terça-feira, 26 de abril de 2011

Que Santo para nossos dias ?

          Despertou espécie em vários círculos, eclesiais ou não, a rapidez com que o Papa João Paulo II, o venerável servo de Deus Karol Wojtyla será elevado aos altares pelo antigo colaborador e atual Pontífice, Bento XVI.
          Por iniciativa de Papa Ratzinger, foi descumprido, no caso de João Paulo II, o prazo mínimo de cinco anos após a morte, para a instauração do processo de beatificação. O quinquênio é exigido pelo óbvio motivo de que a causa não sofra a influência de fatores emotivos decorrentes da proximidade do desaparecimento do eventual candidato à santidade.
          A beatificação, que é precedida de seu reconhecimento como servo venerável, não deveria ser o produto imediato do sentimento de pesar e da perda ainda recente do Pontífice. O intervalo de cinco anos ensejaria, dessarte, um tempo de reconsideração e de reavaliação da obra, da personalidade e da excelência das respectivas virtudes, para que a eventual decisão seja menos resultado da emoção, do que da reflexão.
          O Papa Bento XVI, que ascendeu à Sede Pontifícia, com 78 anos de idade – em marcado contraste com a relativa mocidade de João Paulo II – terá considerado, a par de seu apreço pelo predecessor, a disponibilidade do tempo para alcançar o que julga como injunção de elementar justiça.
          João Paulo II, o papa polonês, gozou em seu pontificado – o quarto mais longo na história da Igreja - de imensa popularidade, devida em boa parte ao forte caráter e à influência política – refletida notadamente na contribuição para a derrocada do comunismo - a grande capacidade comunicativa, e o incansável trabalho pastoral, com as incontáveis viagens através do mundo.
          O atentado de Ali Agca, a 13 de maio de 1981, no terceiro ano de ministério, lhe marcaria cruelmente a trajetória, porque, após vencer a grave lesão e inesperada recaída na convalescença, Papa Wojtyla perderia, decerto prematuramente, parcela da energia e a desenvoltura que lhe tinham assinalado o início do empenho pastoral.
          Combalido e, mais tarde, com o avanço da doença de Parkinson, realizou esforço indômito para prosseguir com pesada rotina de trabalho. Tal sofrimento fê-lo crescer ainda mais no respeito e na veneração de todos aqueles que, de perto ou de longe, tiveram a oportunidade de acompanhá-lo na sua faina de sucessor de Pedro.
          No entanto, João Paulo II marcaria também a permanência na Santa Sé por acentuado viés conservador – um traço do episcopado polonês e, sobretudo, de seu mentor, o Cardeal-Primaz da Polônia, Stefan Wyszynski – que o levaria, já nos seus albores, a tratar duramente diversos teólogos de nomeada, como Hans Küng, Edward Schillebeeckx e, mais tarde, através do Cardeal-Prefeito do antigo Santo Ofício, a Leonardo Boff, O.F.M. Foi nesse contexto que o maior teólogo da época, Karl Rahner, cunhou, com a habitual reserva, a expressão ‘o inverno na Igreja’.
          Dentro de tal postura, Papa Wojtyla favoreceria prelados e organizações de matiz conservador. Nesse contexto, mostraria especial predileção por José Maria Escrivá de Balaguer, fundador da Opus Dei. Com efeito, João Paulo II beatificaria e canonizaria (em 2002) a Escrivá de Balaguer, a despeito de persistirem várias e sérias dúvidas sobre as suas virtudes heróicas.
          Por fim, - e talvez seja o argumento mais grave contra a beatificação do Papa polonês - a sua inação no que respeita às denúncias de pedofilia na Igreja. Neste aspecto, como assinala Maureen Dowd na sua coluna, apesar de formalmente acusado de pedofilia em processo vaticano, o fundador da Legião de Cristo, o Rev. Marcial Maciel Degollado, manteve o respectivo prestígio com o Vigário de Cristo. Assinale-se, como refere Dowd, que ‘a ultra-ortodoxa Legião de Cristo e a Opus Dei eram as tropas de choque na guerra de João Paulo (II) contra os Jesuítas e outros teólogos progressistas’.
         Entrementes, o Papa do Concílio, João XXIII, teve a própria santidade reconhecida por João Paulo II apenas em 2002. Papa Roncalli morrera em três de junho de 1963 cercado pela devoção dos fiéis e a admiração dos não-crentes, o que fazia crer na proximidade de sua elevação aos altares. Os seus sucessores, no entanto, malgrado a extensão do culto que lhe é dirigido, timbraram em postergar-lhe o reconhecimento eclesial (João Paulo I, dado o caráter efêmero de seu ministério, não pode ser obviamente incluído nessa companhia).
         Em 2000, João Paulo II, nos anos finais do pontificado, beatificou o Papa Bom. Com tantas qualidades – o grande carisma, a bondade, humildade e abertura da Igreja aos tempos modernos – a par da manifesta santidade e amplitude da respectiva devoção, nos defronta a pergunta ineludível: por que a Igreja, enquanto distingue tantos nomes que não suscitam comparável atenção, fervor e veneração, timbra em retardar-lhe a diferida e por muitos ansiada canonização ?
         Recordo-me de em visita protocolar ao Prefeito da Congregação da Causa dos Santos, Cardeal Corrado Bafile, haver perguntado sobre as perspectivas do processo de santidade de Papa Roncalli (João XXIII). Bafile me disse julgar apropriado que os candidatos à santidade tivessem período de espera de cinquenta anos. Posto que então tal norma me parecesse algo despropositada, se fizermos as contas (João XXIII faleceu em 1963) a data de sua consagração estaria iminente, mesmo segundo o critério ultracauteloso do Prefeito da Causa dos Santos...
         Não sei, de resto, o que pareceria àquele Cardeal da Cúria a pressurosa homenagem de Bento XVI ao seu antigo chefe e dileto amigo. De qualquer forma, como nos ensinou o Papa do Concílio, a Igreja precisa sair dos palácios e abrir as janelas para os ares dos novos tempos. Sob o signo da Obediência aos princípios da fé, e da busca da Paz, que nasce de um respeito pelo próximo que vai muito além das fórmulas de conveniência. Em toda a sua longa caminhada Angelo Roncalli seria sempre a epítome dessa vocação de respeito, compreensão e boa vizinhança.


              (Fonte subsidiária: International Herald Tribune)

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