domingo, 12 de fevereiro de 2012

Síria: Sufocação através do Atoleiro ?

   
       Será que o Ocidente permitirá que uma rebelião popular - que, malgrado as lorotas do regime, se estende por toda a Síria – seja sufocada, covardemente, pela aliança de Bashar al-Assad com duas autocracias ?
       O presente levante da sociedade síria, embora hoje muito mais amplo, guarda perturbadoras semelhanças com o massacre perpetrado em Hama, em fevereiro de 1982, pelo então ditador Hafez al-Assad, alegadamente para reprimir sublevação islamista, com total imprecisado de  mortes, a oscilarem entre dez e vinte mil. Na verdade, a sua indeterminação – eis que pelo tempo consumido (cerca de um mês) a matança  poderia ter totais ainda maiores – reflete outro incômodo fato: a pesada indiferença ocidental como se tais morticínios não gritassem contra os direitos humanos e as mínimas regras a serem observadas pelos países membros das Nações Unidas, que, segundo consta, são signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
       Na época, a operação fora comandada in loco pelo irmão de Hafez, Rifaat al-Assad, assim como hoje as missões mais árduas são confiadas à 4ª Divisão Blindada, sob a responsabilidade  de Maher al-Assad, também ele irmão do presidente, hoje Bashar al-Assad. Como o futuro é ainda desconhecido, não se pode determinar se Maher agirá como Rifaat, que mais tarde malograria no intento de apear o irmão do poder.
       Sem embargo,   o sanhudo apoio prestado pela Federação Russa e a República dos Ayatollahs ao Estado alauíta de Bashar contrasta com a tímida ajuda dada pela comunidade internacional à revolução síria, de onze meses. Até o presente, a despeito de ineficaz missão de observação da Liga Árabe, e de sanções baixadas pela União Europeia e os Estados Unidos, nenhum auxílio militar foi prestado às cidades sírias que, a exemplo de Homs, Hama e Dara, vem sendo sistematicamente alvejadas pela artilharia de al-Assad.
      Se as sanções têm pesado nas finanças do regime (e do país), não têm por ora efeito apreciável no números de obuses e de bombas lançadas pela artilharia do exército sírio, dirigidos contra a população civil. A resistência – que Bashar procura alcunhar de ‘bandidos estrangeiros armados’ – enfrenta sozinha a repressão, em um combate assaz desigual.  O regime alauíta até o presente dispõe da mesma supremacia em termos de armamento de que se valera a Jamahiriya do coronel Muammar Kaddafi  para tentar destruir a rebelião, que partira das tribos da região oriental da histórica Cirenaica.
     O que surpreende na Síria será menos a radical diferença na assistência da aliança de países que apóiam a revolução popular – excluído o lento efeito das sanções, uma benigna indiferença militar – do que a capacidade de um povo em persistir numa batalha aparentemente sem perspectiva de triunfo militar.
    O regime alauíta pode sentir e fundo os golpes no intercâmbio e nas relações financeiras – em fim de contas, a aliança contrária parte da vizinha Turquia, abrange a maioria dos membros da Liga Árabe, e inclui todo o Ocidente – mas dispõe de suportes que não tem poupado esforços para manter em condições de navegabilidade a atribulada e assediada nau do oftalmólogo Bashar al-Assad.
    Não parecem muitos, é verdade, mas têm até o presente ofertado valiosos préstimos para o governo de Damasco. Comecemos pelos inquietos ayatollahs de Teerã que, atrás de cortina de fumaça de débeis admoestações, trazem o ansiado apoio técnico em termos de repressão, veiculado pelo Comandante dos Guardas Revolucionários Iranianos, Mohammed Ali Jafari.
    Não faz muito os Guardiães da Revolução anularam o Movimento verde de Mir Moussavi e do clérigo Mehdi Kerroubi, abraçado por estudantes e antigos revolucionários, no seu levante contra o esbulho sofrido nas eleições presidenciais de 2008, e a fraudulenta atribuição do cargo a Mahmoud Ahmadinejad,  então candidato do Líder Supremo, Ayatollah Ali Khamenei.
    O auxílio prestado pelos iranianos visa a manter navegável o navio dos al-Assad, que faz a desejad ponte com os movimentos do Hezbollah, no Líbano, e do Hamas, na Palestina. A queda de Bashar determinaria ou acentuaria, melhor dizendo, o isolamento do regime dos ayatollahs.
   O ditador sírio conta, outrossim, com a aliança de Moscou e a tópica simpatia de Beijing. São duas potências membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que invalidaram dois projetos de resolução do Conselho.
   O veto da China – que é extremamente parcimoniosa no emprego desse válido instrumento de política – Bashar deve agradecê-lo a Moscou, porque os chineses prezam a aliança com Moscou, e não querem deixar isolado o Kremlin. Oportunamente, a conta chegará a Putin, mas isso é outra estória.
    Quanto a gospodin Vladimir Putin, não é à toa que se tem desgastado na sustentação de uma nave de que os ratos principiam a ter dúvidas quanto à segurança do valhacouto de seus porões. A Federação Russa apostou muito pesadamente no atual regime, seja em inversões no porto de Tarsus – o único remanescente para a sua marinha de guerra em águas quentes -, seja em créditos e intercâmbio comercial.
    A visita do Ministro do Exterior russo, Sergei Viktorovich Lavrov, logo após o veto salvador, foi demonstração ou de coragem, ou de imprudência, no que depender do veredito da Deusa Fortuna. Percorrer Damasco em carro blindado, e ser recebido por um isolado e ameaçado déspota, é operação de alto risco diplomático. Lavrov, que ocupa o cargo desde 2004, foi diplomata soviético e hoje está a serviço da dupla Putin-Medvedev.
    A forma com que este auxílio tem sido mantido despertou em observadores a suspicácia de que o Kremlin aposta na supressão violenta da larga e irrestrita sublevação populacional – que já atinge o estágio clássico na revolução de provocar a adesão de militares através da deserção. Esse fenômeno, atestado pela Revolução Francesa, não é de molde a dar tranquilidade aos aliados (estrangeiros ou não) do status quo, porque ele só ocorre quando o processo  se encontra bastante adiantado.  
     Hoje, se noticia o assassínio do general de brigada Issa al-Kholi, médico-militar e diretor do hospital Hamish.
     O general teria sido abatido na frente de sua casa, em Damasco, por ‘um grupo terrorista armado’, consoante noticia SANA, a agência oficial síria.
     Segundo informa a CNN, al-Kholi provinha de poderosa família militar alauíta, sendo parente de Mohammed al-Kholi, o antigo chefe do serviço de inteligência da Força Aérea, sob Hafez al-Assad, o pai de Bashar e ditador até 2000.
     Pelo seu escalão, a sua importância hierárquica não seria das maiores. Se até o presente, a capital esteve livre de episódios de maior violência, o assassinato do general poderia indicar o possível alastramento do levante para os logradouros de Damasco, o que implicaria em ulterior agravamento da situação.
     Como assinala o despacho, há informes contrastantes sobre a autoria do atentado. A esse respeito, o subchefe do Exército Livre da Síria aventa a possibilidade de que o general tenha sido morto pelo próprio regime.
     Seria prematuro, no entanto, avançar hipóteses a tal respeito. De qualquer forma, afigura-se crítica a situação médica na Síria. Falta tudo em termos de equipamento e medicamentos nos hospitais e ambulatórios. Nesses termos, os ferimentos causados, v.g., em Homs, à população civil terão o efeito agravado exponencialmente, pelas mais comezinhas dificuldades materiais.



( Fonte subsidiária:  CNN )

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