sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Atoleiro Sírio (2)

                                     
        Bashar al-Assad pode lamentar os ‘bons tempos’ em que o Ocidente permitia, em compungido silêncio, a realização da ‘operação de limpeza’ do levante islamita na cidade de Hama, sem nada fazer para atalhar a sistemática matança de milhares de nacionais sírios, sob as ordens de Hafez al-Assad, o então todo-poderoso ditador.
       O filho e sucessor Bashar al-Assad tem, por vezes, de navegar com mais cuidado, para contornar os escolhos e arrecifes de uma quase mundial oposição. Ela é decerto mais vocal,  extensa e atuante do que a dos anos oitenta, mas ainda recorda a precedente pela singular ineficácia de alterar, senão conter, o comportamento do tirano de turno.
       Existe nas Nações Unidas esmagadora maioria de países que condenam a cínica e desabrida atuação do déspota sírio, e apóiam a longa luta de um sofrido povo em prol da democracia. Muito em breve essa revolução completará um ano e, se a guerra civil se estende por quase todo o país – com ameaços inclusive nos subúrbios de Aleppo e Damasco – o presidente Bashar parece longe de debater-se nas vascas da agonia que carregaram não faz muito um provado companheiro seu, o líder da Jamahiriya.
      O referido desequilíbrio na ONU não é, no entanto, uma situação nova. Tal descompasso prevalece desde o seu surgimento em Lake Success. Dessarte, a Assembleia Geral tem caráter deliberativo. As suas recomendações não tem força executiva. Este poder cabe ao órgão diretor no quadro das Nações Unidas, que é o Conselho de Segurança.
      Para atender às então grandes potências, e em especial ao aliado J. Stalin, o presidente Franklin D. Roosevelt concordou em que os cinco membros permanentes teriam o direito do veto. Pouco importa que as realidades do imediato pós-guerra pouco tenham a ver com a situação no século XXI. Destes  cinco membros permanentes do Conselho – Estados Unidos, União Soviética,China, Reino Unido e França – a URSS foi sucedida por uma diminuída Federação Russa, e a China de Chiang Kai-shek pela China Comunista de Mao Zedong. Quanto às duas antigas grandes potências europeias, constituem um anacronismo que fica pendente de uma suposta reforma das Nações Unidas, reforma essa que por demasiado tempo tem balizada a atuação de muitas diplomacias.
      O direito de veto continua bastante válido, e ele é apanágio das grandes potências. Vale sempre e muito para proteger os interesses do estado-cliente (Israel no caso dos EUA), aspectos econômicos e de poder imperial (RPC), e agora a Rússia (em defesa do seu dependente Bashar).
     Se foi introduzido supostamente para contrabalançar as falhas da antiga Liga das Nações, em termos de direito internacional público o direito de veto será sempre um remanescente dos arreganhos das chamadas grandes potências. Antidemocrático, ele inviabiliza as maiorias da Assembleia Geral, eis que é um verdadeiro escândalo que o poder internacional se descubra manietado por um único voto (ou o que dá no mesmo, quando um segundo voto de circunstância a ele se agrega).
    Apresso-me, no entanto, em dizer que, por motivos acima aludidos, nenhum membro permanente pode censurar os demais pelo uso abusivo desse direito conferido pela Carta.
     A recente reunião em Túnis do ‘Grupo de Amigos da Síria’ nada trouxe que suscite maiores inquietudes no campo do Presidente sírio, e de seu reduzido punhado de aliados. As instruções da Secretária de Estado Hillary Clinton ainda não se estendem à distribuição de armas para equilibrar um combate. Apelos para descumprir ordens terão escassa validade, se as forças de Assad continuarem a deter o controle da situação, inclusive o de fuzilar eventuais trânsfugas.
     Compreende-se que a Administração Barack Obama não deseje meter-se no chavascal de outros conflitos, a exemplo do ocorrido com o seu predecessor George Bush júnior, mas não há de escapar a agentes políticos calejados que a escala das ações admite várias gradações.
     De um certo modo, a reunião de Túnis, carimbada de fracasso pela mídia, pode ser o início de  processo que aprenda  a lidar com as realidades no terreno, e descubra meios de dar à resistência síria condições de impedir esse impune morticínio de civis indefesos.
      Para quem, por cortesia de apoios pontuais e da ineficácia de fragmentárias sanções, aí se julga firmemente plantado, não serão grandiloquentes apelos que o farão mudar de postura. O denodado sacrifício de uma sublevação da sociedade civil carece de valer-se de apoios mais convincentes,se não se deseja vir a integrar a vasta coorte dos levantes malogrados.




(Fontes: O Globo, International Herald Tribune)       

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