domingo, 17 de junho de 2012

Até quando o Supremo permitirá a Censura ?

                                
                       
        Não é só a sentença , baixada pelo Desembargador Dácio Vieira (TJ/DF), que decreta a inconstitucional censura contra o jornal Estado de São Paulo. Não é só a sua incôngrua permanência que se aproxima neste julho próximo de três longos anos. Não é só o silêncio dos advogados e do próprio jornal. Não é só a falta de um julgamento de parte do Supremo, após a sessão que apenas conheceu e mal a liminar, em não a julgando, excetuado punhado de nobres votos discordantes, bastante para que se atalhasse a insídia de determinação inconstitucional.
       E não é só no que tange à operação Boi Barrica e Fernando Sarney que existe censura nesta terra. Em verdade, a inação do Supremo permite que se desrespeite cláusula pétrea da Constituição.
       E não é só quanto ao noticiário do jornal no que respeita ao seu esforço investigativo. Dir-se-ía que o não à censura  se transmutou em débil, inútil murmúrio, que juízes de primeira instância não hesitam em abafar.
       O mutismo do Supremo Tribunal Federal  até  parece insuflar esta deplorável onda de arrocho, de sufocação da liberdade de pensamento.
       Dessarte, os advogados das partes, animados por uma aparente temporada de caça, em ação na qual encarecem o recolhimento de uma autobriografia, chegam ao extremo de sustentar “que a retirada dos livros de circulação não ofende a liberdade de expressão prevista na Constituição Federal”.
       A persistência de uma censura inconstitucional não é só um escândalo, porque a inação da Corte Constitucional semelha difundir mensagens e insuflar ações descabidas, que vão além e muito da decisão do desembargador Dácio Vieira.
      A censura se espraia, os seus acólitos crêem oportuno exigi-la no que concerne a revistas e livros, nos quais, ou se impõe a ominosa tarja preta, ou se determina o recolhimento.
     De que serve toda a algazarra e tumulto que sucedeu à censura contra o Estadão, se ao cabo tudo se aquieta, sem que nada mude ? Precisa ser tão curto o pavio dos defensores da liberdade de expressão, como se os justos reclamos e  invectivas não passassem de atoardas de que o tempo tratará de calar em breve ?
     Antes a censura mostrou a sua face hedionda nos grotões de que nos falou Tancredo Neves. Nos dias que correm, no entanto, ela dá mais do que a impressão de não temer os centros do poder, e o maior conhecimento e defesa das conquistas havidas, que a eles se associa.
     Em um cenário que recorda o pré-iluminismo, como se o Marquês de Beccaria e seus êmulos fossem apenas miragens no deserto, eis que avultam ocorrências que mais se confundem com o ambiente opresso da noite dos tiranos e o seu horror da liberdade.
    A que atribuir tal indiferença, tal mutismo, tal silêncio conivente da sociedade que, ao permitir o tripudiar da liberdade, mais lhe agrava e aprofunda o desrespeito ? Será acaso um vezo do caráter nacional do brasileiro, incapaz de manter uma recusa ou uma determinação de escoimar erros e castigar gente culpada ?
    Como haveremos de colocar lado a lado a firme, resoluta condenação da censura, na palavra de quem tinha suportado, pelos anos de chumbo da ditadura e até mais além no tempo, o carimbo ignóbil da institucionalização do obscurantismo, com as palavras - que hoje hão de parecer ingênuas – Censura nunca mais !
     Acabava de ser promulgada a Constituição, e os seus próceres e contemporâneos acreditavam nas cláusulas, geradas pelo sofrimento da intolerância, e que reputavam sufocar para sempre a ignomínia da censura:

  é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’  (inciso IX do artigo 5º )

  A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

  (parágrafo 2º) É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.’   (Artigo 220)

   Terão os seus redatores e defensores acaso esquecido que o preço da liberdade – e da preservação dos direitos respectivos – está na eterna vigilância ?
   Porque os inimigos da democracia estão sempre a espreita, prontos para testar a resistência dos verdadeiros paladinos da justiça e da liberdade.
   Convenhamos que o letargo do Supremo contribui para que a visão horrenda das cabeças da hidra se entremostrem com crescente atrevimento.
  Como definir o silêncio que tem envolvido a censura de livros, a imposição de multas, e o seu recolhimento aos porões por ordem judicial, com a proibição da circulação de livros, v.g., biografias de Garrincha, Roberto Carlos, e agora a autobiografia de um lutador ?
    Será que tais cláusulas da chamada Constituição Cidadã estão votadas a transformar-se na letra morta dos velhos decretos, malgrado inscritos no mármore ático das humanas ambições, cinzeladas pela liberdade no seu parto de lutas compridas e incessantes, contra a carantonha do despotismo ?
    Ó Supremo, até quando a nossa paciência há de suportar o teu silêncio ?



( Fonte subsidiária: Folha de S. Paulo )     

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