes herdeiros da antiga tradição guardam ainda a compreensão, é este o desafio que cai nos ombros de quem soube extrair um tênue mandato de uma sociedade, pequena nos números, mas grande no simbolo da mensagem da civilização ocidental.



( Fonte: International Herald Tribune )   



[1] Procrusto era um bandido que assaltava na senda entre Atenas e Megara, na Grécia continental. Cruel, as suas vítimas tinham de deitar-se no famoso leito. Se fossem maiores, teriam as extremidades decepadas; se menores, seriam estendidas como no suplício da roda.  De acordo com Junito Brandão, foi Teseu o herói que o justiçou, enquanto o submeteu, de forma apropriada, ao suplício que empregava para suas vítimas. Outras fontes assinalam que teria sido Hércules o herói que dele deu cabo.

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